A cúpula do SPD entrou na cimeira de ontem com os parceiros de coligação a insinuar que poderia deixar o Governo, se Hans-Georg Maaßen não deixasse a chefia do serviço de informações BfV. Afinal, tudo acabou por resolver-se. Mal - segundo vozes social-democratas cada vez mais numerosas.
Quem promoveu Maaßen?
A presidente do partido, Andrea Nahles, afirmou mesmo num discurso pronunciado durante o fim de semana que Maaßen "tem de sair e vai sair". O SPD tomava as dores de Merkel, desmentida pelo super-espião, mais do que ela própria as tomara. Confiava certamente em que a chanceler, no momento decisivo, se pronunciaria também pela destituição de Maaßen. Mas anunciava ao mesmo tempo um confronto sem retorno com o ministro federal do Interior, o social-cristão Horst Seehofer, que continuava a segurar Maaßen no lugar.
Afinal, na reunião de ontem, o SPD obteve a saída do super-espião; e Seehofer obteve que ele saísse por cima, promovido ao cargo de secretário de Estado no seu Ministério - um troféu que não deixará de brandir nas eleições regionais da Baviera, em 14 de outubro próximo. Maaßen não tem ainda substituto designado e só deixará o lugar quando o tiver.
Antes disso, Merkel ponderava tirar Maaßen do BfV (Departamento Federal de Defesa da Constituição), transferindo-o para o Ministério como chefe de serviço, com o mesmo vencimento que tinha. Seehofer, que de modo algum queria aplicar a Maaßen algo que pudesse ser visto como um castigo, mesmo sem penalização pecuniária, não tentou convencer a chanceler e sim a líder social-democrata Andrea Nahles.
Segundo uma das versões do sucedido ontem, foi com ela que conseguiu apalavrar o que é, no fundo, uma substancial promoção política do infractor. Merkel terá sido colocada perante o facto consumado de um acordo entre a esquerda e a direita do seu Governo.
Nahles desmente, por seu lado, que o procedimento tenha sido este. Na sua versão, chegou à chancelaria às 16h, e já encontrou Merkel e Seehofer reunidos há mais de uma hora, com a solução combinada entre ambos. Ter-lhes-á dito que se opunha a qualquer solução que deixasse Maaßen a tutelar os serviços secretos - e essa foi a sua única insistência que produziu resultados.
Os serviços secretos ficam sob a alçada de um outro secretário de Estado no mesmo Ministério, Hans-Georg Engelke. Segundo o Bild, Maaßen ficará a tutelar a Segurança Interna e a Cibersegurança.
O problema da dirigente social-democrata é que em qualquer das duas versões ela acabou por aceitar uma solução para o futuro de Maaßen que popularmente se designaria como um "pontapé pela escada acima". Aceita, ainda por cima, que ele vá ocupar o posto do social-democrata Gunther Adler, que sai para se reformar.
Coro de protestos no SPD
Como era inevitável, alguns destacados companheiros de partido têm criticado sem papas na língua o compromisso encontrado. Assim, a secretária-geral do SPD na Saxónia, Daniela Kolbe, classificou a reunião de ontem como "uma farsa". O líder da juventude do SPD, Kevin Kühnert, para quem, "pior ainda do que a decisão sobre Maaßen, são as tentativas de manipular, de apresentar tudo como inofensivo, e a conversa eufemística a mandar seguir tudo como antes".
O secretário-geral do SPD na Renânia-Palatinado, Daniel Stich, rotula as escolhas de Seehofer para os cargos como "ridículas", critica Merkel por não se impor ao seu ministro e não deixa de observar que Maaßen vai ser aumentado em dois escalões de vencimento.
O vice-presidente do partido, Ralf Stegner, não só qualificou a decisão
como "um desastre", mas também sublinhou que ela põe em causa os
próprios fundamentos de uma coligação que, no campo social-democrata,
nunca foi inteiramente pacífica. O líder do SPD, Kevin Kühnert, declarou
mesmo que para ele foi transposta uma linha vermelha.
A
ministra federal da Família, a social-democrata Franziska Giffey, por
seu lado, afirmou que a decisão fere o sentido de justiça do povo.
A
vice-presidente do SPD Natascha Kohnen
reclamou a demissão do próprio Seehofer, e os jovens social-democratas
da Baviera apelaram a que o partido saia da coligação. O chefe do
Governo da Baixa Saxónia, Stephan Weil, criticou igualmente a
transferência do super-espião.
Ainda mais
veemente foi o deputado federal social-democrata Florian Post: "O
chamado acordo sobre o caso Maaßen é uma anedota (...) Ele é corrido de
chefe do BfV e em vez disso é promovido a secretário de Estado. O que é
que eles andaram a beber naquela reunião de emergência?"
O
secretário-geral do SPD, Lars Klingbeil, critica a promoção de Maaßen
como "uma decisão insólita" e considera que essa promoção, da
responsabilidade primeira de Seehofer, deve ser lida como mais uma
bofetada do ministro à chanceler.
Já a
secretária-geral da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, optou por tornar as
coisas ainda mais difíceis para o SPD, ao sublinhar que a decisão sobre
o futuro de Maaßen é também da responsabilidade do SPD.
Maaßen "no pasará"? - a última barreira
Mas o que ontem ficou combinado na cimeira de partidos da coligação ainda tem de passar pela votação dos membros do Governo. O SPD da Baviera aposta justamente nessa última barreira para inviabilizar o acordo. Enviou, assim, uma carta a Andrea Nahles, assinada pela presidente da secção bávara do partido, também cabeça de lista nas próximas eleições de outubro, Natascha Kohnen, e pela vice-presidente Johanna Uekermann.
O partido ressente-se dos trunfos propagandísticos que Seehofer possa tirar do compromisso sobre Maaßen, principalmente porque as sondagens lhe auguram um desaire eleitoral, com votação entre 11 e 13 por cento.
A carta lembra que Maaßen "contribuiu substancialmente para fazer passar por inofensivos os desacatos da extrema direita em Chemnitz", constituindo a sua promoção a secretário de Estado "um erro grave, que não é compreensível do ponto de vista político e que não se consegue explicar em lugar algum".