Cartas a Bruxelas. Boris Johnson contrariado pede adiamento do Brexit

por Carlos Santos Neves - RTP
"Não vou negociar um adiamento, nem a lei me obriga a fazê-lo. Mais um adiamento seria mau para este país ou para a União Europeia e mau para a democracia", afirmava Boris Johnson na tarde de sábado Jessica Taylor - Parlamento do Reino Unido/ Reuters

Horas depois de ter afiançado, no Parlamento de Londres, que não aceitaria "negociar" novo adiamento da saída do Reino Unido da União Europeia, o primeiro-ministro britânico remeteu a Bruxelas uma carta – não assinada – a pedir que a data seja prolongada para lá de 31 de outubro. Em seguida, enviou outros dois textos: numa segunda missiva insiste que não quer a extensão do Brexit; uma terceira nota sublinha que se trata do estrito cumprimento da lei.

Foi esta a fórmula divisada pelo Número 10 de Downing Street para fazer cumprir o que o Parlamento determinou ao início da tarde de sábado, no culminar de uma sessão extraordinária dedicada à nova versão do acordo negociado em Bruxelas por Boris Johnson e os diretórios da União Europeia.Segundo o Número 10 de Downing Street, Boris Johnson manteve entretanto contactos com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel.

Na base deste adensar da complexidade do processo do Brexit está uma emenda aprovada pela Câmara dos Comuns que protelou a decisão sobre o acordo. O primeiro-ministro britânico ficou assim obrigado a pedir novo adiamento a Bruxelas.

“Não vou negociar um adiamento, nem a lei me obriga a fazê-lo. Mais um adiamento seria mau para este país ou para a União Europeia e mau para a democracia”, afirmou imediatamente Johnson, dando assim a entender que admitia entrar em rota de colisão com a denominada Lei Benn, nos termos da qual o primeiro-ministro teria de redigir, até às 23h00 de sábado, uma carta a pedir que o calendário do Brexit fosse dilatado por mais três meses – até 31 de janeiro.

Boris Johnson acabou mesmo por fazê-lo. De uma forma tripartida: com duas cartas, uma das quais sem a sua assinatura, e uma nota do embaixador britânico na União Europeia, Tim Barrow.

O presidente do Conselho Europeu confirmou no Twitter a receção do pedido de adiamento. Donald Tusk dará agora início às consultas junto dos 27 para definir o caminho a seguir.


Em concreto, a primeira carta pede um prolongamento da data para o adeus à União Europeia por três meses. Este documento seguiu sem a assinatura do chefe do Governo britânico.

Na segunda carta, já assinada, que a edição online do jornal The Guardian divulga na íntegra, Boris Johnson escreve que o adiamento não corresponde à sua vontade. O terceiro texto é uma nota do embaixador do Reino Unido na UE a sublinhar que tal pedido decorre das obrigações legais ditadas pela decisão do Parlamento.

“Embora eu tivesse preferido hoje um resultado diferente, o Governo vai avançar com a ratificação e introduzir a necessária legislação no início da semana. Continuo confiante de que vamos completar o processo até 31 de outubro”, escreve o governante britânico no documento que assinou, reiterando a intenção de voltar a submeter o acordo com a União ao Parlamento.

“Ainda que caiba ao Conselho Europeu assentir ao pedido mandatado pelo Parlamento, ou oferecer um período de extensão alternativa, deixei claro, desde que me tornei primeiro-ministro, que uma nova extensão danificaria os interesses do Reino Unido e dos nossos parceiros da UE, assim como a nossa relação”
, acrescenta.

A letra do acordo
Num articulado que repete, em larga medida, aquele que fora negociado pela antecessora de Boris Johnson, Theresa May, as afinações incidem sobretudo no dossier da Irlanda do Norte: é retirado o mecanismo de salvaguarda com vista a evitar uma fronteira física com a República da Irlanda – o chamado backstop.

A Irlanda do Norte mantém-se em território aduaneiro do Reino Unido, embora articulada com a legislação da União Europeia que agiliza o transporte de mercadorias.

A Declaração Política assinada pouco antes do último Conselho Europeu, na quinta-feira, procede ainda a uma subtil revisão de linguagem, ao trocar a meta da instituição de uma “zona de comércio livre” pela negociação de um “acordo de comércio livre”.

c/ agências
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