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Caso Khashoggi. ONU diz que há "provas credíveis" para investigar príncipe saudita

por Andreia Martins - RTP
Jamal Khashoggi, jornalista saudita e colunista do jornal norte-americano The Washington Post, morreu a 2 de outubro de 2018 no consulado da Arábia Saudita de Istambul. Erdem Sahin - EPA

De acordo com um relatório das Nações Unidas, existem provas suficientes de que o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, esteve envolvido na morte do jornalista Jamal Khashoggi.

As conclusões são apresentadas pela relatora especial da ONU para os casos de execuções extrajudiciais, Agnès Callamard, que investigou durante seis meses a morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi.

"Khashoggi foi vítima de uma execução deliberada e premeditada, uma execução extrajudicial pela qual o Estado do Reino da Arábia Saudita é responsável, segundo a lei internacional dos Direitos Humanos", afirmou a perita das Nações Unidas.

A relatora concluiu ainda que existem "provas credíveis" de que a coroa saudita esteve envolvida na morte do jornalista, algo que tem sido negado com veemência.

"Existem provas confiáveis que justificam uma investigação mais profunda sobre a responsabilidade individual de responsáveis sauditas ao mais alto nível, incluindo o príncipe herdeiro", afirma a relatora.

O relatório de 100 páginas elaborado ao longo dos últimos seis meses vai ser apresentado no próximo dia 26 de junho ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual a Arábia Saudita faz parte.

Jamal Khashoggi, jornalista saudita e colunista do jornal norte-americano The Washington Post, foi um crítico acérrimo da família real da Arábia Saudita, morreu a 2 de outubro de 2018 no consulado saudita de Istambul.

De acordo com o documento, houve um "abuso de privilégios diplomáticos" de Riade em território turco, pelo que deve ser apresentado um pedido de desculpas a Ancara.
"Viemos para te apanhar"

Agnès Callamard revela que a equipa de especialistas forenses e legais teve acesso a parte de "materiais de áudio arrepiantes e horríveis" da execução de Khashoggi que foram cedidos pelos serviços turcos de informação. 

O documento elaborado pela especialista da ONU conta que Khashoggi foi ao consulado com uma hora marcada para obter documentação necessária para o casamento com a companheira, Hatice Cengiz.

Nas gravações ouvidas pelos peritos, foram registadas várias conversas nos dias anteriores à visita de Jamal Khashoggi em que se conta que uma equipa de responsáveis sauditas era esperada no consulado de Istambul.

"Há uma comissão que vem da Arábia Saudita e chega amanhã. Eles têm algo a fazer no consulado e o trabalho que vão fazer lá dentro vai demorar entre dois a três dias", pode ouvir-se numa gravação de 1 de outubro.

Poucas horas antes da chegada do jornalista saudita ao consulado, dois responsáveis discutem se seria possível "colocar o tronco num saco". Outro homem responde: "Não, seria demasiado pesado, mas não há problema. O corpo é demasiado pesado. Primeiro corto no chão. Se pegarmos em sacos de plásticos e cortarmos aos bocados, ficará concluído. Embrulhamos cada um deles". Os restos mortais de Khashoggi nunca foram encontrados.

De acordo com o relatório, Khashoggi entrou no consulado às 13h15 de 2 de outubro. Os áudios a que a relatora teve acesso mostram que as primeiras conversas se focaram num eventual regresso do jornalista à Arábia Saudita.

"Vamos ter que te levar de volta. Há um mandato da Interpol. A Interpol pediu que te levássemos. Viemos para te apanhar", diz um dos responsáveis.

De seguida, questionam Jamal Khashoggi sobre os seus telemóveis e pedem-lhe que escreva uma mensagem. O jornalista recusa-se a cooperar e é ameaçado: "Despache-se, senhor Jamal. Ajude-nos para que o possamos ajudar porque, no fim, iremos levá-lo de volta para a Arábia Saudita e se não nos ajudar já sabe o que vai acontecer no fim".

Por volta das 13h33, Khashoggi pergunta: "Está aqui uma toalha. Vão dar-me alguma droga?", ao que outro responsável responde: "Vamos anestesiá-lo". Nas gravações ouvem-se sons de luta e de respiração ofegante.

Em linha com o que foi dito por especialistas de vários países, a relatora considera que Jamal Khashoggi pode ter recebido um sedativo, tendo depois sido sufocado com um saco de plástico".

Riade, que negou sempre o envolvimento neste caso, acusou 11 pessoas pelo homicídio. A relatora Agnès Callamard denuncia as audiências secretas e a falta de transparência do reino saudita neste caso, exigindo às autoridades que revelem os nomes dos réus e as acusações formadas.

"Até hoje, o Estado saudita continua sem reconhecer publicamente a sua responsabilidade no assassinato de Khashoggi e ainda não apresentou um pedido de desculpas à famíli, amigos e colegas de Khashoggi pela sua morte e pela forma como foi executado", acrescenta o relatório.

Refere-se ainda que os investigadores tiveram conhecimento de um pacote financeiro que foi oferecido aos filhos de Jamal Khashoggi pela família real saudita. "Mas é questionável se essa compensação está enquadrada no âmbito do Direito Internacional e dos Direitos Humanos", lê-se no documento.
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