Meia década de troika na Grécia

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Paul Hanna - Reuters

O caminho dos gregos na via sacra de meia década de resgates é marcado por uma data: 25 de janeiro de 2015. Precisamente o domingo da vitória do Syriza, o partido radical de esquerda que ficou a escassos dois deputados da maioria absoluta mas que de imediato formaria Governo em coligação com os (conservadores mas eurocépticos) Gregos Independentes. Por terra nessa noite ficaram os conservadores da Nova Democracia de Antonis Samaras, que deixava o lugar de primeiro-ministro. Quase desaparecido, depois de décadas no poder, o Pasok tem agora uma representação residual, com 4,7 por cento dos votos, atrás dos neonazis da Aurora Dourada.

Na altura, os altos responsáveis da União Europeia e da Zona Euro apressaram-se a enviar recados aos novos inquilinos do antigo palácio real, na Praça Sintagma: Atenas não deveria contar com perdões de dívida, reestruturações. Apenas manter-se na rota da austeridade e cumprir o programa de ajustamento: "Não figura [na Comissão] a redução da dívida grega", avisou logo de entrada Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia.
São apenas cinco os meses de governação da coligação Syriza-Gregos Independentes, mas a história do resgate grego tem já meia década. Cinco anos que estão marcados por esse 25 de janeiro de 2015. Se antes os governantes gregos estavam resignados a uma austeridade importada que acrescentava aos erros do próprio país nas últimas décadas, após a vitória dos radicais de esquerda não mais foram bem-vindos os homens da troika a Atenas. A alergia do Syriza aos funcionários do FMI atingiu um grau tal que até a nomenclatura das delegações que vistoriavam os gregos teve de ser alterada.


É também desses dias a célebre rábula de Pedro Passos Coelho à volta dos contos de fadas. Afirmava o primeiro-ministro português na ressaca das eleições gregas que é um "conto de crianças pensar que é possível que um país, por exemplo, não queira assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas, querer aumentar os salários, baixar os impostos e ainda ter a obrigação de, nos seus parceiros, garantir o financiamento sem contrapartidas (...) É sabido que o programa do partido que ganhou as eleições é difícil de ser conciliado com aquilo que são as regras europeias".

Foram várias as mãos a lançar pedras contra os novos senhores do palácio da Praça Syntagma. E ninguém escondeu a mão.

Mas quem igualmente não se escondeu foi o primeiro-ministro grego. Alexis Tsipras, ladeado pelo seu ministro das Finanças, o amado-odiado Yanis Varoufakis, explicou numa frase ao que vinha o novo Executivo Helénico: “O Memorando [de entendimento com a troika] pertencerá ao passado, não só na Grécia como em toda a Europa”. Em Bruxelas, em Berlim, em Paris – entreabriam-se as portas da saída da zona euro para os gregos.
2010 – os primeiros pacotes
Uma sequência de erros da banca, dos mercados e da própria atuação dos governos esteve na origem da crise da dívida soberana europeia. Pode dizer-se que a origem da crise da dívida pública encontra justificações primeiro na crise financeira global que em 2008 foi desencadeada pela falência do Lehman Brothers. Vários governos lançaram então uma operação de resgate da banca com fundos públicos. A situação foi estancada no sector da banca, mas outro problema estava ali à porta: uma crise da dívida pública que apanhou a Europa demasiadamente relaxada e pouco preparada para enfrentar situações extremas.

Um dos primeiros parceiros da União Europeia a ser apanhado em derrapagem financeira foi a Grécia – seguir-se-iam Portugal e Irlanda [Espanha admitiu um resgate parcial à banca].

Soube-se nos primeiros meses de 2010 que os governos gregos dos últimos anos haviam manipulado as suas contas, escondendo uma situação calamitosa das autoridades de Bruxelas e de todos os parceiros da União de forma a manter o país dentro dos trâmites estipulados pela Comissão Europeia. Para essa operação de maquilhagem – soube-se depois – contaram com a ajuda do banco norte-americano Goldman Sachs, que tem muito a dizer dentro do mundo financeiro, nomeadamente no que respeita à ação do FMI.

Por esses dias, Atenas repõe a verdade nos cadernos da contabilidade nacional: um défice que deixa de ser de seis por cento e passa a 12,7 e logo após 13,6 por cento e uma dívida pública de 120 por cento do PIB fazem soar as campainhas até Berlim e confirmam preto no branco a maior crise financeira grega desde 1974, quando foi restaurada a democracia no país.


Preocupados com ataques ao euro, o então Presidente francês Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel fazem avançar em maio desse mesmo ano um plano de defesa da moeda europeia (base legal no artigo 122-2 do Tratado Europeu: “Quando um Estado-membro experimentar dificuldades, ou uma séria ameaça de graves dificuldades, em razão de catástrofes naturais ou de acontecimentos excepcionais que escapem ao seu controle, o Conselho, a partir de proposta da Comissão, pode conceder, sob certas condições, assistência financeira da União ao Estado-membro em questão").
De acordo com a Wikipédia, em março desse ano de 2010, o Parlamento grego aprovou a Lei de Proteção da Economia para tentar salvar 4.800 milhões de euros. As medidas iam desde cortes de 30 por cento em subsídios de Natal e Páscoa, a cortes de 12 por cento em bónus do sector público, um corte de sete por cento nos salários dos funcionários públicos e privados, aumento do IVA de 4,5 para cinco por cento, de nove para dez por cento e de 19 para 21 por cento.

O imposto sobre a gasolina subiu para 15 por cento. Foi um plano que não funcionou. Em abril, o Governo grego pediu que a União Europeia ativasse o pacote de resgate. O FMI disse que estava “preparado para responder com celeridade a este pedido”.

Nos primeiros dias de maio de 2010, a troika constituída por FMI (Fundo Monetário Internacional), BCE (Banco Central Europeu) e Comissão Europeia sentavam-se à mesa para acordar as condições de um primeiro empréstimo à Grécia no montante de 110 mil milhões de euros. A factura contemplava um apertado plano de ajustamento que acabaria por encostar os gregos às cordas.

O pacote de austeridade desenhado no memorando de entendimento assinado por Atenas com a troika implicou desde logo um aperto fiscal de 30 milhões de euros, o congelamento de salários na função pública e o corte de dez por cento nas horas extraordinárias.
Austeridade vezes três

O dia do Trabalhador estava reservado para o anúncio de um novo pacote de austeridade sem precedentes. O primeiro-ministro Georgios Papandreo falava de uma decisão "sem precedentes", a maior reforma do seu governo. As ruas encheram-se com protestos e uma greve geral (houve mortos, feridos e muitos detidos).

As medidas, de acordo com o registo da Wikipédia:

• Um corte de 8% sobre os subsídios do setor público (além dos dois pacotes de austeridade anteriores) e um corte de pagamento de 3% para funcionários do setor público.
• Limite do setor público de 1000 euros introduziu a bianual de bónus, aboliu totalmente para aqueles que ganham mais de 3000 euros por mês.
• Limite de 500 euros por mês para salários mês 13 e 14 de funcionários públicos; abolida para empregados que recebem mais de 3000 euros por mês.
• Limite de 800 euros por mês em parcelas de pensão para 13 e 14 meses; abolida para os pensionistas a receber mais de 2500 euros por mês.
• Retorno de um imposto especial sobre as pensões elevadas.
• Impostos extraordinários sobre os lucros da empresa.
• Aumento do valor da propriedade (e, portanto, mais impostos).
• Aumento de imposto de 10% para todos os carros importados.
• As mudanças foram planeadas para as leis que regem lay-offs e horas extras.
• Aumentos de IVA para 23% (de 19%), 11% (de 9%) e 5,5% (de 4%).
• 10% de aumento de impostos de luxo e sobre o álcool, cigarros e combustível.
• Igualdade de homens e mulheres quanto aos limites da idade de reforma.
• Idade de reforma geral não mudou, mas um mecanismo foi introduzido para escalá-los às mudanças da esperança de vida.
• Foi criado um fundo de estabilidade financeira.
• Idade média de reforma para trabalhadores do setor público aumentada de 61 para 65.
• O número de empresas públicas será reduzido de 6000 para 2000.
• O número de municípios deve diminuir de 1000 para 400.

Foram estas as medidas que permitiram logo a 2 de maio libertar um primeiro empréstimo da troika de 45 mil milhões de euros. O empréstimo ascenderia a 110 mil milhões.
Quarto pacote

Em 2011 foi exigido novo esticão ao Governo grego. No entanto, a população manifestou o seu descontentamento de várias formas, voltando a encher as ruas, com greves de dias inteiros. No entanto, nada poderia parar o comboio da austeridade: 50 mil milhões de euros de privatizações e vendas de propriedades públicas, novos aumentos de impostos, agora para quem tinha rendimentos anuais superiores a 8.000 euros, imposto extra nos casos acima de 12 mil euros, aumento do IVA no setor da habitação ou o imposto adicional de dois por cento para combater o desemprego.

No verão de 2011, foram postos em andamento novos impostos para os proprietários de bens imóveis – um imposto que varia de três a 20 euros por metro quadrado para render entre 2011-2012 cerca de quatro mil milhões de euros.

O Parlamento acabaria por dar luz verde ao primeiro-ministro para em outubro instalar novas medidas de austeridade e garantir nova tranche do empréstimo das instituições internacionais, que afastaram o default.

Isto “tornaria possível a anulação parcial da dívida grega, o chamado Envolvimento do Sector Privado (ISP). Como resultado deste apoio, foi concedido pela UE à Grécia um quid pro quo de austeridade e um empréstimo de 100 mil milhões de euros além de uma redução da dívida de 50 por cento”, explica-se na Wikipédia. Nas contas finais, falava-se de um perdão de 100 mil milhões de um total de 340 mil milhões de empréstimo.

Papandreou acabaria por renunciar ao cargo de primeiro-ministro, mas logo da União Europeia seguiu um recado muito claro: qualquer que fosse, o Governo eleito tinha a obrigação de honrar os compromissos com os credores internacionais. Já com Lucas Demetrios Papademos a chefiar o Governo foram mesmo assinadas cartas vinculativas que obrigariam os governos gregos aos ajustamentos estruturais até 2020.

Estas cartas valeram até à eleição de 25 de janeiro de 2015.
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