Alemanha: adiada no Governo, a crise alastra no SPD

por RTP
Angela Merkel com Andrea Nahles Fabrizio Bensch, Reuters

A cúpula do SPD entrou na cimeira de ontem com os parceiros de coligação a insinuar que poderia deixar o Governo, se Hans-Georg Maaßen não deixasse a chefia do serviço de informações BfV. Afinal, tudo acabou por resolver-se. Mal - segundo vozes social-democratas cada vez mais numerosas.

Maaßen tinha ficado debaixo de fogo desde o momento em que prestou declarações ao tablóide Bild, desmentindo Angela Merkel sobre as cenas de caça ao estrangeiro registadas na cidade de Chemnitz. As declarações, consideradas uma prova de "deslealdade", constituíram o motivo para o SPD - apoiado por toda a oposição, exceptuando a AfD, de extrema-direita - reclamar enfaticamente a destituição de Maassen.
Quem promoveu Maaßen?
A presidente do partido, Andrea Nahles, afirmou mesmo num discurso pronunciado durante o fim de semana que Maaßen "tem de sair e vai sair". O SPD tomava as dores de Merkel, desmentida pelo super-espião, mais do que ela própria as tomara. Confiava certamente em que a chanceler, no momento decisivo, se pronunciaria também pela destituição de Maaßen. Mas anunciava ao mesmo tempo um confronto sem retorno com o ministro federal do Interior, o social-cristão Horst Seehofer, que continuava a segurar Maaßen no lugar.

Afinal, na reunião de ontem, o SPD obteve a saída do super-espião; e Seehofer obteve que ele saísse por cima, promovido ao cargo de secretário de Estado no seu Ministério - um troféu que não deixará de brandir nas eleições regionais da Baviera, em 14 de outubro próximo. Maaßen não tem ainda substituto designado e só deixará o lugar quando o tiver.

Antes disso, Merkel ponderava tirar Maaßen do BfV (Departamento Federal de Defesa da Constituição), transferindo-o para o Ministério como chefe de serviço, com o mesmo vencimento que tinha. Seehofer, que de modo algum queria aplicar a Maaßen algo que pudesse ser visto como um castigo, mesmo sem penalização pecuniária, não tentou convencer a chanceler e sim a líder social-democrata Andrea Nahles.

Segundo uma das versões do sucedido ontem, foi com ela que conseguiu apalavrar o que é, no fundo, uma substancial promoção política do infractor. Merkel terá sido colocada perante o facto consumado de um acordo entre a esquerda e a direita do seu Governo.

Nahles desmente, por seu lado, que o procedimento tenha sido este. Na sua versão, chegou à chancelaria às 16h, e já encontrou Merkel e Seehofer reunidos há mais de uma hora, com a solução combinada entre ambos. Ter-lhes-á dito que se opunha a qualquer solução que deixasse Maaßen a tutelar os serviços secretos - e essa foi a sua única insistência que produziu resultados.

Os serviços secretos ficam sob a alçada de um outro secretário de Estado no mesmo Ministério, Hans-Georg Engelke. Segundo o Bild, Maaßen ficará a tutelar a Segurança Interna e a Cibersegurança.
O problema da dirigente social-democrata é que em qualquer das duas versões ela acabou por aceitar uma solução para o futuro de Maaßen que popularmente se designaria como um "pontapé pela escada acima". Aceita, ainda por cima, que ele vá ocupar o posto do social-democrata Gunther Adler, que sai para se reformar.
Coro de protestos no SPD
Como era inevitável, alguns destacados companheiros de partido têm criticado sem papas na língua o compromisso encontrado. Assim, a secretária-geral do SPD na Saxónia, Daniela Kolbe, classificou a reunião de ontem como "uma farsa". O líder da juventude do SPD, Kevin Kühnert, para quem, "pior ainda do que a decisão sobre Maaßen, são as tentativas de manipular, de apresentar tudo como inofensivo, e a conversa eufemística a mandar seguir tudo como antes".

O secretário-geral do SPD na Renânia-Palatinado, Daniel Stich, rotula as escolhas de Seehofer para os cargos como "ridículas", critica Merkel por não se impor ao seu ministro e não deixa de observar que Maaßen vai ser aumentado em dois escalões de vencimento.

O vice-presidente do partido, Ralf Stegner, não só qualificou a decisão como "um desastre", mas também sublinhou que ela põe em causa os próprios fundamentos de uma coligação que, no campo social-democrata, nunca foi inteiramente pacífica. O líder do SPD, Kevin Kühnert, declarou mesmo que para ele foi transposta uma linha vermelha.

A ministra federal da Família, a social-democrata Franziska Giffey, por seu lado, afirmou que a decisão fere o sentido de justiça do povo.

A vice-presidente do SPD Natascha Kohnen reclamou a demissão do próprio Seehofer, e os jovens social-democratas da Baviera apelaram a que o partido saia da coligação. O chefe do Governo da Baixa Saxónia, Stephan Weil, criticou igualmente a transferência do super-espião.

Ainda mais veemente foi o deputado federal social-democrata Florian Post: "O chamado acordo sobre o caso Maaßen é uma anedota (...) Ele é corrido de chefe do BfV e em vez disso é promovido a secretário de Estado. O que é que eles andaram a beber naquela reunião de emergência?"

O secretário-geral do SPD, Lars Klingbeil, critica a promoção de Maaßen como "uma decisão insólita" e considera que essa promoção, da responsabilidade primeira de Seehofer, deve ser lida como mais uma bofetada do ministro à chanceler.

Já a secretária-geral da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, optou por tornar as coisas ainda mais difíceis para o SPD, ao sublinhar que a decisão sobre o futuro de Maaßen é também da responsabilidade do SPD.
Maaßen "no pasará"? - a última barreira
Mas o que ontem ficou combinado na cimeira de partidos da coligação ainda tem de passar pela votação dos membros do Governo. O SPD da Baviera aposta justamente nessa última barreira para inviabilizar o acordo. Enviou, assim, uma carta a Andrea Nahles, assinada pela presidente da secção bávara do partido, também cabeça de lista nas próximas eleições de outubro, Natascha Kohnen, e pela vice-presidente Johanna Uekermann.

O partido ressente-se dos trunfos propagandísticos que Seehofer possa tirar do compromisso sobre Maaßen, principalmente porque as sondagens lhe auguram um desaire eleitoral, com votação entre 11 e 13 por cento.

A carta lembra que Maaßen "contribuiu substancialmente para fazer passar por inofensivos os desacatos da extrema direita em Chemnitz", constituindo a sua promoção a secretário de Estado "um erro grave, que não é compreensível do ponto de vista político e que não se consegue explicar em lugar algum".
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