Agravamento da pandemia leva países a apertar medidas, mas evitam confinamentos

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
John Sibley - Reuters

Há vários dias que têm sido batido recordes nos números diários de casos de infeção por Covid-19 em diferentes países. A Europa voltou a estar no centro da pandemia e por esta razão, este sábado marca o regresso de medidas de restrição mais rígidas. As novas regras variam entre a imposição de um recolher obrigatório ao encerramento de cafés e restaurantes, mas há um ponto em comum: evitar um novo confinamento. Portugal não é exceção nesta tendência de agravamento da pandemia e o presidente da República e o primeiro-ministro já admitiram medidas mais duras que podem incluir o confinamento total.

Na semana passada, a Europa ultrapassou pela primeira vez os 700 mil novos casos numa semana, com países como o Reino Unido, França, Rússia e Espanha a serem responsáveis por mais de metade destas novas infeções. A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou na sexta-feira que o número atual de casos de Covid-19 no continente europeu é três vezes superior ao pico verificado em abril.

O aumento generalizado do número de casos confirmados e de óbitos levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a afirmar que o continente está numa situação “muito preocupante” e a apelar a um reforço das restrições de circulação, sublinhando que o alívio das medidas restritivas nesta altura irá fazer com que em janeiro, o número diário de mortes na europa seja cinco vezes superior ao registado no início da pandemia. No entanto, a Comissão Europeia apelou também ao Estados-membros para fazerem o que for necessário para evitar um confinamento generalizado, que teria “efeitos devastadores”.

Os países europeus, que enfrentam agora uma segunda vaga da pandemia, parecem estar a seguir os conselhos da OMS, com a adoção de diferentes medidas de restrição que visam evitar um novo confinamento.
França
Em França, por exemplo, o agravamento dos números levou o Governo a impor um recolher obrigatório entre as 21h00 e as seis da manhã em nove regiões metropolitanas, incluindo Paris, que entra em vigor já este sábado e se estenderá durante um período mínimo de quatro semanas. A medida atinge 20 milhões de franceses.

O executivo de Emmanuel Macron proibiu ainda a celebração de festas privadas em todo o país e a aplicação de protocolos de segurança sanitária em todos os restaurantes, medida que até agora era apenas imposta para os estabelecimentos nas zonas de alerta máximo.

Na sexta-feira, França somou o segundo pior dia desde o início da pandemia, com mais de 25 mil casos e 122 mortes. No dia anterior, o país tinha registado o recorde de infeções: mais de 30 mil em 24 horas.
Espanha
Na vizinha Espanha, foi decretado o estado de emergência durante 15 dias em Madrid e noutros nove municípios da região, restabelecendo as restrições de movimentos, apesar de o Tribunal Superior de Justiça de Madrid as ter rejeitado em dez municípios.

O executivo nacional e o regional têm mantido um braço de ferro sobre as medidas para reduzir o número de contágios em Madrid - a região de Espanha mais atingida - já que as autoridades regionais consideram que se está a interferir “com os direitos e as liberdades fundamentais”.

O primeiro-ministro declarou, no entanto, o estado de emergência, obrigando a adoção de medidas de restrição durante duas semanas, e mobilizando cerca de 7.000 polícias para as fazer respeitar. As restrições proíbem a entrada e saída de pessoas nas cidades da região de Madrid, exceto para ir ao médico, ao trabalho, a centros educativos, dar assistência a idosos, menores e dependentes e para ir a bancos, tribunais ou outros organismos públicos.

A sexta-feira foi o pior dia de evolução da pandemia da semana em Espanha, com a contabilização de 15.186 novos casos e 222 mortes. No total, o país conta agora com 936.560 infetados desde o início da pandemia e 33.775 óbitos.
Itália
Em Itália também foram anunciadas novas medidas restritivas. Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, assinou um decreto, válido por 30 dias, que proíbe bares e restaurantes de atender e servir bebidas alcoólicas a clientes que não estejam sentados após as 21h00. O encerramento destes estabelecimentos deve ser à meia-noite. O documento proíbe ainda festas e celebrações em espaços exteriores e também em locais fechados, limitando a seis o número de convidados em casa.

O Governo e as diferentes províncias italianas continuam a estudar novas medidas a adotar para conter a pandemia, embora o executo continue a garantir que o confinamento total será apenas a última opção.

Na sexta-feira, Itália superou, pela primeira vez desde o início da pandemia, os dez mil contágios em 24 horas. No total, desde o início da pandemia em Itália, as autoridades sanitárias já detetaram 391.611 infetados com o novo coronavírus e registaram 36.427 óbitos.
Bélgica
À semelhança de França, a Bélgica também decretou, na sexta-feira, o recolher obrigatório entre a meia-noite e as cinco da manhã. Entre as medidas que entrarão em vigor na segunda-feira, o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, anunciou ainda o encerramento de bares e restaurantes durante um mês e a proibição de venda de álcool após as 20h00.

Referindo que “os números são alarmantes e significativamente mais elevados do que em março e em abril”, altura em que foram tomadas “medidas duras”, De Croo referiu que a missão do governo belga é a de “fazer baixar esses números” e que, para tal, terão que ser adotadas “medidas mais estritas”.

O teletrabalho passa também a ser obrigatório “sempre que possível” e só será autorizado o encontro com, no máximo, uma pessoa exterior ao agregado familiar.

De Croo qualificou a situação atual de “grave”, referindo que se trata de um “crescimento exponencial da pandemia” com o número de casos a “duplicar semanalmente”, e que “todos ressentem hoje a presença” do novo coronavírus covid-19.

Segundo dados divulgados na sexta-feira, Bélgica registou, entre os dias 6 e 12 de outubro, uma média diária de 5.976 novas infeções, um aumento de 96 por cento relativamente à semana anterior, para um total de 191.959 casos desde o início da pandemia e um balanço de 10.327 mortes.
Alemanha
Pelo terceiro dia consecutivo, a Alemanha voltou a registar este sábado um novo máximo de infeções, com 7.830 novos casos em 24 horas. O número de distritos ou cidades que ultrapassam 50 infeções por semana por 100.000 habitantes aumentou para 70. A chanceler alemã, Angela Merkel, já tinha anunciado que esse seria o patamar de emergência, prometendo para essas cidades a implementação de medidas mais rigorosas, nomeadamente o uso obrigatório de máscara em todos os espaços públicos, sempre que o distanciamento social não possa ser garantido e o encerramento de restaurantes e bares a partir das 23h00. Em alguns Estados federais, os hotéis foram proibidos de acomodar hóspedes dessas áreas de risco.

Apesar de não ter sido decretado recolher obrigatório, Merkel apelou este sábado aos alemães que permaneçam em casa. “Por favor, fiquem o máximo de tempo possível em casa e no lugar onde vivem. Eu sei que além de soar severo, representa um duro sacrifício”, disse a chanceler. Merkel apelou também para que os alemães reduzam o número de contactos com pessoas conhecidas "dentro e fora de casa”, e que sejam dispensadas “quaisquer viagens que não sejam estritamente necessárias”, e “qualquer festa que não seja estritamente necessária”.

A Alemanha, de acordo com Merkel, está numa fase difícil da pandemia e as infeções estão a aumentar mais rápido do que na primavera.

“A forma como vamos viver o inverno e como vamos festejar o Natal é algo que vai ser decidido nestes dias. Temos que fazer de tudo para que o vírus não se espalhe de forma descontrolada. Cada dia é importante e todos podem contribuir mantendo a distância, respeitando padrões de higiene e uso de máscaras ”, afirmou.

O presidente do Instituto Robert Koch (RKI), Lothar Wieler, afirmou que, apesar do nítido aumento de novas infeções, é possível evitar um novo encerramento de parte da vida pública e da economia, como o que ocorreu na primavera. "Agora sabemos mais sobre o vírus, temos mais recursos contra a doença, os médicos estão mais bem preparados e há maior sensibilidade nos lares para idosos", disse Wieler à Catholic Press Agency (KNA).
Reino Unido
No Reino Unido foi adotado um sistema de três níveis de restrições, de acordo com os números de infeções, para evitar um segundo confinamento nacional. A maior parte da Inglaterra encontra-se no nível 1, o mais baixo desta escala, o que implica a proibição de ajuntamentos com mais de seis pessoas e o encerramento de bares e restaurantes às 22h00.

No nível 2, ou alerta elevado, será ilegal dois agregados familiares encontrarem-se em qualquer espaço fechado e as pessoas serão aconselhadas a usar transportes públicos apenas em casos excecionais, embora possam juntar-se até seis pessoas ao ar livre.

Em regiões sobre o nível 3, ou alerta máximo, bares e ‘pubs' serão forçados a encerrar e as pessoas impedidas de sociabilizar em espaços fechados e em jardins privados, mas o comércio, escolas e universidades vão continuar a funcionar.

A zona de Lancashire, no norte de Inglaterra, que inclui Blackpool, junta-se este sábado à área de Liverpool no nível "muito elevado”. O primeiro-ministro, Boris Johnson, pretende também adicionar ao nível três a área metropolitana de Manchester
, considerando na sexta-feira que a situação nesta região “é grave e piora diariamente”.

Londres, juntamente com Essex, Elmbridge, Barrow-in-Furness, York, North East Derbyshire, Erewash e Chesterfield, vão passar este sábado para o segundo nível. Ao todo, metade da população de Inglaterra, cerca de 27 milhões de pessoas, vão passar a viver em áreas com restrições mais rigorosas.

Na sexta-feira, o ministério da Saúde britânico informou que o país registou 15.650 novas infeções e 136 mortes em 24 horas.
Países Baixos
Na passada quarta-feira, os Países Baixos entraram em “confinamento parcial”, que inclui o encerramento de bares e restaurantes. “Vamos entrar num confinamento parcial. Vai doer, mas é a única solução. Precisamos ser mais rígidos”, declarou Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês.

Rutte alegou que os Países Baixos precisaram de dar mais um passo em direção a um confinamento porque poucos outros países na Europa viram um aumento de novos casos de Covid-19 como no território holandês. À data de quarta-feira, a média dos últimos sete dias nos Países baixos foi de 43.903 novos casos, um aumento de cerca de 60 por cento em relação à semana precedente.
República Checa
Na República Checa, a pandemia obrigou ao encerramento de escolas, bares e restaurantes, como resposta ao recorde de infeções registado nos últimos dias. A população também já tinham ficado privados de idas ao ginásio, cinema ou museus. Com uma população idêntica à de Portugal, a República Checa tem registado aumentos diários de infeções na ordem dos milhares, tendo esta semana ultrapassado os oito mil casos confirmados de Covid-19 num único dia.

A República Checa regista quase 121.500 casos de infeção por Covid-19 e 1.050 mortes desde o início da pandemia.
Portugal
Portugal também não fica de fora desta lista de países que têm assistido a um agravamento da pandemia. Na sexta-feira, pelo terceiro dia consecutivo, Portugal ultrapassou os dois mil casos diários e atingiu um novo recorde com 2.608 infeções registadas em 24 horas.

O boletim epidemiológico de sexta-feira contabiliza ainda 21 mortes relacionadas com o SARS-CoV-2, um número que já não era registado desde abril.

Face a esta evolução “grave” da pandemia, o primeiro-ministro elevou, na quarta-feira, o nível de alerta para estado de calamidade. António Costa apresentou ainda oito medidas para conter a evolução da pandemia, nomeadamente a limitação dos ajuntamentos para um máximo de cinco pessoas e a proibição dos festejos académicos e atividades não letivas. Os eventos familiares, como casamentos e batizados, foram ainda limitados a um máximo de 50 pessoas. Foi recomendado o uso de máscara na via pública e a utilização da aplicação StayAway Covid, sendo que António Costa adiantou que foi decidido presentar à Assembleia da República uma proposta de lei para que seja imposta a obrigatoriedade destas duas medidas.

O primeiro-ministro garante que estas decisões são mesmo indispensáveis e admite mesmo adotar medidas que limitem as liberdades, caso sejam necessárias para controlar a pandemia.

Marcelo Rebelo de Sousa também já avisou que se a situação pandémica piorar, o poder político não pode ficar de braços cruzados e admite, por isso, a imposição de um recolher obrigatório ou confinamento total. Este sábado, o presidente da República anunciou que vai chamar a Belém na próxima semana responsáveis da saúde e dirigentes sindicais para estudar o agravamento da pandemia e a hipótese de Portugal ter de avançar para um novo Estado de Emergência.
EUA
Em todo o mundo, os EUA continuam a liderar a lista de países mais afetados pela pandemia, com o maior número de mortes e de casos confirmados. Nas últimas 24 horas, os EUA ultrapassaram os oito milhões de casos, depois de terem registado 66.420 novas infeções. O país contabilizou ainda 710 óbitos. Desde o início da pandemia, o país totalizou 8.040.922 casos de Covid-19 e 218.455 óbitos.

Face a este aumento de infeções e de hospitalizações, Anthony Fauci, o principal consultor da Casa Branca no combate à pandemia de Covid-19, alertou na quinta-feira que os norte-americanos deveriam repensar o Dia de Ação de Graças e os habituais encontros em família.

Fauci argumentou que, dado o aumento de casos em quase 30 Estados norte-americanos, “temos que redobrar as medidas de saúde pública fundamentais sobre as quais falamos a cada dia, porque podem fazer a diferença”. O principal consultor da Casa Branca voltou a recomendar o distanciamento social, o uso de máscara e a constante higienização das mãos.

O 26 de novembro é um dos principais feridos nos EUA e mobiliza milhões de norte-americanos que se reúnem com familiares e amigos. No entanto, Fauci alerta que este ano terá de ser diferente. “Nós realmente temos que ter cuidado desta vez, para que cada família avalie o risco-benefício”, disse o especialista. “Se tem pessoas vulneráveis, idosos ou pessoas com doenças subjacentes na família, é melhor considerar se quer fazer isso agora, ou talvez prevenir e esperar”, acrescentou Fauci.

Fauci também criticou a declaração de um grupo de cientistas que apoia a estratégia de imunidade de grupo, que o Governo dos EUA pondera usar. O especialista em doenças infecsiosas considera “um disparate total” poiar a imunidade de grupo, enquanto conceito que defende que a propagação do vírus irá parar logo que uma parte importante da população seja contagiada, tornando-se imune.

“Se conversarem com alguém que tenha alguma experiência em epidemiologia e doenças infecciosas, eles dirão que isso é muito arriscado e que acabarão com muitos mais contágios em pessoas vulneráveis, o que levará a mais hospitalizações e mortes”, disse Fauci, durante uma entrevista televisiva.

O combate da pandemia nos EUA tem sido um dos principais temas a debater em período de pré-eleições, com os dois candidatos à Casa Branca divididos quanto ao uso da máscara. Donald Trump tem constantemente desvalorizado o novo coronavírus e ridicularizado o seu rival democrata, Joe Biden, pelo uso de máscara.

c/Lusa
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