Atentado em Paris extravasa para as presidenciais

por Graça Andrade Ramos - RTP
A patrulha nos Campos Elísios horas depois de um atentado ter custado a vida a um polícia. Benoit Tessier - Reuters

O autor do atentado de ontem à noite nos Campos Elísios chamava-se Karim Cheurfi, tinha 39 anos e era natural de Livry-Gargan, em Seine-Saint-Denis, arredores de Paris. A sua radicalização foi recente e o ataque era quase impossível de prever mas, a três dias da primeira volta das eleições presidenciais, tudo serve de arma de arremesso entre os candidatos. Até o Governo socialista se envolveu para atacar os candidatos da Direita, acusando-os de "excessos" na reação ao ataque.

O primeiro ministro, Bernard Cazeneuve, começou por acusar Marine Le Pen de 'instrumentalizar' o atentado de quinta-feira. 

A candidata da Frente Nacional exigiu esta manhã o fim da 'ingenuidade', a reativação dos controlos fronteiriços e a expulsão de todos os estrangeiros referenciados pelos serviços secretos das fronteiras.O autor do atentado era francês e só recentemente tinha sido referenciado por radicalização e ameaças a polícias.

Cazeneuve afirmou que não existe nenhuma prova que ligue o incidente à imigração e acusou a candidata da extrema-direita de "explorar o medo, sem vergonha".

No mesmo fôlego, o primeiro-ministro atacou igualmente o programa do candidato da Direita, François Fillon, comparando-o com a sua ação enquanto primeiro-ministro.

"Ele preconiza a criação de 10 mil lugares nas forças policiais. Como acreditar a este propósito um candidato quando este, enquanto primeiro-ministro, suprimiu 13 mil postos nas forças de segurança interna?" perguntou Cazeneuve, referindo que o candidato presidencial quer reduzir 500 mil funcionários públicos.

Divisão e polémica
As campanhas de Fillon e Le Pen contra-atacaram, dizendo a Frente Nacional que Cazeneuve há muito se deveria ter demitido e a de Fillon perguntando a que "excessos" se referia o primeiro-ministro.

O tiroteio teve início no momento em que os 11 candidatos à Presidência de França se perfilavam nos ecrãs televisivos para esgrimirem os derradeiros argumentos. 

Três deles, a líder da extrema-direita Marine Le Pen, o conservador François Fillon e o centrista Emmanuel Macron, acabariam por anunciar a anulação das últimas ações de campanha, previstas para esta sexta-feira.

Por contraste, o esquerdista Jean-Luc Mélenchon decidiu manter a ação de campanha prevista para esta sexta-feira em Paris, propondo-se “demonstrar que os violentos não terão a última palavra contra os republicanos”.

Já esta manhã, após uma reunião do Conselho de Defesa convocada pelo Presidente François Hollande, o primeiro-ministro, Bernard Cazeneuve saiu a público para sublinhar que “nada deve dificultar” o processo eleitoral, apelando aos franceses para que “não cedam à divisão”.
Cazeneuve garantiu que as forças de segurança francesas, incluindo as unidades de elite, estão totalmente mobilizadas para a proteção dos cidadãos durante a jornada eleitoral do próximo domingo.
Apesar das suas intenções de suspender a campanha os principais candidatos não se eximiram de tentar aproveitar o atentado e conduzir mobilizar a reação do eleitorado.

Fillon e Macron prometeram ser implacáveis contra o terrorismo e reforçar os meios das forças de segurança,a lém de manterem o estado de emergência. 

Melanchon apelou os franceses a mostrarem que "não estão intimidados". Também Le Pen afirmou ser imperativo “reforçar os meios policiais, meios morais e materiais”.
Radicalização fulgurante
O reforço sucessivo dos serviços anti-terrorismo nos últimos cinco anos foi insuficiente para evitar que Cheurfi passasse entre as malhas da vigilância, apesar de sinalizado.

Abatido ontem à noite nos Campos Elísios depois de assassinar um polícia e ferir outros dois, o afrancês estava desde 2016 nos radares das forças de segurança por radicalização.

De acordo com o jornal Le Monde, no final do ano passado Karim C. foi denunciado devido à sua vontade de matar polícias para se vingar dos muçulmanos mortos na Síria. 

Foi igualmente sinalizado nesse período por ter dito que estava à procura de armas e por pretender entrar em contacto com alguém que se dizia combatente do autoproclamado Estado Islâmico na zona sírio-iraquiana. Foi então aberto um inquérito judicial, confiado à Policia Judiciária de Meaux, o qual se mantém como inquérito de direito comum.

A partir de janeiro de 2017, Karim C. foi incluído nos ficheiros de sinalização para a prevenção e a radicalização de caracter terrorista, criados em 2015, alguns meses depois do ataque ao Charlie Hebdo, para centralizar mais eficazmente o seguimento dos indivíduos cujo nível de radicalização os torna suscetíveis de resvalar para o terrorismo. 

Estes ficheiros contêm atualmente cerca de 16 mil entradas, quatro mil das quais "objeto" dos serviços. A 23 de fevereiro, Karim C. foi interpelado por agressões a agentes da autoridade mas a sua detenção não produziu resultados, nem as buscas ao seu domicílio.

Foi somente em março que Karim C entrou nos radares da Direcção Geral da Segurança Interna (DGSI). O inquérito realizado pela PJ de Meaux encontrou-se então com o pólo anti-terrorista da Procuradoria de Paris. A 9 de março, a DGSI foi envolvida devido à vontade cada mais mais evidente de Karim C. de entrar em contacto com o combatente referido.

A sua perigosidade não foi considerada prioritária. Perfis como o de Karim C. são atualmente muito numerosos, a DGSI segue cerca de dois mil indivíduos com ligações às fileiras extremistas sírio-iraquianas, sendo impossível segui-los todos em tempo real 24 sobre 24 horas. As investigações sobre Karim C. não permitiram estabelecer uma ligação formal com um projecto terrorista.

Karim Cheurfi saiu da prisão em 2015. Estava sob liberdade condicional até ao outono de 2017. De acordo com uma fonte próxima do dossier questionada pelo Le Mondesexta-feira de manhã, ele não respeitava sempre as suas obrigações, como a de comparecer perante um juiz, por exemplo. Não tinha no entanto violado manifestamente a liberdade condicional, de acordo com outra fonte. 

A sua radicalização era recente e foi fulgurante, tendo escapado aos serviços. 
A ligação belga
Junto ao corpo de Karim foi encontrada uma nota de defesa do Daesh - o nome árabe dado ao autoproclamado Estado Islâmico.

O atentado da última noite foi rapidamente reivindicado pelo autoproclamado Estado Islâmico, através da agência de propaganda Amaq: “O autor do ataque dos Campos Elísios, no centro de Paris, é Abu Yussef, o belga, e é um dos combatentes do Estado Islâmico”.


A reivindicação e a notícia de que um homem procurado pelas autoridades se tinha entregado em Antuérpia, deram alguma credibilidade à ligação à Bélgica.

Mas durante a manhã este suspeito foi ilibado. 

"Esse homem veio à polícia ontem à noite depois de se ver aparecer nas redes sociais como o principal suspeito relacionado com os factos de ontem”, informou um procurador belga na cidade de Antuérpia, citado pela agência Associated Press, que recusou ser identificado.

O mesmo responsável deixou claro que o homem “não faz parte de uma investigação de terrorismo”.

Além de ter um álibi a provar que não se encontrava em Paris, o homem era citado numa investigação completamente diferente, ligada a estupefacientes, referem as autoridades belgas.

Os serviços de segurança da Bélgica estão concentrados agora na reivindicação do autoproclamado Estado Islâmico, que mencionou um combatente belga, Abou Youssef Al-Belgiiki. Para já, nenhum combatente belga referenciado nas fileiras do grupo corresponde a este nome.
Um "ato cobarde"
O Governo português reagiu esta sexta-feira ao atentado, com o ministro dos Negócios Estrangeiros a manifestar solidariedade e a condenar um "ato cobarde".

Nos Açores, à margem de uma cimeira internacional sobre a criação do futuro centro de investigação para o Atlântico, Augusto Santos Silva disse que o atentado visava "perturbar a realização das eleições" e "semear o medo e a insegurança nas cidades europeias".

Segundo o chefe da diplomacia portuguesa, o ataque de quinta-feira "tinha dois objetivos": o de "perturbar a realização das eleições francesas" e o de "semear o medo e a insegurança nas cidades europeias".



O Parlamento português condenou igualmente o atentado e reafirmou o empenho de Portugal na prevenção e combate ao terrorismo.

O voto de condenação foi proposto pelo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e por todas as bancadas parlamentares, sendo aprovado por unanimidade.

"A Assembleia da República reafirma uma vez mais o empenho de Portugal na prevenção e combate global ao terrorismo e expressa a mais veemente condenação pelo atentado de ontem [quinta-feira]", refere o voto.

No texto, os deputados afirmam estar certos de que o ataque não perturbará as eleições presenciais francesas, cuja primeira volta se realiza no domingo.

Também o Presidente dos EUA reagiu. Numa publicação na rede social Twitter, Donald Trump lamentou "mais um atentado terrotista em Paris".

"Os franceses não aguentam muito mais", acrescentou, considerando ainda que o efeito sobre a eleição presidencial será importante.
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