Artistas iranianos apelam a boicote das instituições culturais ligadas ao regime

por Cristina Sambado - RTP
WANA via Reuters

Artistas iranianos apelaram a um boicote internacional às instituições culturais dirigidas ou associadas na República Islâmica em protesto contra o agravamento das violações dos direitos humanos mo país. O ativismo artístico tem aumentado desde a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, em setembro.

Mais de seis mil figuras públicas iranianas assinaram uma declaração de apoio aos estudantes de artes no país que enfrentam detenções e intimidações por participarem nos protestos, que começaram há 10 semanas.

Os signatários da missiva apelaram mundo para “um boicote às instituições governamentais do Estado Islâmico do Irão e as suas filiais secretas, e impedir presença em espaços de arte internacionais, cultura e educação”.

Condenam a “repressão cada vez mais brutal, violenta e mortal do Estado” contra os manifestantes antigovernamentais.

Os signatários estimam que 300 pessoas tenha morrido e mais de 1400 detidas nos protestos.Um dos principais membros do grupo apelou a uma ação direta contra as organizações artísticas que recebem financiamento do regime iraniano, semelhante aos protestos montados contra museus e galerias financiadas pela família Sackler, benfeitores descendentes de fabricantes americanos de medicamentos opiáceos viciantes.

Vali Mahlouji, um curador com sede em, Londres, afirmou ao Guardian, que essas sanções podem envolver lobbying em feiras de arte internacionais para não exibir obras de certas galerias iranianas.

“Sabemos que algumas galerias privadas iranianas estão ligadas ao sistema monetário do Estado iraniano, incluindo o Conselho de Guardas Revolucionário islâmico. Elas necessitam de ser boicotadas”, frisou Vali Mahlouji.

Já a artista Jinoos Taghizadeh, que participou em vários protestos nas ruas de Teerão após a morte de Amini, acrescentou que algumas galerias aparentemente independentes “têm sido o braço de lavagem de dinheiro do governo e têm tentado despolitizar artistas iranianos. Eu apoio e espero que as instituições internacionais os boicotem”.
Instalações públicas refletem brutalidade do regime Provocados pela morte de Amini quando estava sob custódia policial, na sequência de acusações de estar a usar o hijab (véu islâmico) indevidamente, os artistas iranianos criaram instalações públicas que refletem a brutalidade do regime.

Em outubro, um artista anónimo criou “Teerão afundado em sangue” tingindo de vermelho as fontes de alguns parques. Em resposta a uma repressão contra manifestantes na Universidade de Sharif na capital iraniana. Duas artistas, também sob anonimato, penduraram forcas vermelhas nas árvores do parque Daneshjoo.
“Esta é uma sociedade que diz que estamos aterrorizados. Há uma grande resposta performativa: pessoas a atarem-se a si próprias; tinta vermelha a ser vertida em imagens do fundador da República Islâmica [Ayatollah Khomeini]; tinta vermelha a ser atirada aos edifícios; até mesmo urinar fora das galerias de arte que se mantiverem abertas quendo os artistas exigirem o seu encerramento”, realçou Vali Mahlouji.

Em Nova Iorque no mês passado, o coletivo de Artistas Anónimos do Irão desdobrou 12 faixas vermelhas no interior do Museu Guggenheim cobertas com imagens de Amini e as palavras “Mulheres, Vida. Liberdade” em inglês e em curdo.
Jinoos Taghizadeh, que está agora no Canadá, levantou os problemas dos estudantes de arte no Irão, os quais, segundo ela “têm sido muito corajosos e criativos apesar de todas as repressões, detenções e raptos. “Os vídeos das atuações e protestos antigovernamentais nas universidades tornaram-se virais nos meios de comunicação social”.

“Foram constantemente ameaçados pela polícia e pela segurança universitária, mas as suas músicas e canções de protesto, a sua publicação nas redes sociais encorajaram os manifestantes e trouxeram a voz do protesto a outras cidades fora do Irão”, acrescentou.

Taghizadeh apelou ainda às galerias e museus internacionais para exibirem arte iraniana que apoia o espírito do movimento “Mulheres, Vida. Liberdade”, em vez de mostras que reforçam “os estereótipos exóticos do Médio Oriente e do mundo islâmico”.

Shirin Neshat, que em outubro revelou uma peça de arte digital intitulada “Woman Life Freedom” no Piccadilly Circus, Londres, e em Pendry West Hollywood, Los Angeles, realçou o agravamento das violações dos direitos humanos no Irão.

“Não somos apenas um bando de artistas oprimidos a tentar fazer com que a cultura ocidental sinta pena de nós. Estamos a ensiná-los que é tempo de acordar e compreender que a cultura desempenha para nós um grande papel no tecido político do nosso mundo”, frisou Shirin Neshat.

A artista, que assinou a carta de apoio aos estudantes iranianos, considera que “estamos a aprender muito com eles. Não só pela sua resistência e protestos, mas também pela imaginação. Com os parâmetros com que estão a lidar, continuam a ser imaginativos e criativos na luta”.

“Vemos estes jovens que estão completamente destemidos a enfrentar a tirania. É extremamente esperançoso ter estes jovens a dizer que não têm mais medo”, acrescentou Shirin Neshat, que em 1996 foi proibida de regressar ao Irão.
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