Excetuando a cooperação securitária, tudo - das trocas de mercadorias e serviços à mobilidade das pessoas - está em cima da mesa.
Portugal mantém-se membro da União Europeia, mas tem também relações de sete séculos com o Reino Unido. A aliança entre os dois países data de 1373.
Que futuro se abre bilateralmente neste novo cenário? Cinco grandes questões podem ser desde logo colocadas. Falámos sobre elas com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.Oportunidade económica para Portugal
O que planeia fazer Portugal para atrair os negócios e empresários
britânicos que pretendam manter-se no mercado único europeu?
Lisboa está a tentar ficar com a Agência Europeia do Medicamento, atualmente sediada em Londres.
Não pensa ficar por aqui. A
prioridade é identificar empresas ou setores essenciais interessantes para Portugal,
diz a secretária de Estado dos Assuntos Europeus.
António Costa anunciou na semana passada a criação de uma unidade de missão para captar empresas "pós-Brexit". "Portugal pode ser uma excelente plataforma para empresas que estão instaladas na União Europeia e que não têm vontade de sair. Por isso, iremos criar uma unidade de missão com o objetivo específico de termos um quadro atrativo para a localização em Portugal de empresas que desejem manter-se na União Europeia e que, por força da legítima decisão dos cidadãos britânicos, não queiram ficar fora da União Europeia", declarou o primeiro-ministro.
"Bombons" para atrair as empresas
Portugal não antevê para já ter de adaptar legislação para acomodar os interesses de empresas, ao contrário do que já estão a fazer a França e a Alemanha.
"Nós não podemos oferecer às empresas que estão no Reino Unido condições diferentes das que oferecemos às empresas de outros países que integram o mercado único europeu", sustenta Margarida Marques.
Então, o que está o Governo a fazer?
O Reino Unido é o quarto destino das exportações portuguesas e Portugal ganha na balança comercial entre os dois países. E entre as filiais estrangeiras em Portugal o peso do Reino Unido tem estado a diminuir.
De acordo com o INE, entre os cinco países mais importantes no índice do Valor Acrescentado Bruto entre 2010 e 2015, apenas os Estados Unidos não eram do continente europeu.
O país de origem do controlo de capital com maior peso em termos de número de filiais foi Espanha com 24,3 por cento (uma diminuição de 1,2 ponto percentual face a 2014). Já em termos de VAB, o país predominante foi a França, com mais de 4,5 mil milhões de euros (25,2 por cento), ultrapassando a Espanha que era líder em 2010.
Em 2015, mais de 80,5 por cento do número e 79,0 por cento do VAB gerado pelas filiais estrangeiras corresponderam a filais de empresas do continente europeu, seguindo-se o continente americano, com 14,2 por cento das filiais e 15,7 por cento do VAB.
Nestas contas o Reino Unido tem descido lugares sucessivos. Entre 2010 e 2015 apresentou uma diminuição média de 4,9 por cento.
O próprio Reino Unido reconhecia em 2014 os fatores de atração de Portugal para as empresas britânicas - muito antes de imaginar que o Brexit iria vencer.
- Língua inglesa falada correntemente e aceite como linguagem empresarial;
- A mesma hora do Reino Unido;
- Voos baratos para Lisboa, Porto, Faro e Funchal;
- 25 por cento dos turistas que visitam Portugal vêm do Reino Unido;
- Forte em Novas Tecnologias.
Como pontos fortes do mercado português relativamente ao Reino Unido o Foreign Office destacava:
- Dos mais baixos custos operacionais na Europa ocidental;
- Facilidade de acesso a localizações e instalações competitivas;
- Investimentos tecnológicos relevantes através de centros em universidades, especialmente em Saúde e em Tecnologia de Informação e Comunicação (ICT).
Para o Reino Unido, Portugal significava também a porta de acesso a um mercado mundial de 250 milhões de pessoas devido aos seus laços com as antigas colónias, conhecidas como mercados lusófonos. A língua portuguesa é uma das mais faladas no mundo e a mais falada no hemisfério sul, lembrava.
Nem tudo eram rosas.
O Reino Unido alertava há três anos os seus empresários para os riscos de investir em Portugal: apesar de reformas, referia, "o sistema legal português é moroso e complexo", e todos os produtos e embalagens "têm de obedecer a critérios europeus".
O imposto pago pelas empresas, avisava, "é oficialmente de 25 por cento mas efetivamente oscila entre os 29,5 por cento e os 31,5 por cento".
O Brexit e a balança comercial
Em 2015, depois das máquinas e aparelhos, os produtos alimentares surgiam em quinto lugar na tabela das exportações no valor de 220 milhões de euros para o Reino Unido. O saldo foi favorável a Portugal em 1.466 milhões de euros.
O Brexit vai mudar isto tudo. Irão reaparecer taxas aduaneiras e a documentação necessária para viajar ou comercializar, também deverá sofrer alterações.
Pormenores que deverão ficar acertados no seio das negociações com a União Europeia, diz Margarida Marques.
E quanto poderá custar a Portugal?
"Nós não pretendemos penalizar os britânicos pela sua saída. Nós pretendemos ter uma relação económica e política sã e normal com o Reino Unido no futuro", assegura a secretária de Estado.Emigrante e imigrantes
Uma das maiores incógnitas é a questão da mobilidade dos cidadãos. Ou seja, o que vai suceder aos europeus que trabalham e habitam no Reino Unido. E aos britânicos presentes nos Estados europeus.
Nos últimos anos, emigraram mais de 30 mil portugueses por ano para terras de Sua Majestade.
A possibilidade de expulsão "não está em cima da mesa, aliás a comunidade portuguesa é muito bem aceite no Reino Unido".
Em Portugal vivem ou trabalham cerca de 80 mil britânicos. E em 2016, pela primeira vez na última década, houve mais de uma centena de britânicos a pedirem a nacionalidade portuguesa.
Fruto da incerteza? E que papel irá desempenhar a ameaça terrorista nas negociações?
O Governo acredita que a questão está bem entregue à União Europeia, mas como vai garantir a situação dos cidadãos emigrados?
Quanto aos cidadãos britânicos, também poderão ficar sossegados. De acordo com as circunstâncias que forem negociadas.
Depois do Brexit, a mobilidade dos cidadãos ficará a cargo da União Europeia. Será ela a conduzir todo o processo e determinar toda a estratégia.
Portugal não vai, de resto, apresentar propostas nessa matéria - não há propostas dos países, vai haver uma estratégia europeia para conseguir o melhor acordo para os cidadãos europeus.
E quanto à comunidade portuguesa, esta é vista, no Reino Unido, como altamente qualificada.
Questão de Segurança
A cooperação securitária é a única que não deverá ficar em risco com o Brexit, já que o combate ao terrorismo é uma pioridade global.
"Esperamos não ter de renegociar nada com o Reino Unido do ponto de vista bilateral. Entendemos que a negociação tem de se fazer com a União Europeia", conclui Margarida Marques.
Kirsty Hayes, embaixadora do Reino Unido em Portugal, referiu em entrevista à Antena1 na semana passada que "precisamos de encontrar uma nova medida para trabalhar". E revela com o que os britânicos em Portugal estão preocupados. Por exemplo, com o acesso aos cuidados de Saúde.