Argumentos do Presidente timorense para travar nomes do Governo são "frágeis" -- Constitucionalista

por Lusa

O constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos considerou que os argumentos apresentados pelo Presidente timorense para travar a nomeação de alguns membros do Governo são frágeis, sublinhando que o atual impasse exige um diálogo político.

Em entrevista à Lusa, o redator da Constituição de Timor-Leste analisou o atual impasse entre o Presidente timorense, Francisco Guterres Lu-Olo, e o primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, em relação à nomeação de alguns membros do executivo.

A formação do novo Governo tem estado num impasse, com Lu-Olo a recusar dar posse a 11 dos membros nomeados por Taur Matan Ruak, nove por alegadamente terem "o seu nome identificado nas instâncias judiciais competentes" e dois por possuírem "um perfil ético controverso".

Para Bacelar de Vasconcelos, "esses fundamentos referidos são frágeis".

No caso das questões com a Justiça, a Constituição tem mecanismos previstos, com o Governo a responder perante o Parlamento Nacional que, em casos de crimes com uma moldura penal inferior a dois anos, "tem de autorizar a suspensão de mandato".

"O facto de se confiar ao Parlamento a competência para determinar a suspensão indica que o seu comportamento é fiscalizado pela instância parlamentar e não pelo Presidente", disse.

Bacelar de Vasconcelos considerou "extremamente frágil" basear essa decisão na mera indicação de suspeitas, ou em casos em inquirição ou investigação.

"Não me parece que a existência de mera suspeita, inquirição ou investigação sejam motivo suficiente para o Presidente fundamentar uma recusa de nomeação", sublinhou.

Também o argumento da ética é "ainda mais indeterminado", já que meras "objeções de natureza ética" alterariam a questão da confiança, disse.

"Não oferece confiança ao Presidente, mas isso não chega. Isso equivaleria a que o Presidente é que forma o Governo. Não é competência que lhe caiba. Se o poder negativo de obstrução aos nomes propostos é usado desta forma, efetivamente, de facto o Presidente está a assumir ele próprio a responsabilidade do Governo que é competência do Primeiro-ministro e não dele próprio", sublinhou.

Os membros do executivo "respondem perante o primeiro-ministro", numa quase "presidencialização do órgão Governo" o que limita a capacidade de influência do Presidente na sua composição, disse.

Bacelar de Vasconcelos lembrou que a Constituição timorense assenta num sistema parlamentar "com uma moderação presidencial", tendo o Presidente "poderes particularmente importantes para a solução de situações de crise".

No entanto, o poder de intervenção "atinge o seu momento mais importante no instante em que nomeia o primeiro-ministro".

O constitucionalista acrescentou que o facto de estarem, entre os nomes propostos e ainda por nomear, deputados eleitos em maio "vem limitar ainda mais a possibilidade de objeções a que possam integrar o Governo".

O Presidente timorense tem um papel "reforçado e intervenção legítima amplificada" em situação de crise, como a de ausência de maioria parlamentar.

Mas "com a indigitação e nomeação e tomada de posse do primeiro-ministro, esse papel reforçado do Presidente deixa de se justificar, porque o Governo é da responsabilidade do primeiro-ministro, mas depende também do parlamento", frisou.

Bacelar de Vasconcelos reiterou que a Constituição "não prevê uma solução para casos de conflito" ou para a indisposição do Presidente em "nomear algum membro do Governo" já que a lei-base entende que "é politicamente que a situação tem que ser resolvida".

"Seria inadequado e abusivo que estes problemas tivessem solução em sede de fiscalização da constitucionalidade das leis", afirmou.

"Estes problemas têm que se resolver no âmbito na relação entre Presidente e primeiro-ministro. Não há saída jurídico-constitucional e é entre eles que tem de se ultrapassar", considerou.

O constitucionalista indicou que a referência ao processo de destituição, referido numa carta enviada hoje por Xanana Gusmão ao Presidente timorense, como "sobretudo simbólico", já que "o resultado nas eleições não torna plausível que dois terços a aprovem".

"O que a Constituição prevê é que o primeiro-ministro se entenda com o Presidente e que algum deles abandone o palco se não conseguirem chegar a uma solução", disse.

"A Constituição remete para o diálogo entre primeiro-ministro e Presidente a superação de quaisquer problemas que possam ocorrer neste processo. Se o Presidente não tem constitucionalmente o poder de livremente vetar quaisquer nomes que entenda dos que lhe são propostos pelo primeiro-ministro, mantém, e a Constituição não o proíbe, um poder de diálogo para manifestar e indicar ao primeiro- ministro objeções que têm eventualmente sobre esses pontos", explicou.

Deixa de ser constitucional se o Presidente, de "forma sistemática e não fundamentada recusar propostas de nomes de membros do Governo para serem nomeados e não haja razoes atendíveis para o fazer".

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