Covid-19 deixa sequelas do foro neurológico em pacientes recuperados

por RTP
Yves Herman, Reuters

Uma boa parte dos pacientes recuperados do novo coronavírus apresenta patologias do foro neurológico, que podem traduzir-se em simples dores de cabeça, enjoos, dores musculares, perdas de olfacto e de paladar, em casos mais graves acidentes vasculares-cerebrais (AVC) e em casos extremos um estado de coma originado em relação com a doença.

Se até aqui se considerava a covid-19 como uma doença respiratória de gravidade variável, agora ela deverá começar cada vez mais a ser encarada como um fenómeno complexo, que acarreta consequências diversas noutras áreas. A hipótese de trabalho fundamenta-se em estudos com uma base empírica já relativamente ampla e de fiabilidade elevada e aparece formulada em artigo publicado na revista científica Neurology.

O principal registo em que se baseiam estes estudos é o chamado Albacovid, que recenseou as manifestações neuropáticas de 841 pacientes que estiveram internados em dois hospitais da cidade espanhola de Albacete, no pico pandémico que o país vizinho sofreu durante o mês de março. Segundo o artigo de Neurology, mais de merade desses pacientes (57,4%) apresentavam um ou vários sintomas neurológicos.

Um dos coautores do estudo, Tomás Segura, chefe do serviço de neurologia do hospital universitário de Albacete, refere que os sintomas mais comuns são as mialgias (dores musculares originadas no sistema nervoso), as cefaleias (dores de cabeça), enjoos e tonturas. O mesmo clínico sublinha ainda a ocorrência de alterações da consciência em 20 por cento dos pacientes, concentando-se embora esta percentagem nas faixas de maior idade. Outros 20 por cento apresentavam psicoses, insónias ou ansiedade.

Os problemas neurológicos não devem, por outro lado, ser necessariamente encarados como danos subsidiários ou colaterais da doença fundamentalmente respiratória. Embora as dificuldades respiratórias possam estar na origem de problemas neurológicos, os autores do artigo consideram agora que pode haver uma acção do vírus sobre o sistema nervoso central e que essa acção pode ser a causadora de boa parte dos problemas apontados. Em alguns casos, eles apresentam tal gravidade que acabam por ser a causa de morte de pacientes de covid-19.

Um outro estudo baseado na observação de 909 pacientes de Madrid vai além das percentagens registadas em Albacete e admite que quase todos os pacientes (90%) sejam afectados nos sentidos do olfacto e do paladar. Ao contrário das perdas temporárias dos mesmos sentidos registados em pacientes de gripe, por exemplo, estas não resultavam da congestão nasal ou do aumento de mucosidades e sim, possivelmente, do próprio vírus.

Um outro artigo publicado na revista científica Brain teve o espectro mais amplo de pacientes observados (1.683), realizou-se ao longo de 50 dias e concentrou-se no estudo dos AVCs ocorridos em ligação com a covid-19. Ao concluir que 23 desses pacientes (1,4% do total) sofreram pequenos derrames cerebrais, os cientistas analisaram as tomografias respectivas e os tecidos afectados, considerando plausível que estes episódios sejam causados pela acção do próprio vírus no cérebro.
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