Um depoimento de funcionários da Casa Branca, na semana passada, dava conta do pedido de documentação para vários perdões presidenciais altamente polémicos, a conceder no feriado nacional da próxima segunda feira. A notícia alarmou vários políticos e pelo menos um general norte-americano, que endereçaram duras críticas a Donald Trump.
Os funcionários que denunciaram o pedido de documentação negam ter visto alguma lista completa de perdões presidenciais a conceder, mas referem ao New York Times vários nomes que Donald Trump considera indultáveis e para quem foi pedida a documentação.
Vários casos reveladores
Um deles é Edward Gallagher, um oficial das tropas especiais da Marinha, condenado por ter matado vários civis desarmados no Iraque, entre eles uma menina pequena, um idoso e um jovem de 15 anos, que apunhalou quando estava um médico estava a tratá-lo a diversos ferimentos. Gallagher está também acusado de flagelar com uma metralhadora pesada um bairro residencial iraquiano.
Outro indultável de Trump é Nicholas Slatten, um antigo mercenário da empresa paramilitar Blackwater, condenado por ter assassinado em 2007 dezenas de civis iraquianos desarmados.
Outro é o major Mathew L. Golsteyn, arguido por ter assassinado em 2010 um prisioneiro afegão desarmado e por ter incinerado o corpo para ocultar à sua chefia o que acabara de fazer.
Outros ainda são os membros de um grupo de snipers da Marinha, que foram filmados a urinar sobre os cadáveres de combatentes taliban.
Candidato democrata: indultos "repugnantes"
A notícia dos preparativos para conceder o perdão presidencial a casos com estes contornos suscitou uma reacção contundente de Peter Buttigieg, um dos candidatos à investidura democrata para a próxima eleição presidencial. Segundo Buttigieg, que foi militar no Afeganistão, estes indultos seriam "repugnantes".
O candidato democrata explica que, a concretizarem-se, os indultos referidos constituiriam "uma afronta à ideia de ordem e de disciplina, uma afronta às leis da guerra, em que nós acreditamos ao arriscarmos a vida para defender o país".
Coro de prostestos militares
Ontem, veio também a terreiro nas colunas da revista Time o antigo comandante das forças da NATO, almirante James Stavridis, afirmar: "Eu comandei vários dos militares que Trump quer indultar. Libertá-los vai enfraquecer as Forças Armadas".
Stavridis argumento que este tipo de indultos "reforça a propaganda inimiga, porque vão poder dizer que não respeitamos os nossos próprios princípios".
Também o antigo chefe de Estado-Maior do Pentágono, general Martin Dempsey, se pronunciou no mesmo sentido: "O indulto a militares acusados de crimes de guerra mostra aos nossos soldados que não levamos a sério as leis da guerra" E acrescentou num tweet: "Má mensagem. Mau precedente. Abdicação da nossa responsabilidade moral. Constitui um perigo para nós".
Hoje, em artigo de opinião publicado no New York Times, o tenente-general reformado Lawrence D. Nicholson afirma considera que os indultos presidenciais constituiriam nestes casos "um precedente novo e muito sombrio", minando os esforços que diz terem existido ao longo de muitos anos para incutir às tropas norte-americanas o respeito pelas leis da guerra.
E lembra que "especialmente num ambiente de contrainsurgência as nossas acções quotidianas, e não apenas as nossas palavras, têm um impacto para o melhor e para o pior sobre a população local".
Nicholson acrescenta ainda que "perdões presidenciais para criminosos de guerra condenados podem minar a confiança num processo legal bem documentado e levar a um ambiente em que o comportamento criminoso no campo de batalha poderia tornar-se mais comum".
Segundo o autor, "os jovens nas fileiras poderiam interpretar estes perdões como sinal de uma indiferença do comandante em chefe [Donald Trump] relativamente às acções ilegais, incluindo os assassínios documentados cometidos por um operacional SEAL contra uma menina iraquiana e um idoso iraquiano desarmado".
Prossegue depois, dizendo que "governos com um registo questionável em matéria de direitos humanos aplaudirão certamente, mesmo que pela calada, o homem do Gabinete Oval - não nos esqueçamos do assassínio de Jamal Khashoggi".
E cita um jurista afegão da provícia de Kunar, que alertou para que os indultos "darão força à propaganda dos insurrectos, segundo a qual todos e cada um dos militares americanos são criminosos de guerra".