Sociólogos preveem mais desemprego e defendem garantia de rendimento às famílias

por Lusa

Investigadores sociais alertaram para a perspetiva de aumento do desemprego devido à crise da covid-19 e defenderam que o Estado tem que garantir o rendimento aos trabalhadores e famílias atingidas, para que não caiam na pobreza.

"Vivemos tempos excecionais com consequências profundas, muitas delas ainda inesperadas, no tecido social e económico do país. O desemprego vai, infelizmente, regressar (numa escala ainda por decifrar), atingindo muitos trabalhadores e um número alargado de famílias", concluiu um estudo feito pelos sociólogos e investigadores Jorge Caleiras e Renato Miguel Carmo.

O estudo intitulado "O regresso do desemprego massivo" foi publicado pelo Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR).

Para os investigadores, a confirmar-se, o aumento abrupto do desemprego deverá implicar uma alteração de paradigma sobre o modo como as políticas públicas, particularmente as de combate ao desemprego, têm sido concebidas e implementadas nas últimas duas décadas.

"Para tal, é fundamental reavivar, na resposta efetiva a dar, uma matriz social-democrata de caráter universalista capaz de garantir que ninguém fique para trás numa situação de completa desproteção. Qualquer pessoa que agora caia no desemprego não pode inevitavelmente cair na pobreza. Se esta não conseguir regressar ao mercado de trabalho nos próximos tempos, deverá ter o compromisso por parte do Estado de que terá acesso garantido a rendimento e a todos os serviços públicos disponíveis", defenderam.

Segundo os académicos, esta é a altura para serem reatadas "políticas universais que promovam o bem-estar social e a coesão social para todos", porque Portugal, que se encontrava numa fase de recuperação, "não suportará mais uma crise social sem que esta provoque um impacto brutal no aumento da pobreza e das formas de desfiliação e de anomia social".

"As populações que vivem ou irão viver o desemprego não correm apenas o risco de perderem rendimento e de se tornarem invisíveis. Correm o risco de um completo desligamento social. Trata-se de uma situação incomportável que, enquanto comunidade, não devemos, nem podemos tolerar", foi defendido no estudo.

O texto dos dois sociólogos lembrou que, para responder à crise económica anterior, que fez disparar o desemprego, foi mobilizado "um vasto conjunto de medidas ativas de emprego", desde apoio à contratação e criação de empresas a programas de formação.

Ao mesmo tempo, salientaram, as políticas de substituição de rendimentos foram reduzidas e secundarizadas, "sacrificando ainda mais a condição social dos segmentos da população já fragilizados".

Por isso, no estudo defenderam que, face à crise causada pela pandemia da covid-19, o país precisa agora "de políticas de substituição de rendimento, simplificadas e para todos".

"É fundamental centrar as intervenções na garantia de liquidez das famílias e libertar as políticas do excesso de critérios de elegibilidade sujeitos a condição de recursos. Para tal, importa evitar alguns dos típicos requisitos burocráticos nas obrigações impostas aos beneficiários. Isso faz-se com um adequado equilíbrio entre direitos e obrigações ajustadas aos diferentes públicos. Mas faz-se também tendo atenção aos processos, nomeadamente aos canais eletrónicos, para que sejam simplificados, tal como os formulários disponibilizados `online`", consideraram.

Ao mesmo tempo é preciso assegurar que os canais físicos se mantenham, para que quem não tiver acesso a meios eletrónicos não venha a ser negativamente discriminado e possa aceder aos apoios em condições de igualdade, referiram os académicos.

Segundo os dois investigadores, face à atual situação do país, "por desconhecimento da lei, não elegibilidade, dificuldades no acesso aos serviços `online`, muitos dos desempregados não terão subsídio, e talvez nem sequer venham a ser contabilizados enquanto tal".

"O desemprego vai torna-se uma realidade ainda mais invisível do que era", consideraram.

Lembraram que numa clássica crise, o desemprego ganharia quase imediatamente expressividade quer pela publicação das estatísticas habituais do Inquérito ao Emprego, cuja realização em boas condições pode encontrar-se ameaçada devido à pandemia, quer pelas tradicionais filas que far-se-iam notar de imediato junto dos Centros de Emprego ou da Segurança Social.

"Mas agora não. Pelo menos nos próximos tempos não haverá filas de espera físicas. Em parte, estas serão substituídas por filas virtuais, em balcões virtuais, para atendimentos igualmente virtuais. Este tipo de atendimento pode ter vantagens se significar uma simplificação burocrática e uma maior eficácia na rapidez de processar a informação. (...) Todavia, o atendimento virtual provoca necessariamente desigualdades no acesso e na utilização", considerou a análise.

De acordo com os dois sociólogos, o atual momento "de suspensão da vida social e económica habitual vai provocar um aumento da instabilidade e da vulnerabilidade social".

"As pessoas não se vão sentir apenas mais desprotegidas, vão ficar efetivamente muito mais desprotegidas. Este dado desencadeará a proliferação de sentimentos de insegurança e de medo de vária ordem. Alguns serão fatores propiciadores de anomia social. Se o atual estado de emergência se mantiver por vários meses, estaremos perante processos generalizados de desligamento e de desfiliação social", consideraram.

A desfiliação acontecerá no caso de se aliar ao isolamento outras fragilidades sociais e económicas como o desemprego.

A análise publica pelo CoLabor concluiu que "nestes casos assistir-se-á à quebra de qualquer ligação com o mercado de trabalho que, por sua vez, acentuará ainda mais a quebra quase completa com o resquício de sociedade que a todo o custo ainda se vai mantendo".

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