Capacidade de replicação do SARS-CoV-2 está a diminuir, sugere estudo italiano

por RTP
Reuters

Continuam a surgir diariamene novos casos de infeção pelo novo coronavírus. Mas o diretor dos cuidados intensivos do hospital San Raffaele, em Milão, Alberto Zangrillo, garante que o "vírus, do ponto de vista clínico, já não existe" e que o processo de disseminação mudou.

Um estudo realizado no Hospital San Raffaele, em Milão, revela que a quantidade viral em pessoas que testaram positivo à Covid-19 diminuiu significativamente, entre os meses de março e maio.

"A capacidade de replicação do vírus em maio está muito enfraquecida em comparação com a que vimos em março", explica no estudo Massimo Clementi, diretor do Laboratório de Microbiologia e Virologia de San Raffaele e professor da Universidade Vita-Salute.

Com base nestes resultados, Alberto Zangrillo garantiu, no domingo, que o "vírus, do ponto de vista clínico, já não existe", argumentando que os testes "realizados nos últimos dez dias têm uma carga viral, do ponto de vista quantitativo, infinitesimal, em comparação com as zaragatoas feitas aos pacientes há um mês".

No entanto, uma alteração da carga viral não significa necessariamente uma mutação do agente patogénico, esclarece Zangrillo ao jornal italiano Corriere della Sera.

"Podemos dizer, com base nos resultados da investigação e no que vemos no hospital, que a manifestação clínica mudou, talvez também graças às condições ambientais mais favoráveis. Agora estamos a ver uma doença diferente da que vimos em pacientes de março a abril", esclarece o estudo.

Zangrillo acrescenta que, em termos práticos, também se verifica esta mudança clínica do novo coronavírus: no hospital San Raffaele há menos casos de Covid-19 tanto nos cuidados intensivos como nas enfermarias e mesmo os "poucos pacientes" que deram entrada apresentavam todos "sintomas leves".

As conclusões do estudo de Massimo Clementi, citado por Zangrillo, basearam-se na análise de testes de 200 pacientes positivos e os resultados foram claros: "uma diferença extremamente significativa entre a carga viral dos pacientes internados em março e os internados em maio".
"O interesse é sobreviver dentro do corpo"

Embora o estudo prove que o novo coronavírus já se replica menos no corpo humano, os especialistas não sabem a razão desse fenómeno.

"Podemos dizer que o Sars-CoV-2 se replica menos hoje, mas não temos certeza sobre a origem do fenómeno. Uma hipótese é que é uma coadaptação ao hospedeiro, como normalmente acontece quando um vírus atinge seres humanos. O interesse do microrganismo é sobreviver dentro do corpo e espalhar-se para outras pessoas: objetivos inatingíveis se o paciente morrer com a infeção".

Fala-se do risco de uma segunda vaga da pandemia da Covid-19, mas estudos como estes podem pôr em causa essa hipótese.

"Ninguém sabe ao certo se haverá uma nova onda de infeções. Também temíamos no caso da SARS, mas não ocorreu e, de facto, o vírus desapareceu", explica no estudo Massimo Clementi.

"Quanto ao SARS-CoV-2, pode haver surtos locais e a forma como vamos reagir isolando esses casos será crucial - identificar contactos e confiar os pacientes à saúde local para deixar os hospitais apenas para os casos graves", sugere.
Mensagem gera controvérsia

No programa televisivo "Meia Hora a Mais", da RAI, emitido no domingo, Alberto Zangrillo afirmou que, clinicamente falando, a Covid-19 "já não existe".

Os números de infetados e de óbitos devido à infeção continuam a diminuir na Itália. No domingo registaram-se 75 mortos e 335 novos casos da doença, uma diminuição face aos dados divulgados no sábado - 111 óbitos e 416 novos casos.

Ainda assim, as palavras de Zangrillo geraram controvérsia e para alguns foram "enganadoras".

"Hoje é dia 31 de maio e há cerca de um mês ouvimos epidemiologistas dizerem que teríamos uma nova onda no final de mês ou no início de junho e quem sabe quantos locais de terapia intensiva haveria. Na realidade, o vírus praticamente já não existe do ponto de vista clínico", afirmou o diretor dos cuidados intensivos do hospital San Raffaele, em Milão.

"Isto diz a Universidade de Saúde e Vida de San Raffaele; diz um estudo feito pelo virologista e diretor do Instituto de Virologia, o Professor Clementi; assim como diz a Universidade Emory de Atlanta e o Professor Silvestri", acrescentou.

Lucia Annunziata, a jornalista que conduz o programa, interrompeu o especialista dizendo que aquela era uma "mensagem muito forte".

Mas Zangrillo continuou: "Há três meses toda a gente nos mostra uma série de números que têm zero evidência e valor zero".

Para o médico o objetivo é preparar as pessoas e não "aterrorizar" com números sem evidências, até porque, como salienta, as duas epidemias anteriores, MERS e a SARS, "desapareceram".
"O vírus ainda está a circular"

O pneumologista Luca Richeldi, membro do Comité Técnico e Científico de Itália, discorda.

"O vírus ainda está a circular e é errado dar mensagens enganosas que não apelam à cautela. É indubitavelmente verdadeiro e tranquilizador que a pressão sobre os hospitais tenha diminuído drasticamente nas últimas semanas. No entanto, não deve ser esquecido que este é o resultado de medidas igualmente drásticas para conter a circulação do vírus adotada no nosso país".

"Além disso, é bom lembrar que a circulação viral é um processo dinâmico e a gradualidade e a cautela na retoma das atividades económicas e sociais devem permanecer como prioridade", acrescentou.

Na mesma linha, o diretor do Instituto Nacional Spallanzani de Doenças Infecciosas em Roma, Giuseppe Ippolito, afirmou que "não há provas ou estudos científicos publicados que mostrem que o novo coronavírus mudou". 

"Felizmente na Itália, neste momento, temos menos casos graves e isso mostra que as medidas de contenção adotadas deram frutos".

Para uns o vírus está a "enfraquecer", para outros as medidas de contenção são a causa da diminuição constante do número de casos. Mas para o presidente do Conselho Superior de Saúde italiano, Franco Locatelli, o número de novos casos diários de infeção pelo SARS-CoV-2 "demonstra a circulação ainda persistente do novo coronavírus em Itália".
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