Do IRA ao Sinn Féin e à paz. Morreu Martin McGuinness

por Carlos Santos Neves - RTP
A primeira-ministra britânica saudou o papel desempenhado por McGuinness na “saída do movimento republicano da violência” Clodagh Kilcoyne - Reuters

O antigo vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte Martin McGuinness, rosto do IRA e do movimento nacionalista republicano convertido à paz, morreu na última noite aos 66 anos, vítima de doença cardíaca. O Sinn Féin deixou já uma nota de “imensa tristeza”. E a primeira-ministra britânica atribuiu-lhe um “contributo essencial e histórico”.

Bloody Sunday, ou Domingo Sangrento. No dia 30 de janeiro de 1972, em Derry, na Irlanda do Norte, o exército britânico matava 13 republicanos. Martin McGuinness era então o número dois do IRA, o Exército Republicano Irlandês.
Martin McGuinness demitira-se em janeiro deste ano do cargo de vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, na sequência de um desentendimento com o unionista DUP, o outro partido no poder. Abandonou pouco depois a política.

Num longo trajeto, partindo da luta armada, tornar-se-ia um elemento fulcral no processo de paz da Irlanda do Norte. Trabalhou no seio do Governo de poder partilhado saído do Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado a 10 de abril de 1990 em Belfast.

“Era um republicano apaixonado que trabalhou sem descanso para a paz e a reconciliação e pela reunificação do seu país. Mas amava toda a sua família e as gentes de Derry, de que se orgulhava imensamente”, reagiu Gerry Adams, o líder histórico do partido de McGuinness, Sinn Féin.

Também o Presidente irlandês Michael Higgins quis anotar “o imenso contributo para a paz e a reconciliação na Irlanda do Norte”.

De Londres para a Irlanda do Norte, a primeira-ministra britânica apontou o papel desempenhado por Martin McGuinness no processo que levou o movimento republicano a “sair da violência”. “Ao agir dessa forma, ele deu um contributo essencial e histórico no caminho para a paz na Irlanda do Norte”, acrescentou Theresa May.
“Um republicano impenitente”

McGuinness chegou a ter o estatuto de inimigo público número um no auge do conflito da Irlanda do Norte entre nacionalistas, de maioria católica, e unionistas, de maioria protestante. Uma guerra civil que perdurou de 1967 a 1998 e que causou mais de três mil mortos.
“A minha guerra terminou. A minha missão, enquanto dirigente político, é impedir essa guerra”, afirmava Martin McGuinness num documentário de 2002.
Nos anos mais sangrentos do conflito, a imprensa britânica chamou ao dirigente católico do IRA “o mais perigoso inimigo da coroa”.

Quando trocou a boina de guerrilheiro pelo fato de político, Martin McGuinness recusou-se a ocupar um assento no Parlamento de Westminster, contestando uma vez mais a soberania de Isabel II. Acabaria, contudo, por se encontrar por várias ocasiões com a monarca. O último destes encontros aconteceu em junho de 2016.


Foto: Russell Boyce - Reuters

“Sou um republicano impenitente, mas reconheço o grande contributo da Rainha Isabel para a paz e a reconciliação”, admitia então à saída da conversa.

Citado pela BBC, Colin Parry, que em 1993 perdeu um filho de 12 anos num atentado à bomba do IRA em Warrington, referiu-se a McGuinness como um “homem sincero no seu desejo de paz”, sem ir ao ponto de o perdoar.
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