Brexit de May sujeito a “voto significativo” dos deputados britânicos

por RTP
António Antunes - RTP

O parlamento britânico vota esta terça-feira o acordo de saída que May negociou com a União Europeia. O chamado “voto significativo” parece ser a crónica de um chumbo anunciado, apesar da dramatização de última hora da primeira-ministra, que pediu esta segunda-feira um “segundo olhar sobre o documento”.

Depois de cinco dias de debate, hoje é o dia decisivo da votação dos deputados britânicos sobre o acordo de 585 páginas que Theresa May discutiu com a União Europeia para a saída da União Europeia a 29 de março, daqui a apenas 73 dias.

Os deputados vão começar perto das 12h00 horas o quinto e último dia de debate. Às 19h00 está prevista uma declaração da chefe do Governo. Depois desta intervenção, os parlamentares vão votar primeiro as alterações ao documento apresentadas pelos diferentes deputados e grupos políticos e só depois vão deliberar sobre o texto negociado com Bruxelas. Espera-se que isso aconteça por volta das 21h00, na melhor das hipóteses. Até segunda-feira, eram 12 as emendas aceites pelo presidente da Câmara dos Comuns.No último século, apenas por três vezes houve governos derrotados por uma margem superior a 100 votos, em 1924, num governo de minoria trabalhista.

As perspetivas de Theresa May conseguir luz verde para o “seu” Brexit são escassas.

O Guardian fala de um “derrota esmagadora”. Os números evidenciam isso mesmo. Os analistas do jornal apontam para uma derrota por uma margem significativa, de mais de 200 deputados contra a primeira-ministra. De acordo com a BBC, cerca de uma centena de representantes dos Conservadores no parlamento e outros dez do Partido Unionista podem juntar-se aos trabalhistas e partidos da oposição no voto contra. São necessários 318 votos para fazer aprovar o acordo.

Mais de 300 deputados dos partidos da oposição deverão votar contra, em particular do Partido Trabalhista, dos Liberais Democratas e do Partido Nacionalista Escocês.

A aprovação do documento no Parlamento levaria a uma ratificação pelo Parlamento Europeu e a introdução no parlamento britânico da legislação para a implementação do acordo, que prevê uma saída ordenada da UE e um período de transição até ao final de 2020, durante o qual serão negociadas as futuras relações entre as duas partes.

Se for chumbado, como se prevê, Theresa May tem até segunda-feira, dia 21 de janeiro, para voltar ao parlamento para apresentar um “plano B”, indicando os próximos passos, que podem incluir um regresso a Bruxelas para conseguir mais concessões para reapresentar aos deputados.

Embora a saída sem acordo seja a opção por defeito, por a data estar escrita na lei, nos últimos dias a imprensa britânica deu conta da possibilidade de a data do ‘Brexit ser suprimida ou adiada ou de um grupo de parlamentares transversal aos diferentes partidos tentar ganhar o controlo do processo para determinar o seu curso. Um novo referendo está dentro das equações possíveis.

António Antunes - RTP

A especulação aumenta sobre o curso que Theresa May vai seguir no rescaldo do previsto chumbo. Apesar de a primeira-ministra já ter dito que não é opção, ela poderá, de facto, ser empurrada para pedir à União Europeia uma extensão ao artigo 50, aquele que aciona a saída do Reino Unido.

“Nós vamos sair no dia 29 de março. Fui clara que não acredito que seja necessário estender o artigo 50 e não acredito que devamos ter um segundo referendo”, argumentou May esta segunda-feira no parlamento.

Ainda ontem à noite, a primeira-ministra reuniu-se com os membros do seu partido, mas não terá avançado com quaisquer pistas sobre qual o “Plano B” que tem em mente. Apelou ao seu partido para a apoiar na votação para garantir uma saída ordeira e para manter os trabalhistas longe do Nº10, Downing Street.

Ao mesmo tempo, crescem as preocupações sobre um tempo que escasseia para pôr em prática a complexa legislação necessária quer para a implementação do acordo, quer para preparar a saída sem acordo.
“Um segundo olhar”
Ontem mesmo, Theresa May esteve na Câmara dos Comuns, onde apelou aos deputados para que voltem a analisar o articulado do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia. O principal foco do discurso da primeira-ministra britânica foi o backstop, mecanismo de salvaguarda para a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, que garantiu ser um “último recurso”.

“Gostaria de começar por atualizar a Câmara dos Comuns acerca das garantias e clarificações que recebemos da União Europeia sobre o protocolo da Irlanda do Norte”, declarou May. “Eu partilho as preocupações dos membros que querem garantir que, ao sair da UE, não enfraquecemos o Reino Unido”.

Relembrando o que foi escrito por Jean-Claude Juncker e Donald Tusk numa carta que recebeu esta segunda-feira, a primeira-ministra defendeu que o mecanismo de salvaguarda, conhecido por backstop, é absolutamente necessário e que sem ele não haverá acordo.

“O Reino Unido nunca permitirá o regresso de uma fronteira rígida (…) Falhar nesse ponto colocaria as empresas da Irlanda numa posição impossível, pois teriam de optar entre quebrar a lei ou adotar novos procedimentos que perturbariam as suas redes de fornecimento. É por isso que temos o backstop como último recurso”.

“Farei os possíveis para que o backstop não seja necessário e para garantir que, no caso de ser utilizado, será temporariamente”, voltou a frisar. “Voltei a Bruxelas para debater e refletir sobre as preocupações desta Câmara (…) e a União Europeia mostrou-se determinada a trabalhar rapidamente para que, até 31 de dezembro de 2020, sejam estabelecidas alternativas de modo a que o backstop não precise de ser ativado”.

A primeira-ministra garantiu também que, num cenário de Brexit sem acordo, o Reino Unido não teria um período de implementação e os negócios e trabalhadores do país ficariam “sem certezas”.

Por essa razão, May pediu aos deputados que “olhem pela segunda vez” para o acordo. “Se esta Câmara bloquear o Brexit, essa será uma subversão da nossa democracia e estaremos a dizer às pessoas que nos elegeram que fomos incapazes de fazer aquilo que nos pediram”, afirmou.

“Não, [o acordo] não é perfeito, e sim, é um compromisso, mas quando escreverem os livros de História”, lançou May, sendo interrompida por instantes pelas gargalhadas dos deputados, “as pessoas irão olhar para a decisão desta Câmara e perguntar se cumprimos com o voto do país para sair da União Europeia, se salvaguardámos a nossa economia e segurança ou se falhámos para com o povo britânico”.

António Antunes - RTP

O discurso da primeira-ministra parece não ter surtido os efeitos desejados, de acordo com a imprensa britânica. Fontes dos trabalhistas, citadas pelo The Guardian, afiançam que a não ser que haja enorme e inesperadas concessões de May, o cenário provável será o de uma moção de não confiança, apesar de os analistas referirem que, neste ponto, os trabalhistas não serão apoiados por conservadores, deitando por terra o efeito desejado.

Ontem, no debate, Corbyn declarou que a carta escrita pelo Presidente da União Europeia “não fornece as garantias legais que foram prometidas” à Câmara dos Comuns e defendeu que, “até ao final de 2020, o Reino Unido terá de optar entre alargar o período de transição, o que possui custos financeiros ainda desconhecidos, ou cair no backstop”.

“O único responsável por prejudicar a fé no nosso Governo é o próprio Governo”, firmou o líder da oposição entre gritos de apoio dos deputados. “Não consigo pensar num melhor exemplo de democracia em ação do que o facto de esta Câmara rejeitar um acordo que é claramente mau para o país”.

Corbyn acusou a primeira-ministra de estar a tentar “culpar outros pelo caos” atual e garantiu que a eventual rejeição do acordo na terça-feira será “inteiramente culpa do Governo”, acrescentando que esse cenário significará que “é altura para eleições gerais, é altura para um novo Governo”.

“Foi-nos prometido o acordo de comércio mais fácil da História. No entanto, o que vimos foi um Governo dividido a entregar um acordo fracassado que consiste em nada mais que um vago esboço sobre qual será a nossa futura relação com a União Europeia. Entretanto, as condições de milhões de pessoas deste país continuam a piorar”, concluiu.

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