"Coletes amarelos" são "movimento "histórico" que falhou objetivos, dizem analistas

por Lusa

Domingo completa-se um ano sobre o aparecimento nas ruas dos "coletes amarelos", e ativistas e analistas concordaram que embora se trate de um movimento "histórico", também não levou a grandes mudanças na vida política ou social em França.

Mas houve mudanças, mudanças na vida de alguns, nomeadamente na do lusodescendente Jerome Rodrigues.

"Sou uma personalidade pública. E isso mudou muita coisa", disse à Lusa Jerome Rodrigues.

Há quase um ano, Jerome Rodrigues perdeu um olho numa manifestação dos "coletes amarelos" depois de ter sido atingido por uma bala de borracha e desde aí transformou-se numa das principais figuras do movimento.

A mudança verificada teve consequências positivas mas também negativas.

"Houve um impacto muito negativo, tenho o Governo nas minhas costas, sou assediado na Internet e até já me mandaram para Portugal nas redes sociais, eu que nem sequer tenho nacionalidade portuguesa! A parte positiva é falar com muita gente, aprender muito", salientou este "colete amarelo" que viaja um pouco por toda a França para falar sobre as suas ideias, sendo figura assídua na televisão e contando com quase 50 mil seguidores nas redes sociais.

No entanto, ele está entre os primeiros a admitir que as mudanças exigidas como maior poder de compra para a classe média, uma redução drástica dos impostos ou até a saída do Presidente Emmanuel Macron do poder, não foram conseguidas.

"Mudanças não [houve], porque não ganhámos quase nada. Mas a maneira de contestação é diferente. Mostrou um contrapoder que já não era feito pelos sindicatos ou a oposição política", afirmou.

Esta perspetiva é partilhada por Luc Rouban, diretor de investigação no Centre National de la Recherche Scientifique e na Sciences Po Paris, e especializado na transformação do Estado e nas elites.

"Os `coletes amarelos` falharam. Conseguiram obter recuos por parte do Governo nalgumas questões de impostos, mas tudo que dizia respeito às mudanças do sistema político e à saída de Emmanuel Macron não teve qualquer resultado", indicou o investigador, precisando que muitas das reivindicações eram "utópicas" e que os franceses, apesar de tudo, gostam da V República.

Para este investigador, medidas do Governo em resposta ao movimento como o Grande Debate, que levou a debates entre eleitos e cidadãos em toda a França, diminuição de certos impostos ou mesmo a subida do salário mínimo, foram apenas algo pontual, decidido por um Presidente que está "encurralado"

"Ele [Emmanuel Macron] está agora numa posição defensiva e está encurralado. É obrigado a continuar as suas reformas, porque senão não tem nada para apresentar, e ao continuá-las, é também obrigado a compensá-las com medidas pontuais para assegurar o equilíbrio social", disse o académico.

Mesmo com as suas fraquezas, para Priscillia Ludosky, a "colete amarelo" que iniciou o movimento ao lançar a petição pública contra o aumento dos combustíveis, viveu-se algo histórico.

"Permitiu a pessoas completamente diferentes empenharem-se numa causa comum e aprender a trabalhar em conjunto. E hoje, tentam mudar as coisas juntas. [...] É um movimento histórico, que ficará na História independentemente do que digam", disse à Lusa Priscillia Ludosky.

Luc Rouban concorda com o facto de ser histórico, mas qualifica-o também de original.

"É certamente um movimento histórico. Mas é um movimento original que se distingue dos movimentos sociais que são normalmente estruturados por categoria profissional ou à volta de um problema específico. E também não é político, porque recusam qualquer filiação quer a partidos, quer a sindicatos", destacou.

Segundo Luc Rouban, a grande herança do movimento é estar a levar vários setores da sociedade a mobilizarem-se.

"Agora assistimos a uma nova etapa em que as pessoas se estão a aperceber que tentar mudar o sistema político pondo-se à parte não muda grande coisa, porque os `coletes amarelos` desapareceram rapidamente do mapa, mas há uma nova vaga de movimentos sociais clássicos junto dos estudantes, dos hospitais ou da polícia", explicou o politólogo.

Com dificuldades de organização interna, os "coletes amarelos" querem agora constituir um lóbi cidadão de forma a continuarem a lutar por uma maior participação direta na democracia, sem deixar as ruas.

Hoje e domingo, ameaçam voltar em força a Paris, mas também às estradas e às rotundas por toda a França.

Tópicos
pub