Controlo fronteiriço na UE. Práticas ilegais associadas a duas mil mortes

por RTP
Reuters

O jornal britânico The Guardian sustenta que, durante a pandemia, Estados-membros da União Europeia recorreram a operações ilegais para repelir no mínimo 40 mil pretendentes de asilo, utilizando métodos que poderão estar associados à morte de mais de duas mil pessoas.

Esses Estados, contando com a colaboração do Frontex (a agência que controla as fronteiras exteriores da UE), barraram a entrada a milhares de refugiados de zonas de guerra, incluindo crianças, utilizando táticas ilegais como agressão ou brutalidade durante a detenção ou transporte.

A conclusão do The Guardian, hoje publicada, baseia-se na análise de relatórios emitidos por agências da ONU, combinados com informações de organizações não-governamentais relativas a incidentes ocorridos em zonas de fronteira exterior do território europeu. Com o aparecimento da pandemia, a regularidade e a brutalidade para com os migrantes aumentaram.

“Relatórios recentes indiciam um aumento de mortes de migrantes que tentavam alcançar a Europa e, em simultâneo, um aumento da colaboração entre Estados-membros e países não europeus como a Líbia, o que resultou no fracasso de várias operações de salvamento”, analisa Fulvio Vassallo, perito italiano em Direitos Humanos e Imigração citado pelo jornal inglês.

“Isto demonstra que as mortes no Mediterrâneo desde o início da pandemia estão direta ou indiretamente ligadas à política de portas fechadas seguida pela UE e à entrega do controlo dos fluxos migratórios a países como a Líbia”, termina.

Estas conclusões surgem numa altura em que o Frontex está a ser objeto de uma investigação a suspeitas de cometimento de ilegalidades para impedir a entrada de pretendentes de asilo na Europa.

De acordo com Organização Internacional para as Migrações, no ano passado cerca de 100 mil migrantes chegaram à Europa por via terrestre e por via marítima, abaixo dos 130 mil em 2019 e dos 170 mil em 2017.
Apesar desta descida em termos numéricos, Itália, Malta, Grécia, Croácia e Espanha aceleraram e endureceram as respetivas políticas relativamente à migração. Desde que as fronteiras foram parcial ou totalmente fechadas como medida de combate ao alastramento da Covid-19, estes países passaram a pagar a Estados não europeus e a contratar companhias privadas para intercetarem barcos com migrantes e forçá-los para centros de detenção. São múltiplos os relatos de pessoas espancadas, roubadas, sexualmente abusadas nas fronteiras ou deixadas à sua sorte em pleno mar.

Também já em 2020, a Croácia, cuja polícia patrulha a mais extensa fronteira exterior da UE, intensificou o comportamento violento como forma de repelir migrantes para a Bósnia. Uma organização dinamarquesa de apoio aos refugiados, o Danish Refugee Council (DRC), contabiliza em 18 mil o número de migrantes rechaçados pela Croácia no último ano e meio.

Durante o mesmo período, o The Guardian obteve testemunhos diretos de migrantes que dizem ter sofrido graves abusos físicos e psicológicos por elementos das autoridades croatas. “Apesar dos contactos entre a Comissão Europeia e o governo da Croácia ao longo dos últimos meses, nenhum progresso foi alcançado, quer na investigação dos relatos de abusos, quer no desenvolvimento de um mecanismo independente de monitorização da atividade fronteiriça”, denuncia ao The Guardian o responsável do DRC para a Bósnia.

Outra ONG, a Border Violence Monitoring Network, contabiliza em cerca de 6 mil os casos semelhantes de crueldade policial ocorridos na Grécia, também desde janeiro de 2020. No Tribunal Europeu dos Direitos Humanos corre um processo contra o Estado grego, no qual as forças da guarda-costeira do país são acusadas de abandonar dezenas de migrantes em águas territoriais turcas sem água, comida ou outra proteção básica, depois de rebocarem as balsas em que viajavam para fora do espaço da EU.

O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados divulgou informação segundo a qual, desde o início da pandemia, a Líbia - com o beneplácito da Itália desde que, em 2017, Roma cedeu a Tripoli a responsabilidade pelas operações de resgate de migrantes no Mediterrâneo – intercetou e recolheu mais de 15 mil pretendentes de asilo na Europa. Esta estratégia resultou no regresso forçado de milhares de pessoas a centros de detenção líbios onde, segundo diversos relatos pessoais, muitas foram e são submetidos a tortura.

No Mediterrâneo, centenas de pessoas encontraram a morte em naufrágios quando nem as forças italianas ou as líbias intervieram em seu auxílio. No mês passado, ambos os países foram acusados de ignorarem uma chamada de socorro proveniente de um barco de refugiados em águas líbias, enquanto se desenrolava uma tempestade que provocou ondas de seis metros de altura. Poucas horas depois, foram descobertas dezenas de corpos a flutuar. 130 pessoas tinham morrido.

“Esta prática continua em 2020, com um papel cada vez mais importante a ser desempenhado pelo Frontex, cujos aviões e barcos de patrulha avistam barcos de migrantes e comunicam as suas posições à guarda-costeira líbia”, acusa um especialista em migrações da Aministia Internacional ao Guardian.

“Embora a Itália tenha usado a pandemia como uma desculpa para fechar os seus portos a migrantes resgatados ao mar, não teve problemas em permitir que a Líbia os recapturasse, mesmo que isso fosse feito debaixo de fogo e que centenas desaparecessem depois do desembarque”, acrescenta.
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