Crimes de guerra. Rohingya apresentam queixa contra militares de Myanmar na Alemanha

por Carla Quirino - RTP
Khalis Surry - Antara Foto via Reuters

Dezasseis sobreviventes rohingya e de outras etnias uniram-se para apresentar, na Procuradoria Federal alemã, uma queixa criminal contra a junta de Myanmar, anunciou esta terça-feira a organização de defesa dos Direitos Humanos Fortify Rights. Acusam o regime militar de atrocidades que podem configurar genocídio.

Segundo a Fortify Rights, os militares de Myanmar são acusados de crimes de guerra e genocídio contra a minoria rohingya.

A organização explica que a queixa envolve 16 indivíduos de Myanmar e diversas testemunhas e foi entregue na Procuradoria Federal alemã na semana passada, a 20 de janeiro.

A denúncia, alega a Fortify Rights, inclui “provas substanciais” de que algumas figuras militares saberiam das ações dos subordinados, mas não tentaram impedi-los ou punir os perpetradores de tais crimes.
Porquê a Alemanha?
Matthew Smith, CEO e co-fundador da Fortify Rights, adiantou que a escolha da Alemanha para o registo da queixa tem a ver com as leis de jurisdição universal que permitem o julgamento de crimes não importa onde ocorram.

A Alemanha está numa posição única para ajudar a impedir a impunidade em Myanmar”, afirmou Smith numa conferência de imprensa em Banguecoque, na Tailândia.

“A denúncia fornece novas evidências que provam que os militares de Myanmar sistematicamente mataram, violaram, torturaram, prenderam, fizeram desaparecer, perseguiram e cometeram outros atos que equivalem a genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra em violação da lei alemã”, sublinhou.

“Os membros da junta militar não se devem sentir a salvo da justiça neste mundo e devem ser responsabilizados”, adverte Smith.

A organização de defesa dos Direitos Humanos acrescenta que a ajuda pedida aos tribunais alemães fica também a dever-se à recusa do Conselho de Segurança da ONU em encaminhar os militares de Myanmar para o Tribunal Penal Internacional.
Os 16 signatários

O grupo relator inclui membros das etnias Arakanese, Burman, Chin, Karen, Karenni e Mon e integra estudantes, académicos a agricultores, defensores dos Direitos Humanos, empresários, ex-chefes de aldeia e donas de casa.

Smith detalha que aproximadamente metade dos 16 indivíduos signatários da denúncia eram rohingyas e sobreviveram à repressão no Estado de Rakhine em 2016 e 2017, enquanto os outros foram vítimas de atrocidades pós-golpe em Estados e regiões em todo o país em 2021 e 2022.

“Pedimos que, pela primeira vez na história, os militares de Myanmar sejam responsabilizados por todos os seus crimes contra todos os grupos étnicos”, disse Pavani Nagaraja Bhat, investigadora associada da Fortify Rights, citada na Al Jazeera.

“Apesar de serem de diferentes regiões, grupos étnicos e origens, todos os denunciantes sofreram profundamente desde o golpe, perderam casas, familiares, meios de subsistência, as suas liberdades e muitos ainda vivem em constante sobressalto, apesar de estarem fora do país. O que eles testemunharam e sobreviveram é horrível”, disse ela aos repórteres. “Ao participar desta ação, os queixosos estão a dizer que basta”.

Entre as 16 vítimas que apresentam a queixa criminal está uma mulher rohingya de 51 anos que acusou as forças de segurança de matar sete membros da família durante a repressão de 2017.

Ela alega ter ouvido indivíduos sob controlo militar a violarem a nora enquanto as forças de segurança a espancavam numa sala ao lado. Esta mulher também relatou ter testemunhado pilhas de cadáveres de civis rohingya na aldeia e soldados do regime a esfaquear, espancar e matar vários homens e crianças rohingya.

O Governo e os militares de Myanmar estão a tentar fazer desaparecer a nossa comunidade rohingya há 50 anos”, reiterou ela em comunicado. “Como mulher rohingya, quero justiça pelo genocídio para que não volte a acontecer.”

Não houve ainda reação dos militares de Myanmar à queixa interposta na Alemanha, dias antes do segundo aniversário da tomada do poder do general Min Aung Hlaing ao Governo eleito de Aung San Suu Kyi, a 1 de fevereiro.

Nos últimos dois anos, o regime militar lançou uma campanha de terror na tentativa de reprimir a oposição generalizada ao golpe, bombardeando e incendiando aldeias. Foram detidas mais de 17 mil pessoas.
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