Fora do casulo

por Rosário Lira - Antena1/RTP
Sede do BCE, em Frankfurt Ralph Orlowski, Reuters

A reunião do BCE em Sintra é como uma crisálida no seu processo de transformação. Os protagonistas são aqueles que no dia a dia tem nas suas mãos o futuro do mundo. Sem a pressão das decisões a tomar, sem o formalismo das reuniões, os líderes do sistema financeiro ganham o que não se compra: tempo para conversar, tempo para simplesmente estar.

Um ganho para o futuro se considerarmos que é através do diálogo e da discussão de ideias tão em falta que surgem os melhores caminhos. São os mesmos mas aqui estão mais disponíveis para ouvir e para dar. 

Neste casulo que movimenta parte substancial do PIB mundial, governadores dos bancos centrais, académicos, economistas e gestores expõem as suas ideias com personalidade e auto estima, mesmo sabendo que o orador seguinte, na tentativa de mostrar o seu contrário, pode resumir a intervenção anterior a uma simples frase que parece esvaziar todo o conteúdo, ou descobrir um caminho diferente para chegar ao mesmo destino. 

A discussão sobre o comportamento da inflação, a actualidade da Curva de Philips, a possibilidade de medir e manipular as expectativas, dominaram as intervenções do primeiro dia, com o português Ricardo Reis, da London School of Economics, por exemplo, a chamar a atenção para a necessidade de considerar as expectativas da inflação como uma ferramenta relevante na política monetária o que obriga a saber comunicar. 

Ou ainda com Kristin Forbes, do Massachusetts Institute of Technology a recorrer ao astrolábio português para lembrar que se os navegadores não o usassem ficariam perdidos, ao sabor do vento, numa analogia aos modelos existentes para calcular a inflação e a necessidade de manter esses modelos que continuam a ser úteis mas precisam de ser atualizados.
 
Fazer a inflação chegar aos 2% e mantê-la por lá é uma das condições necessárias para o sucesso no processo de saída do Quantitive Easing, dai a relevância da discussão, num contexto onde há variáveis imprevisíveis, como o proteccionismo norte americano que podem influenciar o crescimento da economia e contrair a procura, colocando em causa o objectivo definido.
 
Definidos os objetivos perguntam os conferencistas com quem comunicar: com o público ou com o mercado? A resposta para BCE é óbvia, com o mercado. Porque mesmo não sabendo ao certo como se chega lá, o banco central tem uma certeza.  É que quando influência as condições financeiras as pessoas mudam o seu comportamento e isso é o que basta. 

Das discussões em torno da inflação fica claro que o BCE não vai dedicar o seu tempo a enviar mensagens sobre as expectativas da inflação ou o comportamento dos agentes. Pretende, isso sim, actuar estimulando a procura e se for necessário ao longo do processo utilizar novamente a compra de activos para injectar liquidez.
 
Mário Draghi tem vindo a reiterar que as ferramentas existem para serem usadas e o caminho faz-se com persistência e prudência. Alheio às pressões, o governador do Banco Central parece querer terminar o mandato, no final de outubro de 2019, com a missão de estabilizar o sistema cumprida. Vai conseguir? Assim os ventos ajudem e o astrolábio não volte a falhar! 

Nessa altura, daqui a um ano, talvez novamente reunidos em Sintra, quando tiverem de olhar para os últimos meses e decidir sobre o futuro das taxas de juro, ficaremos a saber se afinal as projecções que agora existem eram de confiança ou eram optimistas. Daqui a um ano de volta ao casulo ou prontos para voar?

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