Crise climática. Vaticano fala em "obrigação moral" dos países ricos para com os pobres

por Joana Raposo Santos - RTP
Segundo o mais recente conselheiro científico do Vaticano, "se o planeta continuar a aquecer, a migração e os conflitos provavelmente continuarão a aumentar". Guglielmo Mangiapane - Reuters

O novo conselheiro científico do papa defende que as nações mais ricas têm "a obrigação moral" de compensar os países pobres pelos impactos ambientais. Para Ottmar Edenhofer, não há dúvidas de que a crise climática é "um problema de justiça". O recém-nomeado disse ainda ser impossível convencer Donald Trump sobre os grandes riscos iminentes desta crise.

Ottmar Edenhofer, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha, foi recentemente nomeado conselheiro científico da agência do Vaticano que se foca na justiça para os refugiados e pobres.

A sua nomeação surgiu depois de, em 2019, o papa Francisco ter declarado a existência de uma emergência climática global. Para o sumo pontífice, o eventual fracasso em dar resposta a esta emergência seria “um ato brutal de injustiça” para com os pobres e as gerações futuras.

Agora, Edenhofer admitiu ao Guardian a esperança de poder ajudar a guiar as ações tomadas pelos Governos.

“As condições climáticas extremas desencadeadas pela desestabilização do nosso clima estão já a ditar movimentos migratórios por todo o mundo”, explicou o especialista. “As secas podem levar conflitos latentes a aumentar violentamente e as quebras no cultivo podem fazer elevar os preços da comida”.

Para Edenhofer, “infelizmente, se o planeta continuar a aquecer, a migração e os conflitos provavelmente continuarão a aumentar”.

O problema climático é, fundamentalmente, também um problema de justiça. Por essa razão, é uma grande honra e responsabilidade poder fornecer conselhos científicos à Santa Sé acerca destes importantes assuntos”.

Esse problema de justiça poderá, para o também economista Edenhofer, ser mitigado através de uma compensação dos países ricos, mais responsáveis pela emissão de gases tóxicos, aos países pobres.

“Eles [países ricos] têm a obrigação moral de reduzir as emissões e de alcançar a neutralização de carbono e, ao mesmo tempo, têm de compensar as pessoas nos países em desenvolvimento pelas alterações climáticas. Não há dúvidas quanto a isto”, argumentou, adiantando que este tema será brevemente debatido no Vaticano.
Será “impossível” convencer Trump sobre crise climática
Questionado sobre se líderes como Donald Trump ou Jair Bolsonaro, que continuam a negar a existência de uma crise climática, poderão ser persuadidos a mudar de opinião, Edenhofer considerou “impossível” convencer o presidente dos Estados Unidos.

“Mas outros líderes, como Joe Biden, e também na China, estão convencidos. A China está totalmente consciente de que irá sofrer os impactos das alterações climáticas no fornecimento de água, o que causará problemas enormes”, declarou.

“Proteger cidadãos é uma das principais funções dos Governos, e estes não podem ignorar riscos existenciais”, alertou o especialista. “Graças à Covid, os líderes internacionais estão mais conscientes de riscos que, apesar de pouco prováveis, têm o potencial para enormes danos. E, nos países pobres, o impacto das alterações climáticas não é apenas uma possibilidade futura; está a ser sentido já hoje”.

Segundo o conselheiro do Vaticano, a mensagem dura que o papa transmitiu sobre o clima foi importante não só para os católicos romanos, mas também para os cristãos evangélicos. “Não podemos subestimar o facto de o papa estar a falar para 1.300 milhões de pessoas”, sublinhou.

“Diria até que a mensagem que o papa manda ao mundo é também importante para cristãos evangélicos, que têm tido um grande problema em reconhecer as alterações climáticas como um problema importante”.

“A maioria deles vê este problema como parte da agenda da esquerda na Europa ocidental. O papa tornou muito claro que esta não é uma questão partidária, mas sim algo importante para todo o mundo”, clarificou Edenhofer.

O conselheiro avançou ainda ao Guardian que o Vaticano deverá ter um importante papel na cimeira sobre o clima que irá realizar-se este ano em Glasgow, na Escócia.
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