O “sistema de abuso e exploração” de “dezenas de milhares de migrantes e refugiados” na Líbia opera com o conhecimento e a consequente cumplicidade de governos europeus, conclui a Amnistia Internacional num relatório divulgado esta terça-feira. A organização de defesa dos Direitos Humanos denuncia a canalização de fundos da União Europeia para autoridades que colaboram com redes de tráfico de pessoas.
No documento – publicado na sequência de notícias sobre escravatura em território líbio - pode ler-se que os governos da União são conscientemente “cúmplices na tortura e abuso de dezenas de milhares de refugiados e migrantes detidos pelas autoridades líbias de imigração em condições chocantes” naquele país do norte de África.A Líbia é a principal plataforma giratória de migrantes que procuram chegar à Europa. O número de pessoas que chegam a Itália tem caído consideravelmente com o apoio da União Europeia às autoridades líbias de imigração.
Ao canalizar fundos para as autoridades líbias, denuncia a Amnistia Internacional, a União Europeia acaba por ter um papel de apoio a um “sistema de tortura” – por via, também, do fornecimento de verbas, treino e navios à Guarda Costeira da Líbia.
Segundo os relatores da organização não-governamental, a Guarda Costeira líbia colabora com grupos criminosos envolvidos no tráfico humano. Com o conhecimento dos diretórios europeus. O que tem resultado num quadro de “detenções em massa, arbitrárias e por tempo indefinido” de refugiados e migrantes.
“Centenas de milhares de refugiados e migrantes apanhados na Líbia estão à mercê das autoridades, milícias, grupos armados e traficantes líbios, que muitas vezes trabalham juntos pelos ganhos financeiros. Dezenas de milhares são mantidos indefinidamente em centros de detenção sobrelotados, onde são submetidos a abusos sistemáticos”, aponta o diretor da Amnistia Internacional para a Europa, John Dalhuisen.
Os refugiados e migrantes intercetados pela Guarda Costeira são encaminhados para centros de detenção administrados pela Diretoria Geral para o Combate à Migração Ilegal (DCIM).
“Os governos europeus não só têm estado inteiramente ao corrente destes abusos; ao apoiarem ativamente as autoridades líbias na contenção das travessias marítimas e de pessoas na Líbia, são cúmplices nestes crimes”, insiste John Dalhuisen.
“Tortura, trabalho forçado, extorsão”
A Amnistia Internacional calcula em 20 mil o número de pessoas atualmente cativas nos centros de detenção líbios, tendo recolhido vários testemunhos de vítimas de “tortura, trabalho forçado, extorsão” e até mesmo relatos de execuções sumárias.
Ouvido pela organização, um homem oriundo da Gâmbia, que esteve detido durante três meses, afirmou ter sido privado de alimentos e repetidamente agredido: “Eles bateram-me com uma mangueira, porque queriam dinheiro para me libertar. Telefonavam à minha família enquanto me batiam, para que enviassem dinheiro”.
A Amnistia acredita ter reunido suficiente material de prova para levar as autoridades europeias à justiça.
“Os governos europeus devem repensar a cooperação com a Líbia na migração e permitir que as pessoas cheguem à Europa por caminhos legais, incluindo a recolocação de dezenas de milhares de refugiados. Devem insistir junto das autoridades líbias no fim da política e da prática de detenções arbitrárias de refugiados e migrantes, na imediata libertação de todos estrangeiros mantidos em centros de detenção e permitir que o ACNUR [Alto Comissariado da ONU para os Refugiados] opera sem obstáculos”, insta o diretor da Amnistia Internacional para a Europa.
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