Draghi fecha torneira à banca da Grécia e aperta calendário a Tsipras

por Christopher Marques, RTP
O Banco Central Europeu vai acabar com o mecanismo excecional que permitia aos bancos gregos financiarem-se apresentando títulos de dívida helénica como garantia. Kai Pfaffenbach, Reuters

Torneira fechada. O Banco Central Europeu decidiu acabar com o mecanismo excecional que permitia aos bancos gregos financiarem-se com títulos de dívida soberana como garantia. A banca ainda pode fazê-lo através do mecanismo de emergência, assumindo custos mais elevados e sendo o risco integralmente assumido pelo Banco nacional da Grécia. No entanto, também esse pode ser fechado. O novo Governo de Alexis Tsipras desvaloriza. Mas vai avisando que não cede a chantagens.

Depois de Berlim, é Frankfurt a pressionar Atenas. Os bancos gregos conseguiam financiar-se - e de forma indireta a própria república helénica - através de dois mecanismos do Banco Central Europeu. O principal vai ser fechado a partir da próxima quarta-feira.

Até agora, o BCE abria uma exceção à Grécia, um privilégio que fazia parte do programa de resgate da troika a Atenas. Por estar associado às reformas e ao acompanhamento do programa, Frankfurt aceitava como garantia títulos classificados como especulativos pelas agências de notação.
No início de janeiro, o Banco Central Europeu tinha afirmado que continuaria com o mecanismo, assumindo que a Grécia iria concluir o atual programa de resgate e negociar um novo.

Recentemente, o ministro das Finanças da Grécia manifestou a intenção de não seguir um novo programa de resgate.

O banco central, liderado por Mario Draghi, justifica a decisão com a possibilidade de a Grécia não conseguir concluir, de forma bem sucedida, a avaliação do programa de resgate.

“É uma mensagem muito clara e sem ambiguidades que é dirigida pelo BCE ao Governo de Alexis Tsipras”, escreve Le Monde. Uma decisão que vem forçar o novo primeiro-ministro grego e o seu ministro das Finanças a acelerar o processo negocial.

“Esta decisão do BCE, mesmo que alicerçada em todas as condições que são referidas, levanta obviamente um problema adicional à Grécia e empurra a Grécia, aparentemente, para um segundo resgate”, avalia Nicolau Santos, comentador de assuntos económicos da Antena 1.

Por enquanto, os bancos gregos vão continuar a ter acesso a financiamento. No entanto, ao terem exclusivamente acesso ao chamado Emergency Liquidity Assistance, o mecanismo de emergência do Banco Central Europeu, o financiamento ficará mais caro e o risco será inteiramente assumido pelo Banco da Grécia.A decisão do BCE poderá acelerar a corrida aos depósitos que se tem verificado nas últimas semanas. Desde dezembro, terão sido retirados entre 10 a 14 mil milhões de euros dos bancos gregos.

“O problema essencial é que, a partir de certa altura, só os bancos nacionais é que compram dívida do próprio país”, explica Nicolau Santos, sendo que uma maior dificuldade de financiamento por parte da banca grega deverá causar problemas à república.

“O problema passa a ser da república grega que, essa sim, passa a ter mais dificuldades em obter financiamento”, antevê o comentador.
Atenas desvaloriza
Atenas garante que a liquidez dos bancos está assegurada. O Governo formado há apenas 12 dias desvaloriza a situação e afirma que “não há motivo de preocupação”. Sugere ainda que a decisão do BCE seja uma forma de Frankfurt fazer “pressão política” sobre o Eurogrupo.

“Esta decisão coloca pressão sobre o Eurogrupo, para proceder rapidamente à conclusão de um novo acordo em benefício mútuo para a Grécia e os seus parceiros”, informou o Ministério das Finanças em comunicado.Ao fim da manhã, o índice das 20 maiores empresas cotadas na bolsa grega seguia a perder 6,46%, fortemente influenciada pela decisão do BCE.


O comunicado oficial garante ainda que o Governo “permanece firme na sua meta de aplicar o programa de salvação nacional, aprovado pelo voto do povo grego”.

“Não vamos chantagear, nem tão pouco vamos deixar que nos chantageiem”, avisou ainda o porta-voz do Governo de Tsipras, em declarações aos órgãos de comunicação social.
Foco sobre Atenas
Se Atenas vira os holofotes para o Eurogrupo, a imprensa internacional e os analistas colocam, sobretudo, a pressão sobre o Governo grego.

A decisão do BCE vem “mostrar à Grécia que está na Zona Euro apenas por um fio, o Emergency Liquidity Assistance”, escreve La Tribune. O jornal francês considera mesmo que Frankfurt “brinca com o fogo”, ameaçando provocar uma situação de pânico no sistema financeiro para forçar Atenas a ceder.

A decisão do Banco Central Europeu foi revelada ao serão de quarta-feira. Precisamente na véspera da reunião de Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia, com o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble.

“Teria sido de maior bom senso esperar que houvesse algum resultado positivo, ou eventualmente negativo, destas reuniões antes do BCE avançar com esta decisão”, defendeu Nicolau Santos em declarações à Antena 1.
O diretor adjunto do semanário Expresso, considera que esta é uma forma de “colocar pressão adicional sobre o Governo grego e inviabilizar uma saída mais airosa desta situação”.
Futuro cada vez mais próximo

O acesso dos bancos gregos ao mecanismo de emergência está, de momento, garantido até dia 28 de fevereiro. Significa que, até ao fim do mês, os bancos deverão continuar a funcionar normalmente.

A partir daí o futuro é uma incógnita. Isto porque também o mecanismo de emergência está dependente da aceitação de um programa de resgate e poderá ser cancelado pelo BCE.“A posição do BCE é clara: o tratado proíbe-nos de tomar qualquer decisão que represente um financiamento a um Estado através da política monetária”, garante Peter Praet, economista-chefe do BCE.

“O calendário é bem mais apertado do que aquilo que o Syriza parece pensar”, avalia Krishna Guha, responsável pela política dos bancos centrais da instituição de investimento Evercore. Citado por Le Monde, Guha considera que o Governo de Tsipras está convencido que tem financiamento assegurado até ao mês de junho, o que seria tempo suficiente para negociar com as autoridades europeias.

“Na nossa opinião, o BCE tenta acelerar a cadência ao travar a torneira da liquidez antes mesmo do fim do segundo programa de ajuda”, refere Krishna Guha, que prevê que o Syriza tenha de fazer cedências.

Já pressionado pela Alemanha, o anúncio do Banco Central Europeu vem antecipar calendários. Ao mesmo tempo que pode acelerar consensos, também pode antecipar uma rutura. O Governo grego poderá ceder e acabar por pedir um prolongamento do programa de assistência de forma a negociar calmamente com os parceiros europeus.

Uma perspetiva que poderá dar ao seu eleitorado a ideia de que capitulou perante a Alemanha. Mas também não está fora de causa que a Grécia rompa com tudo e acabe mesmo por sair da Zona Euro.

"Apertem os cintos, isto vai aquecer”, alerta Krishna Guha.
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