Relação confirma coimas ao Haitong e a Ricardo Salgado por práticas lesivas dos clientes do BES

por Lusa

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou as coimas de 400.000 euros ao Haitong Bank e de dois milhões de euros a Ricardo Salgado, aplicadas no âmbito da colocação de papel comercial da ESI e da Rioforte no BES.

No acórdão da Relação de Lisboa datado de quarta-feira, a que a Lusa teve hoje acesso, o coletivo julgou totalmente improcedentes os recursos interpostos pelo Haitong Bank (antigo Banco Espírito Santo Internacional, ESI) e pelo ex-presidente do BES, na sequência da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), que, em fevereiro deste ano, agravou a coima aplicada ao banco pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e manteve a de Ricardo Salgado.

A decisão da Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão (PICRS) do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), subscrita pelos juízes desembargadores Maria da Luz Seabra, Carlos Melo Marinho e Ana Pessoa, considerou também totalmente improcedentes os recursos apresentados por José Manuel Espírito Santo Silva e por Amílcar Morais Pires.

Já Manuel Espírito Santo Silva viu o seu pedido para uma suspensão da coima de 500.000 euros aplicada pelo TCRS ser considerado parcialmente procedente, determinando o TRL a suspensão do pagamento do montante de 150.000 euros durante o período de três anos.

Em causa está a decisão da CMVM, de julho de 2021, por práticas lesivas dos clientes do BES, relativas à colocação de papel comercial da Espírito Santo Internacional (ESI) e da Rioforte aos balcões do banco.

A CMVM acusou os antigos responsáveis do grupo de prestação de informação falsa aos investidores na emissão de papel comercial da ESI e da Rioforte, além de não terem sido comunicadas aos investidores as alterações do organograma do Grupo Espírito Santo, que colocaram a Rioforte como dona da Espírito Santo Finantial Group (ESFG), que tinha a participação do BES.

Na decisão de fevereiro último, o TCRS agravou a coima aplicada pela CMVM ao Haitong, de 300.000 para 400.000 euros (suspensa no montante de 200.000 euros por dois anos), e manteve a coima de 2 milhões de euros a Ricardo Salgado, considerando totalmente improcedentes os seus recursos.

A sentença, proferida pela juíza Vanda Miguel, julgou parcialmente procedentes os recursos apresentados por José Manuel Espírito Santo Silva, que viu a coima ser reduzida de 750.000 para 500.000 euros (suspensa no montante de 250.000 euros por dois anos, tendo em conta, nomeadamente, ter sido o único a proferir um pedido de desculpa público em 2014), por Manuel Espírito Santo Silva, cuja coima passou de 900.000 para 500.000 euros, e por Amílcar Morais Pires, cuja multa passou de 400.000 para 300.000 euros, absolvendo Joaquim Goes e Rui Silveira.

O Tribunal aplicou ainda a pena acessória de inibição do exercício de cargos em instituições financeiras por cinco anos para Ricardo Salgado, por três anos a Manuel Espírito Santo Silva, por dois anos a José Manuel Espírito Santo e um ano para Amílcar Morais Pires, após trânsito em julgado do processo.

Vanda Miguel considerou Ricardo Salgado como o principal responsável pela adulteração, desde 2008, dos resultados financeiros da ESI, cujas contas não eram consolidadas nem auditadas.

Para o TCRS, era a Ricardo Salgado, que conhecia a situação deficitária da ESI, que interessava a adulteração de dados e transmitir uma falsa imagem, referindo Vanda Miguel os depoimentos de várias testemunhas que relataram o "pesadelo diário" perante a ausência de respostas quando tomaram conhecimento do aumento exponencial do passivo desta empresa do Grupo Espírito Santo (GES).

O Tribunal considerou ainda provado que era o Conselho Superior do GES, que reunia os membros da família Espírito Santo, que tomava decisões, dando o exemplo da reestruturação do grupo decidida e executada antes de ser ratificada pelo conselho de administração da Rioforte, "uma das peças centrais" dessa reestruturação.

Para Vanda Miguel, este é um caso paradigmático de como "um órgão sem poderes formais tinha poder de facto, reconhecido por todos".

Na sua decisão, o TCRS considerou que o ex-BESI, atual Haitong (que adquiriu a marca após a resolução do BES em 2014), tinha conhecimento das emissões do papel comercial da Rioforte e da ESI, bem como das notas informativas que foram emitidas, não se tendo limitado a um trabalho rotineiro, como foi alegado no recurso.

Para o TCRS, existia o dever, dentro da organização, de comunicar informação relevante à administração, dever a que estavam igualmente obrigados Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo e Morais Pires.

Por outro lado, salienta que, tendo usado as notas informativas dos emitentes da dívida, o BES sabia que a informação que fazia chegar aos seus clientes era insuficiente e incompleta, incumprindo os seus deveres de prestar informação de qualidade e fiável, tendo-se colocado ao serviço dos interesses financeiros do GES.

Em particular, Vanda Miguel referiu o facto de serem alterados produtos já adquiridos pelos clientes em benefício do intermediário com efeitos na entidade emitente, em "gritante violação" das normas de conflito de interesses.

Na parte da decisão relativa a Ricardo Salgado, os juízes desembargadores do PICRS afirmam, no acórdão proferido quarta-feira, discordar da alegação invocada no recurso de que "as necessidades de prevenção gerais e especiais são tanto menores quando se verifica que o arguido não tem capacidade de compreender a totalidade da sanção", numa referência ao diagnóstico de doença de Alzheimer.

O acórdão salienta, por um lado, que "as exigências de prevenção geral não se dirigem à sua pessoa, mas aos outros operadores nos mercados financeiros que devem ser dissuadidos de enveredar por condutas do género das praticadas pelo recorrente, que fazem perigar de forma muito séria a estabilidade do sistema financeiro, potenciando riscos sistémicos".

Por outro, considera não ter sido demonstrado que o ex-presidente do BES "esteja efetivamente incapacitado de compreender o real alcance das condenações que lhe foram impostas, apenas que, tem um diagnóstico clínico compatível com a doença de Alzheimer, não sendo o fator idade necessariamente sinónimo de uma menor perceção da realidade, da dimensão da sua conduta e das sanções que lhe foram impostas".

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