Campeã de xadrez expulsa da federação iraniana por competir sem véu

por RTP
A jovem iraniana grande mestre em xadrez, Dora Derakhshani, em competição - sem véu - em Gibraltar em janeior de 2017. David Llada - Twitter

Dorsa Derakhshani é uma iraniana de 18 anos que obteve o ano passado os títulos de mestre internacional e de grande mestre em xadrez. Raramente comete erros no tabuleiro. Mas cometeu um, fatal, para a Federação Iraniana de Xadrez: não usou o hijab - o véu islâmico - quando participou como jogadora independente no 2017 Tradewise Gibraltar Chess Festival, em janeiro passado.

Mehrdad Pahlevanzadeh, o presidente da federação iraniana da modalidade, não teve uma crítica à forma como Derakhshani jogou. Mas também não teve dúvidas em expulsá-la da equipa iraniana, proibindo-a de participar em torneios em defesa do seu país, por ela não ter respeitado a regra, obrigatória no Irão, de usar um véu a cobrir a cabeça.

"Infelizmente, o que não devia ter acontecido, aconteceu", disse Pahlevanzadeh à agência iraniana semi-oficial Fars News na segunda-feira. "Os nossos interesses nacionais têm prioridade sobre tudo o mais".

O irmão de Dora, Borna, de 15 anos, foi igualmente expulso da equipa porque, no mesmo torneio, aceitou jogar contra um oponente israelita, país não reconhecido pelo Irão.

"Num primeiro passo, estes dois verão negada a entrada em qualquer torneio que tenha lugar no Irão", disse Pahlevanzadeh, citado pela agência azeri Trend News. "E, em nome do Irão, não serão mais autorizados a representar a equipa nacional", rematou, prometendo que a federação iraniana irá lidar com Dora e com Borna da forma "mais severa possível".

Dorsa já jogou muitas vezes de véu. Ignora-se a razão que a terá levado desta vez a não usar o hijab.
Motivo de contestação
Nenhum dos irmãos reagiu ainda à notícia da sua expulsão na equipa nacional iraniana de xadrez. Dora mora em Barcelona, Espanha, depois de ter aceitado a proposta de ali residir durante um ano.

A imposição do uso do véu islâmico tem gerado controvérsia noutras ocasiões. O país impõe às suas cidadãs o uso do hijab e de roupas largas quando em público. Exige ainda às mulheres que visitam o país que se vistam com ‘modéstia'.

Em setembro de 2016 o Irão quis impor às jogadoras de xadrez que usassem o hijab durante o Campeonato Mundial em Teerão. Várias mulheres protestaram contra a FIDE - Federação Internacional de Xadrez - de não defender os direitos das mulheres, quando decidiu que as atletas tinham de aceitar a lei local e usar hijab.

As grandes mestres femininas arriscaram uma pena de prisão por não cumprirem a regra. A campeã norte-americana, Nazi Paikidze, boicotou o evento.

"Há quem considere o hijab parte da cultura", explicou Paikidze numa publicação da rede social Instagram, ao anunciar a sua decisão. "Mas, eu sei que muitas mulheres iranianas estão corajosamente a protestar todos os dias contra esta lei forçada e a arriscar muito ao fazê-lo. É por isso que eu não usarei um hijab apoiando a opressão das mulheres".
"Verdadeira feminista"
A expulsão de Dora Derakhshani provocou ainda a ira da ativista iraniana contra a discriminação de género, Darya Safai, que vive na Bélgica.

Safai publicou na sua página na rede social Twitter uma foto de Derakhshani ajogar em Gibraltar com o cabelo preso apenas por um cordão. A publicação surgiu sob a hashtag "hijab forçado" e provocou dezenas de reações de repúdio à atitude da federação iraniana.

Darya também denunciou o motivo de expulsão de Borna.


Já na rede Facebook Safai escreveu, "Dorsa, para mim, é a verdadeira feminista, não o Governo sueco a desfilar com um véu", numa crítica direta à delegação de ministras suecas que visitaram o Irão este mês e que usaram o hijab - apesar de muitas delas se dizerem defensoras dos direitos das mulheres.

As ministras foram severamente criticadas por quem considerou a sua obediência à lei iraniana como uma violação dos direitos das mulheres no Irão.

Em contraste, no início desta semana a candidata presidencial francesa Marine Le Pen, da Frente Nacional, recusou durante uma visita ao Líbano, usar o hijab para se reunir com o clérigo líder da comunidade muçulmana local.

Le Pen afirmou que já avisara que iria recusar usar o véu e denunciou uma tentativa de a obrigarem a fazê-lo quenado à chegada para a reunião lhe foi apresentado um pano para se cobrir. E abandonou o local, numa atitude aplaudida por muitos nas redes sociais.
Em defesa do uso do hijab
O uso do hijab tem contudo sido aceite em competições desportivas ocidentais, se for essa a vontade da atleta. Foi o caso da atiradora Ibtihaj Muhammad, que se tornou a primeira americana a ganhar no início do ano uma medalha, de bronze, na disciplina de sabre, usando um hijab sob a sua máscara de esgrima.

Muhammad competiu ao lado das atletas sem hijab como Monica Aksamit, Dagmara Wozniak e Mariel Zagunis.

"Tenho de contestar esta ideia que de alguma forma nós não pertencemos devido à nossa raça ou religião", disse a atleta, cujos pais se converteram ao Islão ainda antes dela nascer. E acrescentou, "tal como em qualquer religião, os muçulmanos têm conservadores, liberais e todas as variantes pelo meio. Pintar todos os muçulmanos com uma pincelada pode ser frustrante".
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