Académico recomenda "cuidado" ao governo para não "alienar" apoio popular no norte de Moçambique

por Lusa

O investigador britânico Eric Morier-Genoud recomendou hoje ao Governo moçambicano que lide com a situação de insegurança no norte com "cuidado", para não "alienar" a população da região, fazendo com que passe para "o lado dos insurgentes".

O Governo moçambicano "tem de lidar" com a "seita extremista islâmica" que está a atuar no norte de Moçambique "com o cuidado de não alienar o resto da população na zona, para que não passe para o lado dos insurgentes", afirmou à Lusa, Eric Morier-Genoud, investigador britânico e professor de História de África, Antropologia, Filosofia e Política na Queen`s University, em Belfast.

"É uma situação muito complicada e acho que o Governo tem que ter, por um lado, muita força, mas, por outro, muita subtileza para neutralizar e prevenir a expansão dessa insurgência", acrescentou o investigador, especialista e autor de várias publicações relacionadas com Moçambique e com a África de língua portuguesa.

Morier-Genoud chama a atenção para o facto de existir "pouca informação sobre o estado da intervenção das forças moçambicanas na região" e faz notar que "o Estado ou o exército não querem explicar o que estão a fazer, exatamente".

No entanto, "o que podemos ver é que o exército conseguiu conter esses grupos numa zona bastante delimitada e não houve até agora quase nenhuma expansão para fora dessa área".

Não obstante, avisa, trata-se de "um conflito delicado". O caso começou como "uma seita e está a desenvolver-se, talvez com o suporte de alguma população que está insatisfeita com a situação económica e social e com vários problemas na zona".

O investigador esteve recentemente na região, onde conduziu uma série de entrevistas, e, segundo afirma, "conseguiu confirmar" que os autores da onda de violência que se instalou na região de Cabo Delgado desde, pelo menos, 2017 pertencem a "uma seita que saiu de uma organização islâmica".

"Trata-se de um grupo que se separou [do Conselho Islâmico] para criar um movimento deles, que quer aplicar a `sharia` [lei islâmica] no norte de Moçambique. Quer separar-se do Estado e aplicar a lei islâmica", afirma.

"Houve uma clivagem dentro do Conselho Islâmico e, possivelmente, houve uma clivagem dentro dessa clivagem, e foi desta ultima organização, chamada Ansaru-Sunna, que esta última clivagem emergiu, os ditos Al-Shabaab". Este grupo construiu "as mesquitas deles no fins dos anos 2000", recordou.

Eric Morier-Genoud diz ainda que "esta história tem no mínimo uns dez anos. Eles construíram as mesquitas deles e separaram-se dos outros muçulmanos. Tentavam não lidar com o Estado, não lidar com a educação e com a justiça do Estado, para estabelecer a sociedade deles", explicou.

"De 2010 em diante, têm havido vários incidentes violentos: foram expulsos pela população, por outros muçulmanos em certas zonas, houve mesquitas fechadas, etc.. Em 2015, 2016, houve prisões, julgamentos, e as coisas azedaram a um ponto que eles se organizaram e passaram para a violência e [começaram a] atacar o Estado", afirmou à Lusa o investigador, que esteve recentemente na Chatham House, em Londres, a explicar esta análise.

É "difícil de dizer" quantas pessoas fazem parte do grupo, disse Morier-Genoud.

"Eles estavam presentes em vários distritos, tinham várias mesquitas -, a mesquita de Mocímboa da Praia tinha mais de 40-50 pessoas -, portanto, era um grupo grande", salientou.

"A questão é quem foi para a violencia armada. Porque nem todos queriam entrar nessa onda de violência. Havia quem fizesse parte e não foi para a guerra e havia outro grupo que virou `insurgentes` -- como lhes chama o Governo - ao qual parece terem-se juntado outros elementos, com a mesma ideologia, provenientes da Tanzânia", explicou.

"Não sabemos muito bem quantos são, mas conhecemos a extensão dos ataques deles e podemos imaginar que se esteja a falar de algumas centenas de pessoas, se incluirmos as crianças e as mulheres que têm com eles", estima o investigador.

O apoio destes grupos "é um mistério", segundo o especialista britânico.

"O que se sabe é que têm poucas armas, parecem e roubar comida, roupa, medicamentos. Em quase todos ataques fazem roubos. A maior parte dos ataques é para roubar comida. Andam muitas vezes sem sapatos. Portanto, penso que o apoio é quase nulo. Acho tambem que não há apoio financeiro de fora", considerou.

Eric Morier-Genoud nota também que "muita gente diz que eles não falam, que não têm exigências e são simplesmente criminosos. Mas, se formos um pouco atrás, e fizermos a genealogia deste grupo, vemos essas mesmas pessoas com um projeto politico-religioso, com mesquitas, e com um discurso público e um projeto de sociedade deles -- o projecto duma sociedade regida exclusivamente pela `sharia`.

"Temos que entender essa trajetória", concluiu.

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