Dezenas de movimentos de mulheres lutam contra eleição de Bolsonaro

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Adriano Machado, Reuters

Face às ideias defendidas pelo candidato de extrema-direita às presidenciais brasileiras, não constitui surpresa que estejam a surgir às dezenas grupos organizados de mulheres nas redes sociais para tentar virar a tendência das sondagens que dão o antigo oficial do exército como o favorito à vitória na eleição de 7 de Outubro com mais de 25 por cento da tendência de voto. Jair Bolsonaro lança ataques constantes aos seus alvos favoritos: a esquerda e os homossexuais. O apelo à guerra civil e à matança tem sido igualmente recordado pelos activistas do movimento #elenao em vídeos recuperados de antigas entrevistas do antigo capitão páraquedista.

Um desses grupos, com menos de um mês, “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, rapidamente disparou para os 2,5 milhões de membros, o equivalente a um quarto da população portuguesa. Criado em finais de Agosto, o grupo aberto no Facebook, explica o britânico The Guardian, chegou aos 600 mil membros em 24 horas.

“Precisamos de estar unidas para evitar o que seria um desastre para o nosso país”, declarou um dos membros do grupo, Maíra Motta, uma professora de filosofia da cidade de Vitória da Conquista.

O Presidente Trump pode agradecer a sua vitória nas presidenciais americanas de 2016 à influência das redes sociais junto dos eleitores e essa foi uma lição que ficou para os candidatos de todas as latitudes: redes tão estruturadas como o Facebook ou o Twitter podem de facto inverter tendências de voto. A guerra eleitoral passou também para o mundo virtual e ninguém descura essa frente de batalha. Talvez por isso a página do movimento “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” tenha sido de imediato fixada como um alvo a abater.

Face às ameaças e aos ataques, o movimento viu-se obrigado a fechar a página. Uma busca no Facebook mostra, entretanto, que o nome se multiplicou agora por dezenas de páginas homónimas, com mais ou menos seguidores.


Para já, as mulheres parecem ser a falha a explorar na campanha da extrema-direita: a impopularidade de Bolsonaro é evidente junto das mulheres, que representam 52 por cento dos quase 150 milhões de eleitores brasileiros. A equipa de Bolsonaro tem ainda muito trabalho pela frente nas próximas semanas se quiser inverter a tendência do voto feminino quando 49 por cento se opõem à sua candidatura. Apenas 17 por cento estão para já com o antigo páraquedista.

Entretanto, nas ruas, a sua campanha encontra-se vazia de candidato, com o antigo capitão a recuperar no hospital de uma tentativa de assassinato que poderá ter funcionado como o carimbo presidencial definitivo do candidato de extrema-direita para dentro de mês e meio. Mais do que qualquer acção nas ruas, as vigílias crescem em torno de um “candidato martirizado” que fez da sua vida política um púlpito para o apelo à violência, à intolerância e ao ataque aos mais desprotegidos e às franjas da sociedade.

Mas, apesar dessa luta contra o que consideram ser “ideias misóginas, preconceituosas e verdadeiramente fascistas”, as Mulheres Unidas Contra Bolsonaro repudiaram já o ataque sofrido pelo candidato durante uma acção de campanha nas ruas da cidade de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais. Um golpe no estômago que o obrigou a várias cirurgias, mas que nem por isso o arredou da corrida presidencial.

Uma das ideias que os opositores de Bolsonaro têm colocado nas redes sociais visa os grupos de apoio ao extremista, sublinhando que os seus correligionários rezam em frente do hospital pela saúde do homem que esperam que volte às ruas para continuar na sua senda de apelo à violência e defesa da misoginia. É, por exemplo, conhecido, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, o seu elogio enfático a Carlos Alberto Brilhante Ustra, antigo chefe do Destacamento de Operações de Informação-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e dito principal torturador da presidente brasileira durante o período da ditadura militar.

Ao próprio coronel Ustra, herói de Jair Bolsonaro, é apontada responsabilidade de dezenas de mortes e inúmeras sessões de tortura, sendo este um dos motes que fez emergir nos últimos meses muitos movimentos contra o candidato da extrema-direita: a união contra a iminência da eleição para a mais altra magistratura do Brasil de um candidato com uma visão tão tóxica da vida.

“É terrível pensar que poderemos vir a ter um presidente que não se interessa pela igualdade de género, que apoia a ideia de que as mulheres deveriam ter salários mais baixos do que os homens”, declarou a The Guardian Ludimilla Teixeira, executiva do ramo da publicidade de 36 anos e uma das fundadoras do grupo.
“Guerra civil” e “matança” é a solução

Os brasileiros que aderiram ao movimento “#elenao”, contra o voto na extrema-direita, têm colocado vários vídeos, a que juntam declarações polémicas que Bolsonaro colecionou ao longo dos anos. Um desses vídeos mostra um jovem Bolsonaro a defender a guerra civil como solução para endireitar o Brasil. “Matando. Se morrer alguns inocentes tudo bem”, afirma o capitão na reserva que pretende agora ocupar o Palácio do Planalto.





Mas este não é o único video em que são denunciadas as posições xenófobas, racistas e homofóbicas do candidato que faz do apelo à intolerância e a violência a principal arma eleitoral num país cujas ruas são há anos varridas pelo crime, roubo e execuções sumárias.

Por exemplo, o actor, argumentista, apresentador de televisão e realizador britânico Stephen Fry expôs o pensamento de Bolsonaro, concluindo a entrevista realizada há vários anos como a mais estranha em toda a sua vida.



Bruna Marquezine, actriz brasileira e namorada da estrela de futebol e capitão da selecção brasileira Neymar, tornou-se recentemente num dos alvos mais apetecíveis dos apoiantes de Bolsonaro após ter usado nas suas contas das redes sociais a hashtag #EleNão.

Numa luta sem quartel que ameaça fracturar a sociedade brasileira – como, aliás, já aconteceu com os norte-americanos na senda da eleição de Donald Trump –, Marquezine foi chamada de “burra”, “vagabunda” e “actriz de m¨¨da” que estaria ao serviço da Rede Globo num esquema da maior empresa de comunicação do Brasil contra Jair Bolsonaro. O argumento é aqui semelhante na estratégia ao caminho feito pela campanha de Trump nos Estados Unidos, nomeando os media como um dos seus principais inimigos.
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