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Centenas regressam à escola, mas fora de casa

por Lusa

No bairro moçambicano de Mahate, Pemba, há cada vez mais estudantes deslocados, fugitivos da violência que assola Cabo Delgado, apoiados pelo projeto Karibu de uma ONG portuguesa que usa a educação para quebrar os ciclos de pobreza e exclusão.

Karibu significa "bem-vindo" em suaíli, mas é palavra conhecida em quase todas as línguas locais moçambicanas. "O Karibu está aqui em Mahate a apoiar as duas escolas primárias do bairro", esclareceu à agência Lusa Leandro Martins, gestor deste projeto pertencente à organização não-governamental (ONG) Helpo.

No total, "o projeto já alcançou 524 crianças nessas duas escolas, todas deslocadas e que ainda não estavam matriculadas", explicou.

Este projeto, de reforço do ensino oficial, tem também como consequência contribuir com mais oferta educativa num contexto em que a educação laica é um dos alvos preferenciais dos insurgentes da província, que têm espalhado o terror com o apoio do movimento terrorista Estado Islâmico.

Leandro Martins, 31 anos, falava à Lusa em frente ao pequeno posto onde o Karibu funciona. Quando chegou a Moçambique, em 2018, instalou-se em Muidumbe, também na província de Cabo Delgado, para integrar uma outra iniciativa, mas a violência provocada pelos insurgentes trocou-lhe as voltas, ainda em 2020.

"Tive de desistir desse projeto que tinha lá na aldeia, porque a aldeia foi atacada, a minha casa foi queimada, a missão toda foi queimada... Enfim, também sou um deslocado interno", contou, ladeado por vários estudantes.

A aldeia foi "completamente destruída" e "até hoje nenhuma família teve coragem de voltar", por isso, considerou ser "mais seguro" ficar em Pemba e aí conheceu este projeto.

O Karibu é "quase a 100% feito junto dos beneficiários", as crianças, que sem o apoio projeto, não continuariam os estudos que deixaram para trás quando as aldeias e vilas foram invadidas pelos `jihadistas`.

Contudo, de momento não é possível matricular mais crianças, já que as duas escolas primárias estão a abarrotar, mas já há "mais de 20" em lista de espera e Leandro acredita que haverá muitas mais.

O caminho agora faz-se aos poucos e primeiro é preciso reforçar as infraestruturas que já existem.

Durante a manhã de hoje a chuva deu tréguas e os professores aproveitaram para improvisar salas de aulas ao ar livre. O som das carteiras a ranger pelo chão era audível à distância, enquanto as crianças as arrastavam para junto de uma árvore, que dava a tão necessária sombra e cujas folhas tapavam a visão a algumas crianças, que as tinham de desviar para ouvir a docente.

Dispostas em círculo, alguns sentaram-se e escutaram a chamada, outros mantiveram-se empoleirados nas secretárias e uma pequena parte ainda estava a escolher de que lado do círculo preferia estar sentada.

O espaço, de facto, é o principal flagelo e "as estruturas já não suportam mais". Com tantas crianças ainda a precisar de voltar à escola este problema continuará a sê-lo durante bastante tempo.

A integração está a par com os conteúdos lecionados na lista de importância do Karibu, mas, apesar de haver a perceção de que os deslocados se "sentem bem acolhidos", "no fundo, no fundo, não é tão fácil assim".

A falta de uniformes e a comunicação de certo modo rudimentar provocada pela mescla de línguas são um desafio, mas são ultrapassáveis.

"Ela [a criança deslocada] vai falar uma língua que não é uma língua de Pemba. Aqui fala-se macua, os deslocados, na maioria das vezes, falam maconde", completou Leandro Martins.

O projeto tem um prazo de execução até 2022, mas o gestor considera que vai continuar enquanto houver crianças a precisar de integração nas escolas.

A percentagem de conclusão dos estudos nesta escola não é, no entanto, conhecida.

"Era bom que todos os lugares que têm deslocados tivessem um Karibu", considerou Leandro Martins.

O projeto está inserido na ONG Helpo, uma organização criada em 2008 e que tem o apoio do Camões -- Instituto da Cooperação e da Língua. Em 2019, por causa da crise decorrente das passagens dos ciclones Idai e Kenneth, a intervenção da Helpo em Moçambique estabeleceu-se e tinha atuado nos distritos de Pemba, Ancuabe, Mecufi, Metuge, Montepuez e Mocímboa da Praia, todos em Cabo Delgado.

A violência armada em Cabo Delgado começou há mais de três anos, mas ganhou uma nova escalada em 24 de março, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, a cerca de seis quilómetros de grandes projetos de gás natural.

Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas, e com cerca de 2.500 mortes desde o início do conflito, segundo contas feitas pela Lusa.

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