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Contra Trump e contra Amy Coney Barrett, uma marcha de mulheres para fechar um ciclo

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
"Women Dissent" (Nós Discordamos) foi uma das mensagens deixadas tanto quanto à reeleição de Trump como quanto à escolha de Amy Coney Barrett, a juíza católica, para o lugar de Ruth Baden Ginsburg no Supremo Erin Scott, Reuters

As mulheres já tinham sido as primeiras a contestar a Presidência Trump, um dia após a tomada de posse de Donald Trump, em Janeiro de 2017, quando desceram à capital. Este fim-de-semana milhares de mulheres voltaram a tomar a rua, em Washington e noutras cidades americanas, num apelo contra o voto no candidato dos republicanos para o próximo 3 de Novembro. Foi mais uma das muitas manifestações no feminino contra a administração que há quatro anos está instalada na Casa Branca.

“A Presidência dele começou com uma marcha de mulheres e vai terminar agora com as mulheres a votarem. Ponto final”, gritou Rachel O’Leary Carmona, líder do movimento Women’s March (Mulheres em Marcha), no arranque de um protesto agora marcado pelas máscaras e pelo distanciamento sanitário. O’Leary Carmona usou da ironia quando referiu que o único super-propagador do novo coronavírus era o evento recentemente realizado nos jardins da Casa Branca de apresentação da juíza Amy Coney Barrett para o Supremo.

A arma que desfilou pelas ruas da capital durante o fim-de-semana era outra, como lembrou a líder do protesto: o poder das mulheres para porem um ponto final na Presidência de Trump.

“Votem pelo futuro das vossas netas” ou “Lutem como uma menina” diziam dois dos muitos cartazes que percorriam a rua nas mãos das mulheres no caminho até ao edifício do Supremo Tribunal. No plano de acção das Mulheres em Marcha estava esse assunto que corre lado-a-lado com o tema das eleições nos Estados Unidos: a confirmação da juíza Amy Coney Barrett para o lugar deixado vago no Supremo pela icónica Ruth Bader Ginsburg, conhecida por RBG.

A nomeação de Amy Coney Barrett, uma católica fervorosa que se opõe ao aborto e ao casamento entre homossexuais, está a ser visto como a abertura da porta do Supremo norte-americano a um recuo de décadas na sociedade americana, mesmo quando falamos de direitos civis.

Barrett insiste que a religião ficará de fora das suas decisões no tribunal, mas há quem pense diferente quando olha para os seus registos biográficos: a juíza que deverá ser confirmada ainda antes da eleição de 3 de Novembro integrou como “serva” (handmaid na terminologia original) a comunidade cristã People of Praise (Povo que Louva, numa tradução livre) é anti-aborto e não hesita em expulsar membros envolvidos em relacionamentos homossexuais. A juíza Barrett trabalhou ainda para a Alliance Defending Freedom (ADF), a maior organização jurídica anti-LGBTQ da América, deu aulas no programa de bolsas de estudo da ADF, cujo objectivo é formar advogados cristãos “para fomentar sistemas legais que protejam plenamente os nossos direitos concedidos por Deus”.

Razões de preocupação suficientes para que a contestação a Amy Coney Barrett encimasse a agenda das manifestações de costa a costa, de Nova Iorque a San Francisco. Em Nova Iorque, numa acção simbólica, a marcha de mulheres teve lugar na Universidade de Cornell, frente ao dormitório onde outrora RBG viveu enquanto estudante.

Mas não termina aqui a preocupação da Mulheres em Marcha com a nomeação de Barrett: a própria eleição, quando Donald Trump já repetiu à exaustão que não é certo que venha a aceitar um resultado de derrota frente ao democrata Joe Biden, poderá vir a depender de uma decisão do Supremo, onde, com o lugar de RBG preenchido por Amy Coney Barrett, os conservadores republicanos passam a deter seis lugares contra três dos liberais democratas.

Com duas sucessões em jogo, a de RBG por Barrett e a de Trump por Trump, as manifestantes fizeram questão de sublinhar que “discordam” (“We Dissent”) do rumo que está a tomar a política americana e, particularmente, a política levada a cabo em Washington, com o GOP a preferir a incoerência aos valores: por exemplo, há quatro anos negaram a Barack Obama a substituição de um juiz do supremo por estar a oito meses das eleições, defendendo que essa decisão deveria caber ao presidente seguinte; este ano, a escassas semanas das presidenciais consideraram que era direito do presidente nomear para o lugar vago de RGB.

Entretanto, não vergar parece ser a palavra de ordem das Mulheres em Marcha. Sonja Spoo, líder das campanhas pelos direitos de reprodução na Ultraviolet, declarou que “Donald Trump não poderá escolher se se mantém no poder. Esse não é um poder que ele tenha, esse é o nosso poder. E faremos tudo o que for necessário (We are the hell and high water na expressão americana).
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