A comissão de inquérito do Congresso a uma alegada chantagem do Presidente Donald Trump, sobre o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyi, entrou no quarto dia de audiências abertas com alguma ânsia de ouvir o testemunho do embaixador dos EUA para a União Europeia. À porta fechada no início do mês, e depois em entrevistas, Gordon Sondland tinha dado versões contraditórias sobre o que sabia do dossier ucraniano.
A audiência ficou sem fôlego, quando este, um dos grandes financiadores da campanha de Trump, confirmou que o Presidente ordenou ele próprio a pressão sobre o recém-nomeado Zelenskyi, para investigar as ações de Hunter Biden, filho do democrata e rival presidencial de Trump, Joe Biden, quando era vice-presidente da empresa de gás ucraniana Burisma.
Mais grave, Sondland implicou na estratégia o vice-presidente Mike Pence e o secretário de Estado, Mike Pompeo. E referiu que, apesar de não querer, "trabalhou nas questões ucranianas com [o principal advogado de Trump] Rudy Giuliani", por "ordem" do Presidente, ao lado do secretário para a Energia, Rick Perry, e do enviado especial dos EUA à Ucrânia, o embaixador Kurt Volker.
"Todos sabiam", afirmou, "não era nenhum segredo".
As alegações, consideradas a princípio um verdadeiro tiro de canhão na estratégia de defesa da Casa Branca, acabaram por ser desmentidas pela maioria dos implicados ainda a audiência decorria, referindo todos que mal conheciam Sondland, ou que os seus contactos com o embaixador foram muito ténues.
O próprio Sondland, quando questionado mais a fundo pelos membros republicanos da Comissão de Inquérito, acabou por reconhecer que nunca recebeu qualquer ordem direta de Donald Trump para pressionar Zelenskyi, nem tem provas quanto às alegadas intenções do Presidente.
"Quando o Presidente diz falem como o meu advogado pessoal e então o sr Giuliani, enquanto seu advogado pessoal, faz certos pedidos, assumimos que vêm do Presidente", defendeu-se. As instruções de Giuliani "refletiam os desejos e exigências do Presidente Trump", garantiu.
Trump diz que esta investigação é mais uma "caça às bruxas". O testemunho do embaixador Sondland, aguardado com expetativa, sobretudo pelos democratas, acabou por se revelar um pau de dois bicos.
"Foi este o seu testemunho hoje, que tem provas de que Donald Trump ligou as investigações à ajuda?"
"Disse e repeti, estava a presumir", respondeu Sondland, referindo que outros responsáveis norte-americanos lhe disseram que os fundos militares e um encontro entre os Presidentes estavam ligados a uma investigação sobre os Biden.
"Então não tem provas" que liguem Trump a um quid pro quo, barafustou o representante. "Ninguém neste planeta lhe disse" que a ajuda dos EUA estava ligada às investigações, concluiu, varrendo para o lixo o testemunho de Sondland.
O Presidente norte-americano negou outra vez a existência de um quid pro quo, e leu em voz alta aos jornalistas, reunidos no relvado da Casa Branca, algumas notas manuscritas sobre um breve telefonema com Sondland, e a que este aludiu.
"O que é que quer quanto à Ucrânia? perguntou-me ele", leu Trump. "Isto é o embaixador Sondland a falar comigo..." acrescentou.
"O que é que quer? O que é que quer?". Foi uma conversa muito curta e abrupta que ele teve comigo".
De forma mais normal, o gabinete da vice-presidência publicou um comunicado, garantindo a inexistência de qualquer conversa de Mike Pence com Sondland "sobre investigações aos Biden, Burisma ou a libertação condicional de ajuda financeira à Ucrânia com base em potenciais investigações".
Sondland afirmou esta quarta-feira que transmitiu em setembro as suas inquietações ao vice-presidente, quanto à estratégia de Trump na Ucrânia. Só que, de acordo com o chefe de gabinete de Pence, Marc Short, esta conversa nunca aconteceu.
"O embaixador Gordon Sondland nunca esteve sozinho com o vice-presidente Pence na viagem à Polónia de 1 de setembro. Esta alegada conversa lembrada pelo embaixador Sondland nunca aconteceu", garantiu no comunicado.
"Múltiplas pessoas testemunharam sob juramento que o vice-presidente nunca mencionou Hunter Biden, o ex-presidente Joe Biden, Crowdstrike, Burisma ou investigações, em qualquer conversa com os ucranianos ou o Presidente Zelenskyi, antes, durante ou depois do encontro de 1 de setembro na Polónia", referiu ainda o comunicado.
Em visita à Europa, para uma reunião da NATO, Mike Pompeo escusou-se por seu lado a comentar as alegações, apesar de ser um dos principais implicados. "Não vi o testemunho, estava a trabalhar", respondeu aos repórteres em Bruxelas.
"Tudo bom. Está a fazer um grande trabalho; continue a martelar", aconselhou Mike Pompeo, de acordo com a correspondência disponibilizada.
Sondland desvirtuou tudo, reage Perry
Sondland referiu igualmente que, em maio passado, o Presidente Trump lhe disse a ele, ao secretário da Energia, Rick Perry, e ao então enviado especial dos EUA à Ucrânia, Kurt Volker, para trabalhar com Rudy Giuliani na política para a Ucrânia.
"O secretário Perry, o embaixador Volker e eu, trabalhámos com Rudy Giuliani nas questões ucranianas por ordem expressa do Presidente dos Estados Unidos", testemunhou Sondland.
O Departamento de Energia reagiu repudiando estas alegações.
"O testemunho do embaixador Sondland hoje desvirtuou tanto as interações do secretário Perry com Rudy Giuliani, como as ordens que o secretário recebeu do Presidente Trump. Como já foi declarado, o secretário Perry falou com Rudy Giuliani apenas uma vez, a pedido do Presidente", afirmou em comunicado.
"Em nenhuma altura, antes, durante ou depois desse telefonema, foram mencionadas as palavras Biden ou Burisma perante o secretário Perry", concluiu.
Giuliani contra-ataca
I came into this at Volker’s request. Sondland is speculating based on VERY little contact. I never met him and had very few calls with him, mostly with Volker.
— Rudy Giuliani (@RudyGiuliani) November 20, 2019
Volker testified I answered their questions and described them as my opinions, NOT demands. I.E., no quid pro quo!
During the July 24 conversation @realDonaldTrump agrees to a meeting with Pres. Zelensky without requiring an investigation, any discussion of military aid or any condition whatsoever.
— Rudy Giuliani (@RudyGiuliani) November 20, 2019
This record shows definitively no quid pro quo, which is the same as no bribery. END OF CASE!
Já a secretaria para a Imprensa da Casa Branca, Stephanie Grisham, fez eco das declarações desta tarde de Trump aos jornalistas.
"O testemunho do embaixador Sondland esclareceu que, num dos breves telefonemas que teve com o Presidente Trump, o Presidente disse claramente que não queria nada da Ucrânia e repetiu nenhum quid pro quo uma e outra vez", sublinhou, em comunicado.
"De facto, nunca houve nenhum quid pro quo. A ajuda norte americana à Ucrânia seguiu, nenhuma investigação foi lançada e o Presidente encontrou-se e falou com o Presidente Zelenskyi," acrescentou.