FMI. Aderir ao alívio da dívida não afeta capacidade de pagar a dívida

por Lusa

O diretor do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Abebe Aemro Selassie, defendeu hoje, em entrevista à Lusa, que a adesão ao alívio da dívida não tem implicações na capacidade de pagar a dívida.

"Não vemos uma necessidade de automatismo entre aderir ao Enquadramento Comum [para o tratamento da dívida para além da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI)]e a capacidade de servir a dívida, porque haverá países com dívida sustentável que precisam apenas de mais espaço orçamental", respondeu Selassie, quando questionado sobre se as agência de `rating` estão corretas em descer a avaliação assim que um país adere a este instrumento de alívio da dívida.

Na entrevista à Lusa concedida por videoconferência a partir de Washington, a sede do FMI, o diretor do departamento africano explicou que a adesão a este instrumento definido pelo G20 no final do ano passado tem várias modalidades e depende das circunstâncias de cada país, não havendo um modelo único para o tratamento da dívida das nações.

"Os países que aderiram ao alívio da dívida são Chade, Etiópia e Zâmbia, e mesmo entre estes países, as circunstâncias em que as suas economias estão são diferentes, incluindo a capacidade de servir a dívida", disse.

O Enquadramento Comum, acrescentou, "existe para os países que queiram um tratamento da dívida para além da DSSI, e fornece condições para criar margem de manobra orçamental a curto prazo para lidar com a pandemia".

"O reperfilamento da dívida vai depender da estrutura e da composição dos credores, para além da circunstância dos países, há muitas variáveis", apontou, destacando, por exemplo, que a neutralidade do valor atual líquido ou a reestruturação podem estar "entre as muitas opções que estão disponíveis no Enquadramento, mas é mesmo importante haver discussões sobre a especificidade de cada país e as suas necessidades e chegar-se a acordo sobre o tratamento que é necessário".

Os países precisam de instrumentos diferentes consoante a sua especificidade financeira, mas todos necessitam de margem de manobra a nível de orçamento para poder suportar o impacto das medidas de confinamento e o aumento da despesa pública necessária para combater a pandemia de covid-19.

"Sempre dissemos que os países, que nesta altura enfrentam um choque económico e sanitário brutal, vão precisar de espaço orçamental, precisam de instrumentos diferentes e nalguns casos não é necessária qualquer reestruturação, podem precisar apenas de apoio de liquidez, e a DSSI tem desempenhado esse papel, enquanto noutros casos a dívida é claramente insustentável e daí ser necessária uma reestruturação", afirmou Selassie.

Questionado sobre os contornos e os prazos da alocação de cerca de 500 mil milhões de dólares (erca de 420 mil milhões de euros) em Direitos Especiais de Saque (DES), o diretor do departamento africano do FMI disse que, depois da `luz verde` do G20, "há passos a tomar, incluindo uma decisão nesse sentido por parte da administração do FMI".

Sobre os prazos e os montantes que poderão estar disponíveis para os países africanos, Selassie respondeu: "O que posso dizer relativamente aos prazos é que da última vez, em 2009, demorou cerca de quatro a cinco meses entre a autorização da direção do FMI e a disponibilização de recursos; assim que tivermos a luz verde trabalharemos tão rápido quanto possível para disponibilizar os recursos", disse, escusando-se a confirmar o número de cerca de 25 mil milhões de dólares (21 mil milhões de euros) para África que tem sido avançado por alguns analistas.

A DSSI é uma iniciativa lançada pelo G20 em abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até dezembro de 2020, que foi depois prolongado até junho deste ano, com possibilidade de nova extensão por seis meses.

Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do setor privado, ao passo que o Enquadramento Comum, aprovado pelo G20 em novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.

O pedido de adesão a este Enquadramento tem sido a razão apontada para as agências de notação financeira descerem o `rating` dos países, argumentando que haverá perdas ou alterações nos contratos financeiros assinados com os credores privados, o que tem motivado críticas por parte destes países e outras instituições financeiras internacionais.

A proposta apresentada pelo G20 e Clube de Paris em novembro é a segunda fase da DSSI, lançada em abril, e que foi bastante criticada por não obrigar os privados a participarem do esforço, já que abriria caminho a que os países endividados não pagassem aos credores oficiais e bilaterais (países e instituições multilaterais financeiras) e continuassem a servir a dívida privada.

Este Enquadramento pretende trazer todos os agentes da dívida para o terreno, incluindo os bancos privados e públicos da China, que se tornaram os maiores credores dos governos dos países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos.

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