É hora de negociar. A vida das startups portuguesas depois da Web Summit

No início de novembro, todas as atenções se viraram para a Web Summit. Às empresas tecnológicas, juntaram-se os curiosos, os discursos e o fascínio pelo futuro. Para a multidão, o evento terminou a 9 de novembro. Para os empreendedores, tinha acabado de começar. Hoje, ainda dura. Aliás, para as empresas portuguesas que buscam o sucesso, está longe de acabar.

Há duas semanas, os 314 tanques de água coloridos do Meo Arena apagaram-se. Desligaram-se as câmaras, apagou-se a imensa cobertura mediática sobre o evento. Sem pompa nem circunstância, a busca pelo olimpo tecnológico prosseguiu para as milhares de empresas que procuraram na cimeira tecnológica uma oportunidade de sucesso ou simplesmente um novo fôlego.

Conseguidos os contactos certos na cimeira tecnológica, é depois de as luzes se apagarem que se fecham parcerias, que se tenta dar sentido a uma participação que custou várias centenas de euros. Mais do que um cheque de milhares ou milhões de euros, os empreendedores portugueses procuram parceiros para fazer vencer as suas ideias.

“Não é fácil para uma startup que está a começar do zero conseguir por um produto desta natureza na Europa num curto espaço de tempo. Procuramos parceiros que nos ajudem a por isto no mercado com o potencial que o projeto merece”, explica Francisco Duarte no segundo dia da Web Summit. O projeto ao qual pretende dar asas é o Pavnext, um revolucionário pavimento que consegue reduzir a velocidade de circulação dos automóveis.

Esta solução extrai a energia cinética do automóvel, convertendo-a em energia elétrica. Permite ainda monitorizar os dados de tráfego. Ou seja, promove a segurança rodoviária, a eficiência energética e serve informação útil aos municípios e gestores de autoestradas.

O projeto resulta de uma tese de doutoramento no âmbito do MIT Portugal e tinha já vencido o Big Smart Cities. Mesmo com todas estas conquistas, a Pavnext estreou-se na Web Summit à procura de parceiros técnicos e industriais.



Francisco Duarte fez contactos com cerca de 20 empresas, das quais se encontra agora a negociar com uma dezena. São essencialmente parceiros nacionais e internacionais que poderão ajudar a industrializar o produto e a pô-lo no mercado. “Há uma negociação com uma empresa portuguesa que pode ajudar na produção que está a evoluir bem e há várias outras a decorrer. Agora é uma questão de tempo”, explicita agora Francisco.

Depois da Web Summit, pede-se paciência, exige-se tempo. O frenesim que se viveu nos corredores da FIL de 6 a 9 de novembro deu lugar ao diálogo, à apresentação de documentos. Apesar dos 60 mil participantes, 1.400 investidores e milhares de jornalistas que passam pela cimeira de Paddy Cosgrave, está enganado quem espera resultados imediatos.
Redes sociais para condomínios
Duas semanas depois do evento, também a Livingroup continua em reuniões com os contactos angariados na cimeira. O objetivo é facilitar o processo de implantação em Portugal e conseguir internacionalizar-se.

“O Livingroup é um gerador de redes sociais privadas e personalizadas para condomínios que tem funcionalidades específicas e que visa a contribuir para a resolução de problemas em condomínios onde há conflitos internos e onde há dificuldade na transmissão de informação”, explica João Pinto no segundo dia da Web Summit.

O Livingroup possibilita ainda a realização de assembleias-gerais pela internet, em que os condóminos podem aceder quando querem a toda a informação disponibilizada online. Podem comentá-la, apresentar alterações e depois votar.

Duas semanas depois da cimeira, João Pinto prossegue as reuniões com potenciais parceiros. Faz um balanço positivo da presença na cimeira tecnológica e antevê que consiga chegar a acordo para levar o Livingroup para o Brasil, onde até já há serviços concorrentes.

A concretizar-se, será um passo de gigante para este projeto familiar que ainda está em fase de teste. Em Portugal, João Pinto, o pai e o tio procuram ainda parceiros para ajudar com o marketing e as vendas deste produto. “Somos três técnicos, nenhum de nós é especializado em vendas e este é um mercado onde é muito difícil entrar”, explica o jovem empreendedor.
Superou as "baixas expetativas"
Apesar de já contar mais anos de vida do que a Livingroup, também a Agriw se apresentou pela primeira vez com um pequeno stand na Web Summit. Esta empresa de soluções tecnológicas para o setor agrícola nasceu em 2012. Uma mera conversa de café com um engenheiro agrónomo deu lugar a esta improvável aliança entre o campo e a programação informática.

“Desenvolvemos um assistente virtual que sugere o quê e quando se deve fazer na exploração. Basta georreferenciar o local, identificar a cultura e o assistente virtual começa logo a processar informação como culturas, histórico meteorológico e imagens de satélite”, conta Ricardo Cardoso.



Este produto apresenta sugestões aos agricultores, nomeadamente no que diz respeito à aplicação de fitofarmacêuticos, rega, fertilizantes ou até mesmo sobre plantação e colheita de culturas. O sistema permite mesmo prever eventuais quebras de stock ou ruturas de produto, tendo por passe a pesquisa dos utilizadores. Este assistente virtual conta com dois projetos-piloto em curso e alguns clientes interessados.

Duas semanas depois da cimeira, Ricardo confessa que a Web Summit superou as “baixas expetativas” com que chegaram ao Parque das Nações. “Sabíamos que havia ali alguma euforia. Há muita coisa que depois não se traduz em concreto. Nesse sentido, acabou por superar as expetativas”, explica o responsável da empresa sediada no Parque Tecnológico de Óbidos.

Por enquanto, ainda é cedo para grandes balanços. A Agriw está atualmente em conversações com dez investidores que conheceu na cimeira tecnológica e contactou com potenciais clientes para as suas aplicações, oriundos de Portugal, França, Brasil e Índia.

Em muitos casos são empresas que poderão ser mais do que clientes e tornar-se verdadeiros parceiros para levar o Agriw a novas regiões geográficas e novos produtos agrícolas. “Há culturas, como o algodão, que não conhecemos mas ao qual o nosso sistema se pode adaptar. Teríamos de trabalhar com os investigadores deles”, explica Ricardo Cardoso.
"Ainda agora começámos o namoro"
Para além da busca por clientes e parceiros, a Agriw chegou à Web Summit com o objetivo de conseguir meio milhão de euros em investimento, tendo contactado com pelo menos uma dezena de investidores. “É uma quantia que não pareceu estranha a ninguém. Agora é preciso detalhar, comprovar o que temos”, explicita a startup de Óbidos.

É hora de trocar impressões, enviar informação e detalhar por escrito o que foi dito na cimeira tecnológica. O primeiro olhar tem de dar lugar a algo mais. “Ainda é prematuro para termos resultados em termos de investimento. São processos que demoram algum tempo ainda e nós ainda agora começámos o namoro”, ironiza Ricardo Cardoso.

Se todos estão com negociações em curso, que se engane quem pensa que este é motivo para baixar os braços. Depois da Web Summit, a Pavnext já rumou a Barcelona e à Estónia. Entre negociações, competições de inovação e ações no estrangeiro, o revolucionário pavimento rodoviário de Francisco Duarte continua a apresentar-se e a lutar para conseguir os seus objetivos.

“Nos próximos meses iremos fazer uma apresentação da tecnologia em ambiente real em Cascais para ajudar a desenvolver o produto e validá-lo em tempo real. No próximo ano queremos conseguir ter o produto no mercado”, explica Francisco. O objetivo da empresa é vender o produto por cerca de 20 mil euros, acreditando que o investimento é recuperável em cinco anos através da poupança energética e da energia elétrica gerada.



Também João Pinto não se fia apenas nos contactos angariados na Web Summit. A rede social para condomínios vai apresentar-se diretamente às empresas e associações ligadas a este setor.

No entanto, João mantém o objetivo de voltar à Web Summit no próximo ano, com o Livingroup ou com outro produto. “É mesmo uma grande oportunidade para conseguir contactos, estabelecer parcerias e conhecer o mercado”, assegura.

Do lado de Óbidos, também a Agriw quer regressar em 2018 à maior conferência de tecnologia e inovação da Europa. Mas já com uma ideia em mente: apresentar-se nos mais restritos grupos “start” ou “beta”, e não nos “alpha”, o grupo que integra as startups que ainda estão numa fase embrionária.

A Agriw quer apresentar-se menos focada no investimento, mais capaz de apresentar projetos concretos e tirar rentabilidade do evento. Até lá resta ainda muito trabalho, muito diálogo, muitas negociações. Empenho certamente não faltará rumo à Web Summit 2018.

Fotografias: Pedro Nunes - Reuters