Em direto
Portugal comemora 50 anos da Revolução dos Cravos. Acompanhe ao minuto

Berlim deu um passo atrás e dois à frente no corte com Trump

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
"Os tempos em que podíamos contar completamente uns com os outros em certa medida acabaram", declarou no domingo a chanceler alemã Ciro Fusco - EPA

O Presidente norte-americano deixou o encontro do G7 em Paris sem uma decisão acerca do acordo do clima negociado na capital francesa em dezembro de 2015. A chanceler alemã não gostou e disse que os europeus teriam de passar a contar apenas consigo próprios para o futuro. A crítica não caiu bem em Washington – nem em Londres – e o porta-voz de Angela Merkel veio dizer que esta sempre foi atlantista. Horas depois, em Berlim, Merkel veio reiterar tudo o que disse no domingo e contou com o apoio do seu vice-chanceler, Sigmar Gabriel, que classificou de “política de vistas curtas” as opções que Donald Trump levou aos aliados da NATO e do G7.

De regresso a Washington, o Presidente Trump foi lesto a colocar no Twitter a sua avaliação do périplo europeu.

“Acabo de chegar da Europa. Esta viagem foi um grande sucesso para os Estados Unidos”, escrevia este domingo na sua plataforma de comunicação aos norte-americanos.


Esta foi a primeira deslocação ao estrangeiro de Donald Trump. Pelo que era aguardada com grande expectativa.

O estilo do novo Presidente norte-americano tem mantido os Estados Unidos sob contstante beligerância política, logo, os parceiros europeus não sabiam com o que contar depois de quase dois mandatos sem problemas com o anterior inquilino da Casa Branca, Barack Obama.


Trump acabou por não desiludir: concretizou as ameaças feitas aos parceiros da NATO de desfazer a Aliança Atlântica se não fossem postos em dia os pagamentos da quotas de cada um e pelo caminho inutilizou a assinatura norte-americana posta por Obama no acordo do clima alcançado em Paris há ano e meio, em dezembro de 2015.

Relativamente ao primeiro ponto, Trump disse que não era justo para os contribuintes norte-americanos estarem a pagar o funcionamento da NATO quando havia membros que não cumpriam as suas obrigações financeiras. A declaração do Presidente é quase uma declaração de guerra, já que fez saber em Bruxelas, onde esteve nas novas instalações, que os norte-americanos deixavam de estar comprometidos com o artigo 5 da Aliança.

O artigo 5 que é quase toda a base da NATO: é o texto que impele os membros a irem em auxílio de outros membros que tenham sido alvo de agressão externa – a defesa coletiva.

A chanceler Merkel não deixou que a agenda arrefecesse e ainda no domingo tomou as rédeas da Europa para avisar que a Europa já não pode contar com os Estados Unidos e o Reino Unido. Foi durante uma ação de campanha para as eleições alemãs. Angela Merkel disse ter percebido nos últimos dias, referindo-se claramente às cimeiras da NATO e do G7, que a amizade se mantém, mas que os europeus têm de tomar decisões sozinhos.

“Os tempos em que podíamos contar completamente uns com os outros em certa medida acabaram. Senti isso nos últimos dias, por isso digo que, como europeus, temos de tomar o nosso destino nas nossas próprias mãos”, afirmou de viva voz a líder da Europa, numa declaração que irritou tanto Washington como Londres.

Sublinhando que não rejeitava a amizade com os norte-americanos, os ingleses e mesmo os russos, a chanceler alemã disse: “Temos de lutar pelo nosso futuro sozinhos, pelo nosso futuro como europeus, e é isso que quero fazer em conjunto convosco”.

Já durante a manhã desta segunda-feira, o seu porta-voz procurou deitar água na fervura, garantindo que Merkel é uma atlantista convicta. “As palavras da chanceler falam por si – foram claras e compreensíveis”, notou o porta-voz Steffen Seibert, sugerindo a ideia de que as relações entre a Europa e a América só têm a ganhar quando os líderes falam de forma franca e aberta sobre as suas diferenças.

“Foi uma atlantista profundamente convicta que falou. Porque as relações transatlânticas são tão importantes para ela, a chanceler considera que o mais correcto é falar abertamente sobre as diferenças”, explicou o porta-voz de Merkel.

Mal o recado tinha partido para Washington – e eventualmente Londres – e Merkel lançava nova bomba na discussão. Numa conferência sobre o clima que decorre em Berlim, a chanceler afirmou esta segunda-feira que, face à posição de Donald Trump sobre o Acordo de Paris, será muito difícil salvar esse articulado.

Dessa forma, reiterou a posição assumida na véspera e voltou a sublinhar que os europeus deixaram de poder confiar nos seus aliados. Por isso, teriam de passar a tomar o seu destino nas suas mãos.
“Política de vistas curtas”

Acontece que Merkel não está só nesta frente alemã. O seu vice-chanceler, Sigmar Gabriel, veio já igualmente criticar Trump, considerando que as suas decisões e a política norte-americana vão contra os interesses da União Europeia e enfraquecem o Ocidente.

Sigmar Gabriel, vice-chanceler mas também chefe da diplomacia germânica e líder do SPD, acusa ainda Trump de nesta sua primeira deslocação ao estrangeiro enquanto presidente americano ter feito negócios de armamento no valor de 100 mil milhões de dólares durante a visita à Arábia Saudita.

“Os Estados Unidos pensam que impor os seus próprios interesses é mais importante do que a ordem internacional”, lamentou Sigmar Gabriel durante uma conferência de imprensa em Berlim, para criticar essa “política de vistas curtas” que está a ser levada a cabo pela Administração Trump.

“A política de vistas curtas do Governo americano é contrária aos interesses da União Europeia”, esclareceu Gabriel citando as questões do clima e a venda de armas no Médio Oriente.

Quando um chefe de Estado visita um país “onde os Direitos Humanos são espezinhados e não diz uma palavra sobre o assunto mas aproveita para assinar um contrato de armamento… quando ele duvida do fato de que outros homens sofrem, mas também que morrem por causa das alterações climáticas, então eu digo que o Ocidente ficou mais pequeno, ou pelo menos que foi enfraquecido”, acusou o chefe da diplomacia alemã, numa crítica direta às opções de Trump.
Tópicos
pub