Crimes de guerra. Trump criticado por abusar dos indultos

por RTP
Carlos Barria, Reuters

Um depoimento de funcionários da Casa Branca, na semana passada, dava conta do pedido de documentação para vários perdões presidenciais altamente polémicos, a conceder no feriado nacional da próxima segunda feira. A notícia alarmou vários políticos e pelo menos um general norte-americano, que endereçaram duras críticas a Donald Trump.

Os funcionários que denunciaram o pedido de documentação negam ter visto alguma lista completa de perdões presidenciais a conceder, mas referem ao New York Times vários nomes que Donald Trump considera indultáveis e para quem foi pedida a documentação.
Vários casos reveladores
Um deles é Edward Gallagher, um oficial das tropas especiais da Marinha, condenado por ter matado vários civis desarmados no Iraque, entre eles uma menina pequena, um idoso e um jovem de 15 anos, que apunhalou quando estava um médico estava a tratá-lo a diversos ferimentos. Gallagher está também acusado de flagelar com uma metralhadora pesada um bairro residencial iraquiano.

Outro indultável de Trump é Nicholas Slatten, um antigo mercenário da empresa paramilitar Blackwater, condenado por ter assassinado em 2007 dezenas de civis iraquianos desarmados.

Outro é o major Mathew L. Golsteyn, arguido por ter assassinado em 2010 um prisioneiro afegão desarmado e por ter incinerado o corpo para ocultar à sua chefia o que acabara de fazer.

Outros ainda são os membros de um grupo de snipers da Marinha, que foram filmados a urinar sobre os cadáveres de combatentes taliban.
Candidato democrata: indultos "repugnantes"
A notícia dos preparativos para conceder o perdão presidencial a casos com estes contornos suscitou uma reacção contundente de Peter Buttigieg, um dos candidatos à investidura democrata para a próxima eleição presidencial. Segundo Buttigieg, que foi militar no Afeganistão, estes indultos seriam "repugnantes".

O candidato democrata explica que, a concretizarem-se, os indultos referidos constituiriam "uma afronta à ideia de ordem e de disciplina, uma afronta às leis da guerra, em que nós acreditamos ao arriscarmos a vida para defender o país".
Coro de prostestos militares
Ontem, veio também a terreiro nas colunas da revista Time o antigo comandante das forças da NATO, almirante James Stavridis, afirmar: "Eu comandei vários dos militares que Trump quer indultar. Libertá-los vai enfraquecer as Forças Armadas".

Stavridis argumento que este tipo de indultos "reforça a propaganda inimiga, porque vão poder dizer que não respeitamos os nossos próprios princípios".

Também o antigo chefe de Estado-Maior do Pentágono, general Martin Dempsey, se pronunciou no mesmo sentido: "O indulto a militares acusados de crimes de guerra mostra aos nossos soldados que não levamos a sério as leis da guerra" E acrescentou num tweet: "Má mensagem. Mau precedente. Abdicação da nossa responsabilidade moral. Constitui um perigo para nós".

Hoje, em artigo de opinião publicado no New York Times, o tenente-general reformado Lawrence D. Nicholson afirma considera que os indultos presidenciais constituiriam nestes casos "um precedente novo e muito sombrio", minando os esforços que diz terem existido ao longo de muitos anos para incutir às tropas norte-americanas o respeito pelas leis da guerra.

E lembra que "especialmente num ambiente de contrainsurgência as nossas acções quotidianas, e não apenas as nossas palavras, têm um impacto para o melhor e para o pior sobre a população local".

Nicholson acrescenta ainda que "perdões presidenciais para criminosos de guerra condenados podem minar a confiança num processo legal bem documentado e levar a um ambiente em que o comportamento criminoso no campo de batalha poderia tornar-se mais comum".

Segundo o autor, "os jovens nas fileiras poderiam interpretar estes perdões como sinal de uma indiferença do comandante em chefe [Donald Trump] relativamente às acções ilegais, incluindo os assassínios documentados cometidos por um operacional SEAL contra uma menina iraquiana e um idoso iraquiano desarmado".

Prossegue depois, dizendo que "governos com um registo questionável em matéria de direitos humanos aplaudirão certamente, mesmo que pela calada, o homem do Gabinete Oval - não nos esqueçamos do assassínio de Jamal Khashoggi".

E cita um jurista afegão da provícia de Kunar, que alertou para que os indultos "darão força à propaganda dos insurrectos, segundo a qual todos e cada um dos militares americanos são criminosos de guerra".
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