Dilema da CDU alemã: aliar-se à esquerda ou à extrema-direita

por RTP
Bodo Ramelow (à dir.), Mike Mohring (ao centro) e Björn Höcke (à esq.). Ao centro, à frente, Thomas Kemmerich, do FDP. Ralph Orlowski, Reuters

Segundo partido mais votado nas eleições de domingo na Turíngia, a União Democrata-Cristã (CDU) deve agora decidir se quer aliar-se à esquerda vencedora (LP), para ser governo numa coligação a dois; ou ao terceiro partido, de extrema-direita (AfD), para ser governo numa coligação a três, incluindo os liberais.

As eleições na Turíngia inviabilizaram uma reedição da aliança entre o Partido da Esquerda, o SPD e os Verdes, que deixam de ter maioria. O Partido da Esquerda continua a ser o mais votado, mas aritmeticamente a única maioria que agora pode fazer é com os democratas-cristãos. Até aqui, ambos os partidos têm sempre declarado a sua fundamental e irredutível incompatibilidade.
Democratas cristãos contra a coligação com a Esquerda
O cabeça de lista da CDU na Turíngia, Mike Mohring, em entrevista ao Morgenmagazin da rádio pública ARD, respondeu a uma pergunta sobre a possibilidade de um governo de coligação entre a esquerda e a democracia cristã, dizendo: "Estamos disponíveis para uma responsabilidade assim e temos de avaliar primeiro o que isso significa para a Turíngia. Do meu ponto de vista, a estabilidade política Land é mais importante do que fazer apenas pelos interesses político-partidários".

Mohring lembrou que a CDU tem agora 21 assentos no parlamento local e que deve assumir as suas responsabilidades correspondentes. E assumiu que, nesse sentido, leva a cabo conversações com o chefe do governo local: "Se a CDU se negasse a isso, não estaria à altura da sua responsabilidade".

As reacções adversas dentro das fileiras democratas-cristãs não se fizeram esperar: Mark Hauptmann, um deputado democrata-cristão no Parlamento Federal eleito pela Turíngia, declarou-se "surpreendido com esta viragem de Mike Mohring" e considerou um "erro grave" abrir o debate sobre a possibilidade de uma aliança com a esquerda. Esse "erro", disse ainda, tornaria a CDU "totalmente pouco credível" e daria uma ideia de volubilidade política.

Também Bernd Althusmann, o líder democrata-cristão na Renânia Norte-Vestefália, pronunciou-se também contra qualquer aliança dos correligionários turíngios com a Esquerda.

Por seu lado, Annegret Kramp-Karrenbauer, a presidente da CDU a nível federal, lembrou que qualquer eventual coligação com a AfD ou com o LP terá de passar por uma autorização do congresso, como instância suprema do partido. Ainda recentemente a direcção da CDU reafirmou uma resolução anterior sobre a incompatibilidade com a Esquerda e consequente impossibilidade de cooperar com esse partido.

Mohring reagiu com azedume às chamadas de atenção vindas da cúpula nacional do partido: "Eu não preciso de Berlim para saber o que é importante para a Turíngia". E deixou escapar uma observação cáustica, a lembrar como se notara que "Berlim não foi útil nas semanas antes da eleição".
Democratas cristãos a favor de uma aliança com a AfD
Mas alguns dos objectores à coligação com a Esquerda vão mais longe e propõem, como alternativa, uma coligação com os liberais e a extrema-direita. Assim, o vice-presidente da bancada democrata-cristã no parlamento local, Michael Heym, lembrou que "aritmeticamente há suficientes [assentos] para uma aliança de AfD, CDU e FDP. Acho que isso não deve ser excluído de antemão". E, lembrando que a AfD conseguiu quase um quarto dos votos, comentou: "Não se presta um serviço à democracia, se se marginaliza um quarto do eleitorado".

A esta crítica substantiva, Heym juntou ainda uma crítica formal: embora Mohring possa conversar com todos os partidos, incluindo a Esquerda, ele falou publicamente de uma possível cooperação com a Esquerda sem primeiro ter apresentado a proposta nas instâncias partidárias.

Perante a discussão dos democratas-cristãos, interna na sua natureza, mas entretanto exposta na praça pública, o secretário-geral do SPD, Lars Klingbeil, lançou um repto à dirigente democrata-cristã Annegret Kramp-Karrenbauer no sentido de desautorizar claramente qualquer colaboração na Turíngia entre o seu partido e a extrema-direita: "Quem agora der a mão aos incendiários está a torná-los mais fortes". E disse estranhar que logo nas suas declarações da noite eleitoral a direcção nacional da CDU tivesse equiparado a AfD e a Esquerda.
Reacções da Esquerda à perspectiva de coligação com a CDU
Do lado da Esquerda, o chefe do Governo local turíngio, Bodo Ramelow não emitiu ainda qualquer comentário público à sugestão de diálogo de Mohring, mas a dirigente do partido, Henning-Welsow disse: "A oferta do sr. Mohring não me surpreende de todo. Nós temos dito que vamos falar com todos os partidos democráticos".

O chefe da bancada da Esquerda no parlamento local turíngio, Dietmar Bartsch, disse mesmo que, para além de todas as reservas das direcções partidárias federais, considera possível uma coligação na Turíngia entre a Esquerda e a CDU.

Pronunciando-se sobre a mesma questão, o presidente da bancada dos Verdes no Parlamento Federal, Anton Hofreiter, apelou a todos os partidos democráticos para que não pusessem de parte uma cooperação com o Partido da Esquerda e lembrou que o presidente do Governo turíngio, Bodo Ramelow, não pode ser posto no mesmo saco que a AfD de extrema-direita.

No polo oposto, o líder federal da AfD, Alexander Gauland, apelou à CDU a que se coligue com a AfD, após o "grandioso sucesso" eleitoral do seu candidato Björn Höcke, e acrescentou: "Agora queremos governar". Höcke é considerado o líder da AfD com mais marcadas simpatias neonazis.
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