Clima. Temperaturas elevadas levam a nascimentos prematuros

por Graça Andrade Ramos - RTP
Uma mulher grávida passeia à beira-mar em Televive, durante uma onda de calor em fevereiro de 2010 Reuters

É mais uma preocupação para o leque provocado pelas alterações climáticas. Estudos norte-americanos estabeleceram uma correlação entre a incidência de temperaturas elevadas, sobretudo durante a noite, e o aumento de partos prematuros.

Sabe-se que as ondas de calor são especialmente nocivas a pessoas idosas, a crianças e a grávidas, assim como para todos os que trabalham ao ar livre. Agora, sabe-se que também podem afetar negativamente a duração da gravidez, com tudo o que isso implica para um recém-nascido.

Uma primeira investigação, financiada pela NOOA [Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA], incidiu no sudeste dos Estados Unidos, uma das zonas do país com maior taxa de nascimentos prematuros. Outra, cujos resultado foram divulgados agora, estudou a situação da Califórnia.


Ambas estabeleceram a mesma correlação.


Se é verdade que um parto prematuro se pode dever a uma multiplicidade de fatores
, tanto a Equipa Regional dos Estados das Carolinas para as Ciências Integradas e Avaliação, como a Universidade da Califórnia em Los Angeles e a Faculdade de Claremont McKenna, concluíram que a temperatura elevada tem uma contribuição decisiva para o fenómeno, com o risco a aumentar exponencialmente quanto mais alta é a temperatura.

Os investigadores esperam que as conclusões levem os responsáveis locais a assumir estratégias de prevenção neste problema, especialmente se as ondas de calor se tornarem cada vez mais comuns.
O pior é à noite
Na Costa Leste dos EUA, o estudo analisou as temperaturas em todo a Carolina do Norte, com base em dados coligidos entre 2011 e 2015. Estudaram as temperaturas máximas diurnas, as mínimas noturnas, e o índice médio de calor, e compararam a análise com os índices de natalidade correspondentes.

Conclusão, para cada um desses indicadores, quanto mais altas fossem as temperaturas, maior o risco de uma mulher dar à luz antes de se completarem as 37 semanas de gestação.

A correlação foi observada em todas as regiões geográficas da Carolina do Norte - Montanhas, Piedmont e Planícies costeiras.

Um dos padrões mais importantes descoberto pelos investigadores indicou que calor extremo durante a noite (geralmente a temperatura mínima) constitui um fator de risco maior do que temperaturas diurnas extremamente elevadas (tanto em níveis máximos como médios).

O estudo indica também a temperatura a partir da qual o risco de uma grávida entrar prematuramente em trabalho de parto começa a agravar-se.

Nos condados montanhosos, temperaturas à noite superiores a 23 graus celsius, implicaram uma probabilidade de seis por cento de um bebé nascer antes de tempo, um risco exponencialmente agravado a cada dois graus de agravamento da temperatura.

Já no Piedmont e nas Planícies, o limiar da temperatura foi ligeiramente mais elevado, iniciando-se nos 25 graus, com a incidência do fator de risco a ser ligeiramente menor (um por cento) no Piedmont do que nos condados da costa leste (quatro por cento).
Menos seis dias de gravidez
Na Califórnia, a equipa liderada por Alan Barreca, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e por Jessamyn Schaller, do Claremont McKenna College, avaliou aproximadamente 56 milhões de nascimentos no período 1969-1988.

O valor base para o cálculo da investigação foi a taxa de natalidade diária. A equipa comparou o número de nascimentos num dia com uma temperatura máxima superior a 32,2 graus, com o mesmo dia noutros anos, especialmente aqueles que registaram temperaturas máximas entre os 15,6 e os 21,1 graus.

A comparação indicou que, no dia quente e no seguinte, a taxa de natalidade aumentou 1,63 a cada 100.000 nascimentos. Os investigadores perceberam que os dias quentes reduziam a gravidez em média seis dias e que só 15 dias após o dia quente é que a taxa de natalidade voltava ao normal.

Em relação ao período de 1969 a 1988, a investigação indicou que o uso de aparelhos de ar condicionado pode reduzir em três quartos o risco de parto prematuro.

"A saúde infantil é afetada de várias maneiras, mas o parto prematuro é uma medida importante que demonstrou estar fortemente co-relacionada com a saúde neonatal e com os resultados posteriores na infância", lembrou o estudo.

Com cerca de 30 dias quentes por ano, durante o período do estudo californiano, a redução do tempo de gravidez afetou cerca de 25.000 nascimentos.

Usando 22 modelos climáticos, os responsáveis calcularam que as mudanças climáticas e as ondas de calor por ela provocadas, poderiam levar a mais de 250 mil o número de dias de gestação perdidos, entre 2080 e 2099.

Uma mulher grávida examinada num serviço de cuidados maternos ambulatório, em 2009 nos Estados Unidos da América Foto: Reuters
Nada de pânico
Para Michael Abou-Dakn, da Sociedade Alemã de Ginecologia e Obstetrícia (DGGG) em Berlim, os resultados dos estudos não são surpreendentes.

O médico chefe do Departamento de Ginecologia do Hospital St. Joseph, em Berlim, enfatizou ao jornal Spiegel-online, que o calor é um fardo pesado para as mulheres grávidas, mas acrescentou não esperar que as mudanças climáticas tenham um impacto negativo duradouro nas gestações. "Os humanos são muito adaptáveis", afirmou.

Christian Albring, presidente da Associação de Ginecologistas, é da mesma opinião e não espera que a duração das gestações diminua de forma geral devido às mudanças climáticas. Os seres humanos irão adaptar-se a temperaturas permanentemente mais altas, afirmou.

Aliás, já se conhece a influência do calor no final da gravidez. "Se a data calculada do nascimento já foi excedida, algumas mulheres grávidas também usam a banheira de hidromassagem para acelerar o início do trabalho de parto e o nascimento", lembrou.

Os estudos norte-americanos vieram sobretudo comprovar e quantificar algo que já era intuído, e chamar a atenção das autoridades para o problema.
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