Beirute. ONU teme desastre humanitário no Líbano

por RTP
Mohamed Azakir - Reuters

O Líbano já enfrentava uma crise humanitária, mas as Nações Unidas receiam que agora, após as devastadoras explosões ocorridas na terça-feira em Beirute, a situação se agrave. Embora o Governo libanês admita que a causa possa ter sido de "interferência externa", as Nações Unidas pediram uma investigação independente ao sucedido.

Agências da ONU lançaram um apelo urgente à solidariedade internacional para com o Líbano, depois de a capital ter sido devastada na terça-feira por duas explosões, causando pelo menos 154 mortos, mais de cinco mil feridos e 300 mil desalojados.

A crise humanitária vivida no Líbano não é recente, mas no rescaldo de um acidente devastador e em pleno contexto pandémico, a ONU alerta para o risco de a situação piorar.

Antes da explosão que devastou parte da cidade de Beirute, 75 por cento dos libaneses já precisavam de ajuda, 33 por cento estavam desempregados e cerca de um milhão de pessoas vivia abaixo da linha da pobreza.

A agência humanitária Programa Alimentar Mundial disse, esta semana, que com a destruição do porto de Beirute, o fornecimento de alimentos no território podia ser atrasado ou mesmo interrompido e, em consequência, os preços podiam aumentar. A escassez de comida já se sente e a população, ainda em choque, começa a recear a falta de produtos alimentares e a dificuldade de aceder até aos mais básicos.

A organização vai enviar cinco mil pacotes de comida, suficientes para alimentar famílias de cinco pessoas durante um mês, e planeia importar farinha de trigo e grãos para ajudar a suprir a escassez no território.
Hospitais destruídos, falta de medicamentos e Covid-19 preocupam OMS
Junto ao porto e em vastas áreas da capital libanesa, o cenário é de destruição total. Falta de tudo um pouco, em especial ao nível dos serviços de saúde, tendo sido destruídos três hospitais e outros dois ficado parcialmente danificados.

A OMS expressou preocupação com a escassez dos medicamentos e a sobrelotação dos hospitais, adiantando que os fundos pedidos permitiriam dar resposta também ao combate à pandemia de Covid-19.

"Três hospitais já não funcionam, dois ficaram parcialmente danificados", assim como centros de saúde, lembrou Christian Lindmeier, porta-voz da OMS.

Entretanto, a OMS já enviou kits de emergência para situações de trauma e tratamentos cirúrgicos, com medicamentos essenciais e suprimentos médicos, de forma a tentar cobrir as necessidades imediatas e garantir a continuidade na resposta à pandemia da Covid-19.

De facto, o Líbano também tem registado um aumento nos casos de infeção pelo novo coronavírus, mas 17 contentores onde estariam máscaras, fatos de proteção e luvas, enviados para Beirute pela OMS, foram completamente destruídos na explosão.

Considerando a situação já precária do país, que enfrenta uma séria crise económica, as várias organizações humanitárias apelaram à urgência de intervir nos setores da saúde e alimentar, uma vez que silos de cereais e hospitais foram destruídos no acidente de terça-feira.

O porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville, apelou esta semana à necessidade de a comunidade internacional ajudar o Líbano com uma resposta rápida e um compromisso sustentado.

As doações pedidas pelas agências irão juntar-se, assim, aos nove milhões de dólares (7,6 milhões de euros) já desbloqueados de fundos humanitários da ONU.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu 15 milhões de dólares (12,6 milhões de euros) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) indicou pretender obter 8,25 milhões de dólares (6,98 milhões de euros) numa conferência de imprensa online, que juntou o Programa Alimentar Mundial (PAM) e os Altos Comissariados para os Direitos Humanos e para os Refugiados.
Videoconferência de doadores no domingo

Uma videoconferência coorganizada pela ONU e pela França para angariar doadores para o Líbano está agendada para domingo.

A realização dessa vídeoconferência foi anunciada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, na quinta-feira, numa conferência de imprensa na capital do Líbano, onde se deslocou para prestar apoio e solidariedade. Este sábado de manhã, a presidência francesa anunciou que o encontro está marcado para as 12h00 de domingo, indicou a agência AFP.

"[A intenção passa por mobilizar] financiamento internacional, dos europeus, dos americanos, de todos os países da região, para fornecer medicamentos, cuidados de saúde e alimentos"
, sublinhou na quinta-feira o Presidente francês.

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, através do Twitter, falou também sobre a videoconferência que junta "o presidente Macron, os líderes do Líbano e líderes de outros lugares do mundo" e defendeu que "todo mundo quer ajudar!", mencionando ainda ter falado com Macron a propósito da reunião.


Durante a visita à capital do Líbano, o Presidente francês prometeu que o dinheiro não iria para a "corrupção" e, segundo uma fonte diplomática, citada pela AFP, que a ajuda vai ser concentrada nas necessidades de alimentos e infraestruturas.
Governo não pediu investigação internacional
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu, entretanto, uma investigação independente às explosões, insistindo que "os pedidos de responsabilização das vítimas devem ser ouvidos". Mas o presidente libanês, Michel Aoun, rejeitou a realização de tal investigação internacional, tendo admitido que possa ter sido causada por negligência ou por um míssil.

"A causa ainda não foi determinada", disse Aoun. "Existe a possibilidade de ter sido interferência externa, como um míssil ou uma bomba", acrescentou sem, no entanto, fundamentar esta hipótese.

Sabe-se que o incêndio de cerca de 2750 toneladas de nitrato de amónio, que estavam armazenadas de forma insegura no porto de Beirute, estará na origem das explosões, mas não é certo o que terá provocado o sucedido.

Segundo um porta-voz, a Organização das Nações Unidas não recebeu nenhum pedido para investigar as grandes explosões de terça-feira em Beirute.

"Certamente estamos dispostos a ajudar", disse Furhan Haq, numa conferência de imprensa, depois de o presidente francês Emmanuel Macron pedir um inquérito internacional sobre a explosão.

No entanto, o Governo libanês não fez tal pedido até agora, de acordo com a ONU.

"Não recebemos nenhum pedido neste momento, mas, é claro, estaríamos dispostos a considerar tal pedido se o recebermos. Mas nada semelhante foi pedido", disse Haq.

A possibilidade de o Governo ter conhecimento prévio do perigo que representava o armazenamento, sem segurança, de nitrato de amónio no porto, durante anos, veio aumentar ainda mais o descontentamento da população quanto à já antes criticada administração do país.

Espera-se que, este sábado, milhares de libaneses se juntem numa manifestação em Beirute contra os líderes do país, a quem culpam pelo desastre.
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