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Após meia centena de demissões, Boris Johnson aceita sair de cena

por Andreia Martins - RTP
John Sibley - Reuters

Ao cabo de uma catadupa de demissões no Governo britânico, Boris Johnson aceitou esta quinta-feira abandonar o cargo de primeiro-ministro, avança a BBC. Mas pretende manter-se em funções até que o Partido Conservador escolha um novo líder.

De acordo com Chris Mason, editor de política da BBC, Boris Johnson irá demitir-se esta quinta-feira, mas deverá continuar nas funções de primeiro-ministro até ao outono. Nos próximos meses, decorrerá uma eleição interna dentro do Partido Conservador e o novo primeiro-ministro estará em Downing Street a tempo da conferência anual dos tories, em outubro.

Nos últimos três dias, mais de meia centena de membros do Governo britânico apresentou a demissão na sequência de um novo escândalo que envolveu Boris Johnson. A debandada de ministros, secretários e assessores intensificou-se, com mais saídas de peso a ocorrerem às primeiras horas da manhã.

Para o Partido Trabalhista, principal força da oposição, a retirada de Boris Johnson é "uma boa notícia". No entanto, a decisão "já devia ter acontecido há muito tempo".

"Ele sempre esteve inapto para o cargo. Foi responsável por mentiras, escândalos e fraude a uma escala industrial. E todos os que foram cúmplices devem estar completamente envergonhados", vinca o líder trabalhista Keir Starmer.


Os trabalhistas referem ainda que, ao fim de "12 anos de estagnação económica, serviços públicos em declínio e promessas vazias" de liderança conservadora, o Reino Unido precisa de um "novo começo".

"Não precisamos de uma mudança no topo do Partido Conservador - precisamos de uma mudança adequada de Governo", acrescenta.
Governo esvaziado

Só na quinta-feira, renunciaram o secretário para a Irlanda do Norte, Brandon Lewis, a ministra do Tesouro, Helen Whately, o ministro da Segurança, Damian Hinds, o ministro da Ciência, o ministro júnior da Cultura, o ministro das Pensões, Guy Opperman, o ministro dos Tribunais, James Cartlidge e o ministro da Tecnologia, Chris Philip.

Até o novo ministro das Finanças, Nadhim Zahawi, nomeado há menos de 48 horas após uma das primeiras renúncias no Governo, apelou esta quinta-feira à demissão de Johnson. “Isto não é sustentável e só vai piorar, para si, para o Partido Conservador e, mais importante ainda, para o país. Deve fazer o que está certo e demitir-se”, escreveu no Twitter.

Zahawi não esclareceu se apresentou a demissão, mas indicou que já falou com Boris Johnson na quarta-feira, em Downing Street, pedindo-lhe para que abandonasse o cargo “com dignidade”.

No mesmo sentido, a nova secretária para a educação, Michelle Donelan, apresentou a demissão após menos de dois dias cargo. “Não vejo como pode continuar”, refere a responsável, afirmando ainda que “implorou” a Johnson para que se demitisse.

“Deixou-nos numa situação impossível… como alguém que valoriza a integridade acima de tudo, não tenho outra escolha”, afirma a responsável. Donelan diz que só a saída massiva de membros do Governo poderá resultar na queda de Boris Johnson “na ausência de um mecanismo formal” para o retirar do poder.

De recordar que Boris Johnson tinha sobrevivido a uma moção de censura dentro do partido há apenas um mês e, segundo as atuais regras dos tories, não era possível apresentar uma nova moção de censura até junho do próximo ano, no âmbito das regras da “Comissão de 1922”.

Em declarações à BBC esta quinta-feira, a deputada conservadora Julian Smith, ex-secretária para a Irlanda do Norte - demitida por Johnson em fevereiro de 2020 – acusava Boris Johnson de estar agarrado ao poder “ao estilo de Trump”, numa referência ao ex-presidente norte-americano que lançou suspeitas infundadas sobre fraude eleitoral nas eleições de 2020, em que perdeu para Joe Biden.

Perante o êxodo em massa, Boris Johnson insistia na quarta-feira em permanecer no cargo, rejeitando o apelo dos antigos colaboradores. “Não vou renunciar, a última coisa que este país precisa, francamente, é de uma eleição”, dizia o chefe de Governo durante a tarde, lembrando as várias crises e problemáticas que o país enfrenta.

Com uma longa lista de demissões no governo britânico que crescia a cada hora, foram mais de 50 os membros do Governo que bateram com a porta. Agora como primeiro-ministro demissionário, Boris Johnson terá de preencher provisoriamente todos os cargos que ficaram vagos até à tomada de posse de um novo chefe de Governo.

A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, já veio considerar que a manutenção do atual governo, ainda que por apenas alguns meses, é "insustentável". 
Os escândalos da "era" Boris
No poder desde 2019, ano em que substituiu Theresa May em Downing Street, o primeiro-ministro britânico sobreviveu a várias polémicas e escândalos que se intensificaram ao longo dos últimos meses. A última destas crises teve origem na ligação de Boris Johnson ao deputado conservador Chris Pincher, ex-responsável pela disciplina parlamentar da bancada conservadora, que se demitiu do cargo após acusações recentes de assédio sexual.

No entanto, outras denúncias de assédio de há vários anos implicavam o deputado conservador, casos que Boris Johnson terá desvalorizado. Na terça-feira, o primeiro-ministro britânico pediu desculpa por ter mantido a confiança em Chris Pincher apesar dos casos de assédio.

Muitos outros escândalos sexuais têm abalado o Executivo britânico nos últimos meses: o deputado conservador Imran Ahmad Khan foi acusado de abusar sexualmente de um rapaz de 15 anos; em abril um deputado do mesmo partido, Neil Parish, foi suspenso do cargo após ter visto pornografia no telemóvel enquanto estava no Parlamento; a ainda o caso de um responsável do Partido Conservador detido em maio por suspeita de violação e assédio sexual. Neste último caso, a identidade do agressor não foi revelada para proteger a identidade da alegada vítima.

Há ainda a célebre polémica das festas em Downing Street durante a pandemia, o "Partygate": num momento de fortes restrições por força da Covid-19, o governo de Johnson e o próprio primeiro-ministro participaram em várias festas que violavam as regras em vigor.

Na sequência deste escândalo, Boris Johnson chegou a ser multado pela polícia por participar num dos eventos e teve de pedir desculpa à rainha Isabel II, uma vez que o seu gabinete esteve diretamente envolvido numa festa que ocorreu na véspera do funeral do príncipe consorte, Filipe de Edimburgo, em abril de 2021. As festas contrastaram com a imagem da rainha sozinha no funeral do marido, numa altura de fortes restrições devido à pandemia.

De resto, o Parlamento britânico continua a investigar se Boris Johnson mentiu aos deputados quando insistiu que não sabia das várias festas ilegais. Em maio, foi divulgado um relatório detalhado sobre o ambiente das festas em Downing Street, elaborado pela funcionária Sue Gray, onde surgem repetidas descrições de consumo excessivo de álcool.

Destaque ainda para o controverso plano do Governo britânico para enviar os requerentes de asilo para o Ruanda. O executivo de Boris Johnson chegou a acordo com o país africano para despachar todos os migrantes chegados ao Reino Unido de forma clandestina.

Perante a sucessão de polémicas, o caso que envolve Chris Pincher foi a gota de água para vários elementos do governo, sobretudo pelas afirmações e desmentidos do primeiro-ministro e do seu gabinete acerca das várias alegações de assédio sexual que envolviam este parlamentar. 
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