O projeto de entendimento entre Londres e Bruxelas está cada vez mais próximo, com a Europa a ceder a reivindicações britânicas cruciais. David Cameron considera que foram alcançados “progressos substanciais” mas que há ainda muito trabalho a fazer. Este acordo espera confirmação oficial na próxima Cimeira Europeia, ainda em fevereiro. O referendo britânico à permanência na União Europeia acontece nos próximos meses.
Em geral, as cedências concedidas dispensam o país de participar em projetos de maior integração europeia, conferem maior soberania e poder de contestação britânica em Bruxelas e sugerem um “travão” na atribuição de benefícios e apoios sociais a migrantes.
“Estarmos ou não estarmos juntos….Eis a questão”, anunciava o presidente do Conselho Europeu numa mensagem na sua conta na rede social Twitter, com uma referência à missiva tendo em vista um entendimento entre o Reino Unido e as entidades europeias.
A carta com as propostas de Donald Tusk responde aos anseios dos britânicos mas é dirigida a todos membros do Conselho Europeu. Logo no início do texto, o responsável europeu garante: "A linha que eu não cruzei, porém, foram os princípios sobre os quais o projeto europeu foi fundado".To be, or not to be together, that is the question... My proposal for a new settlement for #UKinEU https://t.co/w4VSmnbahQ
— Donald Tusk (@eucopresident) February 2, 2016
Suspender apoios sociais só após o referendo
O responsável europeu propõe um novo mecanismo para que os países europeus que não pertencem à moeda única possam ter uma palavra a dizer nas decisões tomadas pelos países do euro.
Avisa, no entanto, que a possibilidade de uma maior participação e proteção não constitui de nenhuma forma “um poder de veto” ou o adiamento de decisões cruciais no seio dos 19 países com a moeda única.
Donald Tusk admite que este processo de negociação é “difícil” e ainda haverá desafios a ultrapassar entre as duas partes envolvidas, sobretudo nas propostas para conter a imigração, que na opinião do dirigente europeu “vão muito longe”.
A carta propõe ainda a criação de um "travão", a ser usado em situações de urgência como a deslocação de imigrantes entre países da União Europeia, o que o dirigente polaco designa como "um maior combate aos abusos na livre-circulação de pessoas".
Esse travão pressupõe também a suspensão do pagamento de subsídios e apoios sociais aos imigrantes durante quatro anos, excluíndo todos aqueles que já se encontram atualmente no país. Medidas que poderão ser adoptadas imediatamente após o referendo e que pressupõem a aprovação dos restantes estados-membros, bem como a atribuição "gradual" de fundos aos migrantes que acabem por ficar mais tempo no país.
No plano da soberania europeia, prevê-se a criação de um novo poder concedido aos parlamentos nacionais, no sentido de conseguirem impedir o avanço projetos de legislação. Para isso, é necessário que pelo menos 55 por cento dos Estados-membros aprovem essa decisão a nível interno.
Reação comedida mas otimista
A reação de Londres não se fez esperar. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, reconheceu no Twitter o alcance de "verdadeiros progressos" nas áreas em discussão, mas que ainda "há mais trabalho a fazer".
Em declarações aos jornalistas, Cameron prometeu ainda hoje a realização do referendo "dentro de alguns meses", caso os restantes países aprovem as medidas propostas por Donald Tusk.Draft EU renegotiation document shows real progress in all four areas where UK needs change but there's more work to do.
— David Cameron (@David_Cameron) February 2, 2016
Ainda assim, o primeiro-ministro destaca que a proposta europeia apresentada esta terça-feira é "um acordo pelo qual vale a pena lutar". Quais são as exigências de Londres?
Em novembro do ano passado, o primeiro-ministro britânico endereçou uma carta a Donald Tusk (“Uma Nova Solução para o Reino Unido numa União Europeia reformada”), onde deixava claras as exigências do Reino Unido em quatro diferentes pilares: maior soberania e poder de decisão em relação a Bruxelas, a limitação em matéria de integração europeia, nomeadamente no que diz respeito à integração económica e financeira, e ainda a imposição de novas restrições no acolhimento de migrantes e refugiados no espaço europeu.
David Cameron apelava então à adoção de "medidas substanciais" propostas por Londres que o ajudem a persuadir o Parlamento e os cidadãos britânicos a favor da permanência do país na União Europeia no referendo. O governante britânico prometia defender o "sim" à Europa na consulta popular, caso as condições apresentadas fossem consideradas pelos líderes do bloco europeu.
Nessa altura, Donald Tusk mostrava alguma apreensão e resistência a algumas das condições que acabou por acarretar. "Todas as conversações que mantive com David Cameron mostram a boa vontade de todas as partes envolvidas, mas isso não muda o facto de certas partes das propostas parecerem inaceitáveis", referiu o presidente do Conselho Europeu na Cimeira Europeia de dezembro.
Entre as várias condições exigidas quanto à soberania económica e política de cada país, estava a polémica proposta de bloquear os apoios sociais dos Estados europeus a imigrantes nos primeiros quatro anos de estadia no país.
O Reino Unido exige o fim da discriminação bancária e financeira de países que não aderiram ao euro, o aprofundamento do mercado único, a garantia de soberania e recuperação de poderes pelos parlamentos nacionais e ainda as limitações dos apoios sociais e outras regalias a migrantes e refugiados.
Contestação europeia
Alguns líderes europeus já vieram considerar a proposta de travar os apoios do Estado britânico aos imigrantes como uma medida que desrespeita os princípios comunitários, ao promover a discriminação e limitar a livre-circulação de pessoas.
O Reino Unido não pertence ao espaço Schengen, mas quer travar o número de migrantes europeus que chegam ao país todos os anos. No total, o país com 64 milhões de habitantes recebe em média cerca de 300 mil imigrantes por ano.
Esta proposta é sobretudo contestada pelo grupo Visegrad (Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa), países da Europa de Leste e Central que veem a livre-circulação de pessoas como a pedra angular dos valores europeus. Alguns líderes já garantiram a rejeição de qualquer exigência britânica nesse sentido.
A chanceler alemã Angela Merkel, uma das principais vozes a defender o acolhimento de refugiados e migrantes, pretende uma "discussão aberta" entre os representantes de todos os países, mas não quer limitadas as "liberdades básicas" dos cidadãos europeus. No mesmo sentido, François Hollande já referiu que "não é aceitável rever os alicerces dos compromissos europeus".
No Reino Unido, os partidos mais eurocéticos já manifestaram desagrado com estas propostas, que consideraram "triviais e irrelevantes" e não constituem um avanço significativo quanto às exigências listadas por Londres.
A discussão e negociação das condições britânicas para a permanência no bloco europeu prosseguem nos dias 18 de 19 de fevereiro, na primeira conferência de líderes em 2016.