Macron e Le Pen na segunda volta: o rescaldo da noite eleitoral em dez capítulos

por Andreia Martins, Christopher Marques - RTP
Dario Ayala - Reuters

Desta vez, as sondagens não falharam. Emmanuel Macron e Marine Le Pen conquistaram um lugar na segunda volta, deixando François Fillon, Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon para trás. Recuperamos os principais momentos da noite, os discursos e os confrontos que ocorreram em várias cidades. Olhamos ainda para o futuro de uma França onde, pela primeira vez, nenhum dos grandes partidos se encontra na segunda volta das Presidenciais.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen são os candidatos que marcarão presença na segunda volta. O candidato do movimento Em Marcha! e a líder da Frente Nacional confirmaram o favoritismo indiciado pelas sondagens e apuraram-se para a votação decisiva.

François Fillon e Benoît Hamon anunciaram apoiar Emmanuel Macron na segunda volta, tentando evitar uma vitória da Frente Nacional. Jean-Luc Mélenchon disse querer ouvir a opinião dos apoiantes.

Após o anúncio da passagem de Le Pen à segunda volta, houve manifestações em várias cidades francesas. Chegou mesmo a haver confrontos entre manifestantes anti-Le Pen e a polícia.

As sondagens divulgadas esta noite indicam que Emmanuel Macron deverá vencer a segunda volta. O estudo da Ipsos divulgado pelo jornal Le Monde atribui 62 por cento das intenções de voto ao candidato do Em Marcha!.

Em dez capítulos, olhamos para o essencial da última noite e para aquilo que marcará as próximas semanas na política francesa.
Os números da noite
Os franceses não surpreenderam. Os resultados da primeira volta das eleições apresentam-se semelhantes aos que eram indiciados pelas sondagens nos últimos dias.

Emmanuel Macron obtém 23,9 por cento dos votos. Marine Le Pen chega em segundo lugar com 21,4 por cento. François Fillon ocupa a terceira posição com 19,9 por cento dos votos. 

Em quarto lugar, com 19,6 por cento dos sufrágios, ficou o candidato da França Insubmissa, Jean- Luc Mélenchon.

Benoît Hamon obtém 6,3 por cento dos votos, sendo o principal derrotado desta primeira volta. Supera Nicolas Dupont-Aignan, candidato do pequeno partido Debout la France, com uma escassa vantagem de 1,6 por cento.
Macron: "Presidente contra os nacionalistas"
Foi o último dos principais candidatos a reagir aos resultados que foram surgindo. Perante apoiantes em plena apoteose, numa mistura de alegria e alívio pela presença confirmada na segunda volta das eleições presidenciais, Emmanuel Macron apresentou-se como o Presidente de "todos os patriotas contra a ameaça dos nacionalistas".

O candidato do movimento Em Marcha! agradeceu o apoio entretanto declarado pelos candidatos derrotados, Benoît Hamon e François Fillon, bem como o trabalho dos apoiantes desde o início da campanha.

"Conheço as vossas expetativas e quero ser o vosso presidente dentro de duas semanas. O Presidente de todos os franceses contra a ameaça dos nacionalistas", continuou.

O candidato independente prometeu que irá trabalhar até à segunda volta para reunir "o mais possível" os franceses em torno da sua campanha. Prometeu levar "otimismo e esperança" à França e à Europa.

Marine: "libertar a França da elite arrogante"

A acompanhar Macron na segunda volta das presidenciais francesas estará a candidata da Frente Nacional. Doze anos depois, Marine alcança o feito do pai em 2002 e garante a presença na segunda volta das presidenciais francesas.

A candidata da Frente Nacional chegou à segunda volta das eleições presidenciais e apelou ao voto dos franceses pela defesa do "superior interesse do país". O voto na Frente Nacional é um voto na "sobrevivência da França".

Marine Le Pen apelou à defesa do "superior interesse do país" e considerou que este é tempo de "libertar a França da elite arrogante". Chamou aos franceses a responsabilidade de defenderem "a unidade, a segurança, a cultura e a independência" do país.

A candidata da extrema-direita reiterou que a escolha de maio será feita entre "a continuação de uma desregulação total sem fronteiras, concorrência desleal e imigração em massa" e entre um partido que defende "a nossa identidade nacional".

"Não é o herdeiro de Hollande que vai trazer a mudança", acrescentou ainda Le Pen, em referência ao adversário que irá enfrentar daqui por duas semanas na segunda volta.

Quem é Emmanuel Macron?

Chega de fora do quadro partidário, mas foi já ministro de François Hollande. Aos 39 anos, Emmanuel Macron apurou-se para a segunda volta e encontra-se bem colocado para ser o mais jovem Presidente francês de sempre. É desde o princípio o mais europeísta dos candidatos, ostenta uma visão liberal da economia e tenta fugir à dicotomia esquerda – direita.

Candidatou-se às eleições presidenciais sem nunca ter sido antes candidato a qualquer eleição. Se vencer, será, aos 39 anos, o mais jovem Presidente da República francesa, batendo o recorde do primeiro Presidente da República Francesa: Luís Napoleão Bonaparte (1842-1852).

O candidato do Em Marcha! pretende avançar com um plano de investimentos públicos de 50 mil milhões de euros, reduzir a taxa de imposto sobre as empresas e o peso das contribuições sociais. Pretende ainda avançar com a redução do número de funcionários públicos: menos 120 mil até 2022. Quer manter o modelo das 35 horas semanais mas dar mais espaço à negociação no seio das empresas.



Macron quer avançar com a construção de mais 15 mil lugares nas cadeias francesas, aumentar os efetivos policiais e o investimento em defesa. Quer alargar ainda o acesso à Procriação Médica Assistida aos casais homossexuais e às mulheres solteiras. Macron quer ainda reduzir o número de deputados da Assembleia da República e impedir os eleitos de empregar membros da sua própria família.

Em Bruxelas, Macron defende a criação de um orçamento europeu, a criação de guardas-fronteiriços europeus e a harmonização entre Estados-membros das regras sociais e financeiras. O candidato quer ainda lutar contra as práticas de otimização fiscal.
Quem é Marine Le Pen?
O nome não deixa margem para dúvidas. Marine Le Pen é a candidata da Frente Nacional, o partido da extrema-direita francesa fundado pelo próprio pai, Jean-Marie Le Pen. A candidata adota muitos dos temas que motivaram as sucessivas campanhas do pai: o combate à imigração, ao que considera ser o sistema e à oposição à União Europeia.

A agora candidata presidencial é advogada, tendo exercido até 1998. É neste ano que se junta aos quadros do partido liderado pelo pai, na altura como responsável jurídica. Vai aos poucos tornando-se uma personagem crucial do partido, candidatando-se pela primeira vez nas legislativas de 2002, mas falhando a eleição. É eleita eurodeputada em 2004, mantendo-se em Estrasburgo até agora.



Marine Le Pen assume a liderança da Frente Nacional em 2011. É responsável por uma forte renovação no partido desde então, vista pelos analistas como uma tentativa de afastar as frequentes associações da FN a movimentos nazis. O ponto mais alto desta estratégia passa pela expulsão do próprio pai, Jean-Marie Le Pen, em 2015.

A rutura com a Europa é o principal ponto do compromisso político de Marine Le Pen. A candidata já disse que, caso seja eleita, começará desde logo por retomar o controlo das fronteiras francesas. Marine Le Pen quer ver a França fora do Euro, do Espaço Schengen e da União Europeia.

A candidata promete renegociar os tratados europeus e organizar um referendo para que os franceses decidam se querem ou não permanecer no projeto comunitário. O America First de Donald Trump dá lugar à “prioridade nacional” de Le Pen, que a própria quer inscrever na Constituição.

A Frente Nacional mantém a longa oposição à imigração. Promete reforçar a polícia, o exército francês e expulsar todos os suspeitos estrangeiros de terrorismo.
Frente Republicana contra Le Pen
Pela primeira vez na história moderna de França, os principais partidos do sistema político francês ficaram arredados da segunda volta das eleições presidenciais. Mas nem por isso socialistas e republicanos deixaram de tentar orientar os franceses na decisão final que deverão tomar dentro de duas semanas.

Benoît Hamon, candidato do Partido Socialista francês, apelou desde logo aos franceses para que se unissem em torno de Macron de forma a "derrotar a extrema-direita".

"Faço uma clara distinção entre um adversário político e uma inimiga da república", reiterou Hamon, em referência à candidata da Frente Nacional.

Pouco depois, era o candidato do partido Les Républicains, François Fillon, a apelar ao voto no candidato do movimento En Marche!. O antigo primeiro-ministro assumiu a derrota e apelou ao voto em Macron, de forma a afastar os "perigos de um partido extremista".

"O extremismo só pode trazer infelicidade e divisões à França. Por isso, não há outra alternativa senão votar contra a extrema-direita", completou o candidato.

Quem ainda não anunciou qual dos dois candidatos vai apoiar na segunda volta é Jean-Luc Mélenchon, que quer primeiro ouvir a opinião dos seus apoiantes.

Fillon, Mélenchon, Hamon
Conhecidos os resultados, François Fillon, Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon ficaram de fora da segunda volta. O candidato republicano apresenta-se como um dos grandes derrotados destas eleições. Outrora favorito, Fillon perdeu popularidade com o escândalo dos alegados empregos fictícios.

O candidato republicano afirmou que "apesar de todos os esforços e determinação" não conseguiu vencer. "Assumo as minhas responsabilidades, esta derrota é a minha. É a mim e só a mim que me cabe assumi-la", sublinhou.

François Fillon fez ainda referência aos "obstáculos cruéis" que enfrentou e pediu à direita francesa que se mantenha unida.

Jean-Luc Mélenchon confirmou a subida que as sondagens indiciaram ao longo das últimas semanas mas não conseguiu o apuramento para a segunda volta. O candidato da França Insubmissa iniciou o seu discurso com críticas a Emmanuel Macron e Marine Le Pen.

Mélenchon prometeu respeitar os resultados mas não anunciou que candidato apoiará. Espera pela decisão dos seus apoiantes. "Podemos ter orgulho naquilo que realizámos e fizemos. Somos uma força consciente e entusiasta. Apelo-vos para que se mantenham em grupo e sejam um movimento porque os desafios que temos de enfrentar continuam a existir", afirmou.

Benoît Hamon surge como o maior derrotado da noite. Confirmando o que as sondagens indiciavam, ficou muito longe dos concorrentes. O candidato socialista reconheceu o mau resultado, admitiu que era um “dia difícil” e que o resultado era “uma desilusão”.

Europa aplaude Macron

As reações aos primeiros resultados não se fizeram esperar. As mais significativas partiram do primeiro-ministro francês, Bernard Cazeneuve, que apelou ao voto em Emmanuel Macron, e de François Hollande, o atual Presidente, que contactou o candidato por telefone para o felicitar pelo resultado.

O jornal Le Monde avança que o Presidente francês vai apelar ao voto contra a Frente Nacional, mas ainda não houve até ao momento qualquer declaração oficial.

Na Europa, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, felicitou Macron através de um tweet do seu porta-voz e desejou-lhe "boa sorte para o futuro".

Também no Twitter, a responsável máxima pela diplomacia europeia, Federica Mogherini, sublinhou que o resultado de Emmanuel Macron é "a esperança e o futuro da nossa geração".



Sigmar Gabriel, ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, revelou em resposta aos jornalistas que "acredita" na vitória de Macron. "Parabéns a Emmanuel Macron. Viva a França! Viva a Europa!", escreveu mais tarde no Twitter.

Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou que o Governo espera que Marine Le Pen não vença as eleições presidenciais francesas, por pretender que a França "continue a ser um grande estado-membro da União Europeia".

"Evidente que esperamos, como membros da União Europeia, que não ganhe a eleição presidencial uma candidata que defende a saída imediata da França da União Europeia", disse o ministro.
Confrontos após anúncio dos resultados
A passagem à segunda volta de Marine Le Pen foi motivo para confrontos em várias cidades francesas. A polícia francesa deteve à noite três pessoas durante protestos em Paris, em que se registaram confrontos entre manifestantes e autoridades, causando pelo menos dois feridos.

Na Praça da Bastilha, manifestantes empunhavam bandeiras vermelhas e gritavam "Não à Marine e não a Macron", revoltados com os resultados da primeira ronda das eleições presidenciais francesas.

Mais tarde, cerca de 300 pessoas reuniram-se num protesto pacífico na Praça da República, agitando bandeiras vermelhas e dançando à volta de uma fogueira, enquanto cantavam "Agora queimem os vossos cartões eleitorais".

Os manifestantes, que se declararam antifascistas, contestaram a legitimidade destes atos eleitorais e defenderam que ambos os candidatos que vão disputar a segunda volta a 7 de maio representam os interesses da oligarquia.

Durante o protesto, que batizaram como "a noite das barricadas", registaram-se confrontos com as forças de segurança, incluindo o lançamento de objetos contundentes e petardos, além de terem pintado murais e queimado carros.

Segundo o canal LCI, três manifestantes foram detidos "por atos violentos" contra agentes da segurança pública. Os bombeiros assistiram dois feridos, um jovem adulto com trauma facial e uma rapariga menor de idade com feridas na cara e no pescoço.
E depois da segunda volta?

Terminada a primeira votação, os franceses regressam às urnas a 7 de maio. As sondagens indicam que Emmanuel Macron deverá conseguir mais de 60 por cento dos votos, e ser eleito o próximo Presidente francês.

Marine Le Pen deverá ficar abaixo dos 40 por cento, mesmo assim, conseguirá uma votação muito superior àquela que Jean-Marie Le Pen obteve em 2002, quando enfrentou Jacques Chirac na segunda volta.

O sucessor de François Hollande deverá entrar no Palácio do Eliseu a meados de maio. Hollande tem de abandonar as funções presidenciais até ao dia 15 de maio, data em que se assinalam os cinco anos desde que tomou posse.

Com o novo Presidente empossado, segue-se a nomeação de um primeiro-ministro e a constituição de um primeiro Governo. Avança-se para a votação seguinte, vistas como a terceira e a quarta volta das eleições francesas: as eleições legislativas.

É nas legislativas que o Presidente busca uma maioria parlamentar, que dê suporte às suas ações e às do seu Executivo. A votação decorre em 577 círculos. Cada aglomerado elege apenas um deputado, um sistema que tende a favorecer os grandes partidos.

A eleição é também feita a duas voltas e realiza-se nos dias 11 e 18 de junho. É eleito deputado aquele que conseguir mais de 50 por cento dos votos na primeira volta, ou que for o candidato mais votado na segunda ida às urnas.

Persiste a dúvida sobre se qualquer um dos dois possíveis presidentes conseguirá reunir uma maioria consistente. Afinal, é a primeira vez que nenhum dos principais partidos passa à segunda volta. O movimento Em Marcha! é recente e não tem a implantação local dos partidos tradicionais.

A Frente Nacional também não tem conseguido grandes resultados nas votações em que cada círculo só elege um candidato. Em 2012, a FN elegeu apenas dois deputados.
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