Esforço africano na luta contra a pandemia elogiado por CDC

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Siphiwe Sibeko - Reuters

O diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (CDC África) deixou um elogio aos Estados africanos pelo esforço na contenção da propagação do novo coronavírus. Especialistas descrevem o lento avanço da pandemia no continente como um “enigma” e várias são as teorias apontadas para a sua explicação.

Com condições de vida mais precárias, habitações sobrelotadas que impedem o cumprimento do distanciamento físico e sistemas de saúde frágeis, a maioria das previsões apontava para um cenário catastrófico da evolução da pandemia no continente africano. Especialistas alertavam para 250 milhões de casos de infeção e até 190 mil mortos.

No entanto, os números atuais estão muito abaixo destas previsões e a evolução da pandemia tem contrariado uma realidade que contradiz aquilo que era expectável. Desde o início de março, África registou 1,4 milhões de casos confirmados de infeção e 34 mil mortes – números que estão muito abaixo dos registados na Europa, Ásia ou América.

Para explicar este aparente sucesso na luta contra a pandemia, vários especialistas apontaram para a população mais jovem, com menos comorbidades ou fatores de risco. Os níveis mais baixos de obesidade por exemplo, comparativamente aos mais elevados nos EUA e na Europa, ajudam a explicar a menor letalidade.

John Nkengasong, diretor do CDC África, explicou ainda que as rápidas intervenções desempenharam um papel crucial na redução da propagação da Covid-19 no continente africano.

Todos os Estados africanos implementaram um conjunto de medidas de combate à Covid-19 assim que foram notificados os primeiros casos em março. Nkengasong atribui, no entanto, o sucesso do baixo número de casos a um “esforço continental conjunto”, que se focou na “intensificação da testagem, acompanhamento da monitorização de contactos e, principalmente, no uso de máscara”.

“Em muitos países, incluindo na Etiópia, onde eu vivo, se forem às ruas de Adis Abeba, irão ver que quase 100 por cento das pessoas usa máscara”, disse o diretor do CDC África à BBC.

“Este vírus está na comunidade e sem uma forte resposta comunitária e um forte envolvimento da comunidade não há hipótese de o combater”, acrescentou Nkengasong, sublinhando que a experiência de combate a outras surtos, como do vírus Ébola, ajudou os países africanos a delinear um plano eficiente de resposta à Covid-19.

No entanto, uma outra explicação que tem sido apontada para a baixa mortalidade neste continente consiste na possibilidade de não estarem a ser contabilizadas todas as infeções e mortes associadas à Covid-19 nos registos oficiais. Nkengasong descreve, por sua vez, estas alegações como “falsas”.

“Podemos não ter contabilizado todos os casos, assim como em outras partes do mundo, mas aqui não vemos pessoas a cair mortas nas ruas ou enterros em massa a acontecer”, sublinhou o diretor do CDC África.

Os cientistas reconhecem que nem sempre é fácil obter dados confiáveis, mas explicam que mesmo que não tenha existido uma contabilização exata, a África do Sul e os restantes países tiveram um desempenho "impressionante".
Várias teorias apontadas
Nos estágios inicias da pandemia, vários especialistas concordavam que o continente enfrentava uma grande ameaça com o novo coronavírus. “Achei que estávamos a caminhar para um desastre, um colapso completo”, admitiu o professor Shabir Madhi, o principal virologista da África do Sul e uma figura importante na procura por uma vacina para Covid-19.

No entanto, a realidade revelou-se diferente do que apontavam as previsões, com a África do Sul a registar uma taxa de mortalidade por Covid-19 sete vezes mais baixa do que a do Reino Unido.

“A maioria dos países africanos não tem um pico de infeções. Não percebo porquê. Estou completamente perdido”, disse Madhi, citado pela BBC. “Isto é um enigma. É completamente inacreditável”, acrescentou o virologista.

“A densidade populacional é um fator-chave. Se não houver a capacidade de manter o distanciamento social, o vírus multiplica-se”, alertou o professor Salim Karim, chefe da equipa consultiva do Ministério da Saúde sul-africano para a Covid-19.

No entanto, especialistas estão agora a equacionar o oposto: e se essas condições de sobrelotação são responsáveis por uma proteção suplementar contra a Covid-19?

“Parece possível que as nossas dificuldades, as nossas más condições, possam estar a trabalhar a favor dos países africanos e da nossa população”, disse o professor Madhi.

A sustentar esta hipótese está uma recente teoria que, como uma possível resposta para este “enigma”, aponta que poderá existir um grau de imunidade à Covid-19 desenvolvido pela população africana pela exposição a outros tipos de coronavírus, associados a gripes comuns.

“É uma hipótese”, reconheceu Madhi, explicando que dados científicos dos EUA também parecem sustentar esta possibilidade de uma imunidade pré-existente. “A proteção pode ser muito mais intensa em áreas densamente povoadas, em contextos africanos. Isso pode explicar por que a maioria tem infeções assintomáticas ou menos graves”, acrescentou o professor.

“Não consigo pensar em mais nada que possa explicar o número de pessoas completamente assintomáticas que estamos a ver. Os números são completamente inacreditáveis”, disse Madhi.

Nas últimas 24 horas, África registou mais 255 mortos e 8.319 casos confirmados de infeção por Covid-19.
No total, o continente africano regista 34.327 óbitos e 1.420.629 casos confirmados. A África do Sul é o país mais afetado pela pandemia do continente, com um total de 663.282 casos e 16.118 óbitos.

Apesar da queda no número de casos que tem vindo a ser observada, os especialistas alertam para a possibilidade de um aumento acentuado nos próximos meses e para a hipótese de uma segunda vaga de infeções, à medida que vários países diminuem as restrições.
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