Bruxelas cede a Londres para evitar `Brexit`

por Andreia Martins - RTP
A conferência de líderes europeus acontece a 18 e 19 de fevereiro, onde deverá ser discutida a contra-proposta de Bruxelas às exigências de Londres. Toby Melville - Reuters

O projeto de entendimento entre Londres e Bruxelas está cada vez mais próximo, com a Europa a ceder a reivindicações britânicas cruciais. David Cameron considera que foram alcançados “progressos substanciais” mas que há ainda muito trabalho a fazer. Este acordo espera confirmação oficial na próxima Cimeira Europeia, ainda em fevereiro. O referendo britânico à permanência na União Europeia acontece nos próximos meses.

A União Europeia quer travar no imediato qualquer possibilidade de um Brexit e está disposta a capitular em quase todos os campos. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, apresentou esta terça-feira um plano que concede um tratamento especial a Londres em troca da permanência do Reino Unido na comunidade europeia.

Em geral, as cedências concedidas dispensam o país de participar em projetos de maior integração europeia, conferem maior soberania e poder de contestação britânica em Bruxelas e sugerem um “travão” na atribuição de benefícios e apoios sociais a migrantes.

“Estarmos ou não estarmos juntos….Eis a questão”, anunciava o presidente do Conselho Europeu numa mensagem na sua conta na rede social Twitter, com uma referência à missiva tendo em vista um entendimento entre o Reino Unido e as entidades europeias.
A carta com as propostas de Donald Tusk responde aos anseios dos britânicos mas é dirigida a todos membros do Conselho Europeu. Logo no início do texto, o responsável europeu garante: "A linha que eu não cruzei, porém, foram os princípios sobre os quais o projeto europeu foi fundado".
Suspender apoios sociais só após o referendo
O responsável europeu propõe um novo mecanismo para que os países europeus que não pertencem à moeda única possam ter uma palavra a dizer nas decisões tomadas pelos países do euro.

Avisa, no entanto, que a possibilidade de uma maior participação e proteção não constitui de nenhuma forma “um poder de veto” ou o adiamento de decisões cruciais no seio dos 19 países com a moeda única.

Donald Tusk admite que este processo de negociação é “difícil” e ainda haverá desafios a ultrapassar entre as duas partes envolvidas, sobretudo nas propostas para conter a imigração, que na opinião do dirigente europeu “vão muito longe”.

A carta propõe ainda a criação de um "travão", a ser usado em situações de urgência como a deslocação de imigrantes entre países da União Europeia, o que o dirigente polaco designa como "um maior combate aos abusos na livre-circulação de pessoas".

Esse travão pressupõe também a suspensão do pagamento de subsídios e apoios sociais aos imigrantes durante quatro anos, excluíndo todos aqueles que já se encontram atualmente no país. Medidas que poderão ser adoptadas imediatamente após o referendo e que pressupõem a aprovação dos restantes estados-membros, bem como a atribuição "gradual" de fundos aos migrantes que acabem por ficar mais tempo no país.

No plano da soberania europeia, prevê-se a criação de um novo poder concedido aos parlamentos nacionais, no sentido de conseguirem impedir o avanço projetos de legislação. Para isso, é necessário que pelo menos 55 por cento dos Estados-membros aprovem essa decisão a nível interno.
Reação comedida mas otimista
A reação de Londres não se fez esperar. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, reconheceu no Twitter o alcance de "verdadeiros progressos" nas áreas em discussão, mas que ainda "há mais trabalho a fazer".

Em declarações aos jornalistas, Cameron prometeu ainda hoje a realização do referendo "dentro de alguns meses", caso os restantes países aprovem as medidas propostas por Donald Tusk.

Ainda assim, o primeiro-ministro destaca que a proposta europeia apresentada esta terça-feira é "um acordo pelo qual vale a pena lutar".  Quais são as exigências de Londres?
Em novembro do ano passado, o primeiro-ministro britânico endereçou uma carta a Donald Tusk (“Uma Nova Solução para o Reino Unido numa União Europeia reformada”), onde deixava claras as exigências do Reino Unido em quatro diferentes pilares: maior soberania e poder de decisão em relação a Bruxelas, a limitação em matéria de integração europeia, nomeadamente no que diz respeito à integração económica e financeira, e ainda a imposição de novas restrições no acolhimento de migrantes e refugiados no espaço europeu.

David Cameron apelava então à adoção de "medidas substanciais" propostas por Londres que o ajudem a persuadir o Parlamento e os cidadãos britânicos a favor da permanência do país na União Europeia no referendo. O governante britânico prometia defender o "sim" à Europa na consulta popular, caso as condições apresentadas fossem consideradas pelos líderes do bloco europeu.

Nessa altura, Donald Tusk mostrava alguma apreensão e resistência a algumas das condições que acabou por acarretar. "Todas as conversações que mantive com David Cameron mostram a boa vontade de todas as partes envolvidas, mas isso não muda o facto de certas partes das propostas parecerem inaceitáveis", referiu o presidente do Conselho Europeu na Cimeira Europeia de dezembro.

Entre as várias condições exigidas quanto à soberania económica e política de cada país, estava a polémica proposta de bloquear os apoios sociais dos Estados europeus a imigrantes nos primeiros quatro anos de estadia no país.

O Reino Unido exige o fim da discriminação bancária e financeira de países que não aderiram ao euro, o aprofundamento do mercado único, a garantia de soberania e recuperação de poderes pelos parlamentos nacionais e ainda as limitações dos apoios sociais e outras regalias a migrantes e refugiados.
Contestação europeia
Alguns líderes europeus já vieram considerar a proposta de travar os apoios do Estado britânico aos imigrantes como uma medida que desrespeita os princípios comunitários, ao promover a discriminação e limitar a livre-circulação de pessoas.
  O Reino Unido não pertence ao espaço Schengen, mas quer travar o número de migrantes europeus que chegam ao país todos os anos. No total, o país com 64 milhões de habitantes recebe em média cerca de 300 mil imigrantes por ano.
Esta proposta é sobretudo contestada pelo grupo Visegrad (Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa), países da Europa de Leste e Central que veem a livre-circulação de pessoas como a pedra angular dos valores europeus. Alguns líderes já garantiram a rejeição de qualquer exigência britânica nesse sentido.

A chanceler alemã Angela Merkel, uma das principais vozes a defender o acolhimento de refugiados e migrantes, pretende uma "discussão aberta" entre os representantes de todos os países, mas não quer limitadas as "liberdades básicas" dos cidadãos europeus. No mesmo sentido, François Hollande já referiu que "não é aceitável rever os alicerces dos compromissos europeus".

No Reino Unido, os partidos mais eurocéticos já manifestaram desagrado com estas propostas, que consideraram "triviais e irrelevantes" e não constituem um avanço significativo quanto às exigências listadas por Londres.

A discussão e negociação das condições britânicas para a permanência no bloco europeu prosseguem nos dias 18 de 19 de fevereiro, na primeira conferência de líderes em 2016.
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