Brasil é dos países onde mais bebés morrem por Covid-19. Porquê?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Estima-se que cerca de duas mil crianças com menos de nove anos tenham morrido por Covid-19 no Brasil desde o início da pandemia Luis Cortes - Reuters

No Brasil estima-se que cerca de duas mil crianças com menos de nove anos tenham morrido por Covid-19 desde o início da pandemia, incluindo mais de 1300 bebés. Apesar de estes números representarem apenas uma pequena parcela do total de mortes associadas à Covid-19 no país, o Brasil está entre os países com mais mortes de bebés por Covid-19 no mundo. Os especialistas explicam que para além de o número elevado de casos aumentar a probabilidade de infeção em crianças e bebés, muitos dos óbitos nestas idades devem-se à falta de testagem e ao diagnóstico tardio.

Embora na maioria dos casos as infeções sejam menos graves, as crianças são igualmente suscetíveis à infeção por Covid-19 e podem transmiti-la a terceiros. Em casos raros, as crianças podem desenvolver doença grave e acabar por morrer.

Segundo os dados do Ministério da Saúde do Brasil, entre fevereiro de 2020 e março de 2021 foram reportados 852 óbitos associados à Covid-19 em crianças com menos de nove anos, incluindo em 518 bebés. No entanto, dada a pequena percentagem de testagem nestas idades, os verdadeiros números podem ser mais do dobro.

Fátima Marinho, epidemiologista e membro da ONG internacional de saúde Vital Strategies, calculou o excesso de mortes por síndrome respiratória aguda não especificada durante a pandemia e concluiu que o número de óbitos era dez vezes superior ao reportado nos anos anteriores. Ao somar esses números, Marinho estima que a doença Covid-19 foi a causa de morte de 2.060 crianças menores de nove anos no Brasil desde o início da pandemia, incluindo de 1.302 bebés. Ainda segundo os dados da Vital Strategies, cerca de 6.500 crianças foram internadas por Covid-19 este ano. No ano passado, esse número chegou a 15.333.

Apesar do total de mortes por Covid-19 em crianças representar apenas uma pequena percentagem das mais de 360 mil mortes registadas no país desde o início da pandemia (cerca de 0,58 por cento), os números colocam o Brasil entre os países com mais mortes de bebés por Covid-19 no mundo. Nos EUA, por exemplo, onde já se registaram mais de 560 mil mortes por Covid-19, morreram 43 bebés por infeção por SARS-CoV-2 em 2020, segundo os dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). No Brasil, só no ano passado, morreram cerca de 1.064 bebés por Covid-19.
Qual a razão para estes números?
Em primeiro lugar, os especialistas explicam que o elevado número de infeções no Brasil – o terceiro maior em todo o mundo – aumenta a probabilidade de crianças e bebés serem infetados no Brasil.

É claro que quantos mais casos tivermos e, por consequência, quantos mais internamentos, maior será o número de óbitos em todas as faixas etárias, inclusive nas crianças”, explica Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, à BBC. “Se a pandemia fosse controlada, esse cenário poderia, evidentemente, ser minimizado”, acrescenta.

O elevado número de infeções e mortes diárias sobrecarregou todo o sistema de saúde no Brasil, que regista baixos níveis de oxigénio, escassez de medicamentos e falta de camas em unidades de cuidados intensivos (UCI). A nova variante de Manaus, que se estima ser mais contagiosa, está a conduzir o país para o caos.

O Brasil, que tem registado milhares de mortes por dia, é o país com mais óbitos registados em 24 horas, muito acima dos EUA ou da Índia. No mês de abril, o Brasil registou, pela primeira vez, mais mortes do que nascimentos.
Falta de testes e diagnóstico tardio
A falta de testes é outra das razões apontadas para o elevado número de mortes entre crianças no Brasil. Fátima Marinho explica que, nas crianças, muitas vezes o diagnóstico de infeção por Covid-19 chega tarde, quando já estão gravemente doentes.

Temos um problema sério na deteção de casos. Não temos testes suficientes para a população em geral, menos ainda para as crianças. Como há um atraso no diagnóstico, há um atraso no atendimento às crianças”, explica a epidemiologista à BBC.

O atraso no diagnóstico não ocorre apenas devido à fraca capacidade de testagem, mas porque a infeção por Covid-19 nas crianças é mais fácil de passar despercebida. Os sintomas tendem a ser diferentes dos reportados nos adultos, sendo inicialmente mais ligeiros e menos graves.

As crianças apresentam mais frequentemente diarreia, dor abdominal e dor no peito do que os sintomas mais comuns de Covid-19 (dor de cabeça, tosse e febre). “Como há um atraso no diagnóstico, quando uma criança chega ao hospital está já em estado grave e pode levar a complicações ou mesmo acabar por morrer”, afirma Marinho.

Foi o caso de Lucas, o bebé de um ano que acabou por morrer por complicações da Covid-19 por diagnóstico tardio.

Jessika Ricarte, mãe de Lucas, explica à BBC que as primeiras suspeitas surgiram depois de Lucas ter perdido o apetite. Jessika levou o bebé ao hospital e pediu que este fosse testado à Covid-19, mas o médico considerou que não era necessário. “Não se preocupe. Não há necessidade de um teste à Covid-19. Provavelmente é apenas uma pequena dor de garganta”, disse o médico, sublinhando que Lucas não apresentava febre.

Um mês depois, a condição de saúde de Lucas piorou e regressou ao hospital, onde acabou por fazer um teste de diagnóstico e testou positivo à Covid-19. Na altura, o estado de saúde de Lucas estava já muito debilitado e o bebé de um ano foi internado nos cuidados intensivos da pediatria, onde acabou por falecer.

Jessika acredita que se o seu filho tivesse sido testado logo no início, Lucas teria sobrevivido. “O Lucas tinha várias inflamações. 70 por cento do pulmão estava afetado e o coração tinha aumentado em 40 por cento. Era uma situação que podia ter sido evitada”, lamenta Jessika.

“É importante que os médicos, mesmo que acreditem que não seja Covid-19, façam o teste para eliminar a possibilidade”, acrescenta Jessika. “Um bebé não diz o que está a sentir, por isso dependemos de testes”, explica.
Pobreza e o acesso a cuidados de saúde
Um estudo realizado por pediatras brasileiros da escola de medicina de São Paulo analisou mais de cinco mil pacientes com Covid-19 com menos de 20 anos e concluiu que as comorbidades e vulnerabilidades socioeconómicas são considerados também fatores de risco que contribuem para piores números de Covid-19 em crianças.

Os mais vulneráveis são as crianças negras e as de famílias muito pobres, porque têm mais dificuldade em obter ajuda. Estas são as crianças com maior risco de morte”, afirma a epidemiologista Fátima Marinho, explicando que as condições de habitação, onde a sobrelotação impede o distanciamento social, e a dificuldade de acesso das comunidades mais pobres às unidades de cuidados intensivos contribuem para este excesso de mortalidade.

Para além disso, as crianças mais pobres correm também o risco de desnutrição, o que é "péssimo para a resposta imunitária", diz Marinho.

A Universidade John Hopkins alerta que os pais devem procurar ajuda médica quando as crianças infetadas com Covid-19 apresentarem os seguintes sintomas: dificuldades em respirar, dificuldades em ingerir líquidos, sentimento de confusão, cansaço e sonolência e lábios azulados.
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