Espanha. Questão catalã marca debate a quatro

por Graça Andrade Ramos - RTP
Da esq para a drt. Os líderes do PP, Pablo Casado, do Ciudadanos, Albert Rivera, do PSOE, Pedro Sánchez e do Podemos, Pablo Iglésias, no debate de segunda-feira 22 de abril, em Espanha Reuters

No próximo domingo, a Espanha vai a votos. O debate da última noite, entre os quatro principais líderes políticos do país vizinho, desenhou o embate que se prevê para as urnas: divisão sem vencedores claros e os indecisos a deter todos os jokers. A independência catalã e a unidade territorial de Espanha marcaram o duelo.

Pedro Sánchez, do PSOE, primeiro-ministro cessante, foi o bombo da festa tanto nas questões territoriais como económicas, com Pablo Casado (PP) e Albert Rivera (Ciudadanos) a desmancharem-lhe sucessivamente argumentos.

Defendeu-se, mas não convenceu. Os seus líderes rivais, respetivamente, da direita e do centro-direita marcaram terreno também entre si.

Os analistas dos jornais El Mundo e ABC dão aqui vantagem a Rivera sobre Casado, destacando a forma incisiva como o candidato do centro-direita abordou as questões, sobretudo a nível económico.

Neste debate, ocorrido durante a primeira hora, ficaram sublinhadas claramente as diferentes estratégias económico-financeiras da esquerda e da direita.

Daniela Santiago, correspondente da RTP em Madrid
Debate morno
Pablo Casado defendeu as conquistas dos Governos PP, aproveitando para rebater decisões do PSOE, desde que este assumiu o Governo em junho de 2018.

Comprometeu-se a criar dois milhões de empregos e elaborou a sua "revolução fiscal" que dará, garante, mais 700 euros a cada espanhol. Foi apanhado de surpresa pelos contínuos ataques de Rivera e chegou a responder de forma cáustica.Rivera perdeu, contudo, na defesa de um dos seus cavalos de batalha, o cartão de saúde único para todo o território. "Já está aprovado", respondeu-lhe Casado.

O líder do Ciudadanos, enquanto propunha uma aliança com o PP para um "governo constitucional", tentou distanciar-se de Casado, atacando tanto o líder do Partido Popular como o líder do PSOE, acusando-os de ter feito a Espanha "perder uma década".

Até recordou a Casado que a artífice do "milagre económico" do PP, María Jesús Montero, está na prisão. "Escondam as carteiras, se Sánchez e Iglésias chegarem ao Governo", atirou ainda.

Face aos contínuos golpes dos rivais, as respostas de Sánchez deixaram algo a desejar.

O líder socialista assegurou de forma vaga que, a ser reeleito, continuará a "conciliar crescimento económico e social", apontando o dedo "às duas direitas" que acusou de "bloquear as suas iniciativas sociais", ao mesmo tempo que recordava a Casado que o PP "aprovou a amnistia fiscal".

Dos quatro líderes, Iglésias foi o mais apagado. Tentou mostrar-se mais disciplinado e disposto a centrar-se nas perguntas, sem entrar em conflito e menos agressivo que o habitual.

Conseguiu passar a ideia de que os bancos devem devolver os 60 mil euros do resgate financeiro e a necessidade de um imposto sobre as grandes fortunas, assim como a descida do IVA nalguns produtos. Depois, praticamente desapareceu.

Ataques e contra-ataques

À semelhança de uma campanha pouco emotiva e apesar da oportunidade de marcar a diferença, os candidatos só meteram "prego a fundo" na questão das independência da Catalunha. Iam preparados para o debate, incluindo com fotografias e outras provas documentais.

Sánchez atacou Casado, depois de remeter Rivera para canto e, olhando-o nos olhos no que foi um dos momentos mais marcantes do debate, brandiu papéis. "A direita trapaceia com as palavras", acusou.

"Estas são 127 iniciativas do PP basco, assinadas com Bildu. De que côr estão as suas mãos machadas, senhor Casado?", questionou.

Apesar da indignação, Casado foi incapaz de explicar convincentemente que a sua expressão "mãos manchadas" se dirigia ao grupo de Arnaldo Otegi, ex-líder marxista do Herri Batasuna (basco), e não a Sánchez.Sánchez referia-se a Euskal Herria Bildu, uma coligação política espanhola de âmbito basco, ideologicamente conotada com a esquerda regionalista/separatista.

O ataque do líder socialista foi uma gota de água num oceano de defesas. A direita premiu por seu lado a tecla da integridade nacional até à exaustão, contra as tentativas de diálogo de Sánchez.

"A unidade de Espanha está em risco, devido ao Governo socialista de Pedro Sanchez", acusou Casado. "Aqueles que quiserem estilhaçar a Espanha têm em Sánchez o candidato favorito", ironizou.

"Queremos que o futuro de Espanha fique nas mãos daqueles que pretendem liquidar a Espanha?", perguntou por seu lado Rivera, lembrando com fotos as reuniões entre Sánchez e o líder separatista catalão Quim Torra e questionando os indultos que o socialista poderá conceder aos líderes separatistas detidos, caso estes sejam condenados.

Encostado às cordas, o líder dos socialistas espanhóis defendeu-se com a divisão entre esquerda e direita, destacando a aposta socialista no diálogo como resposta à retórica nacionalista da direita, ao mesmo tempo que dizia ser contra a independência da região.

Acusado pelos rivais de mentir, propôs-lhes que usassem um "detetor de mentiras para saber se algum deles diz alguma verdade".
Todos dependentes
A receita da noite teve assim na independência catalã o ingrediente mais animador, que provocou tensões, acusações mútuas de mentiras, de incapacidade de combater a corrupção e de fuga à realidade, tudo misturado com farpas certeiras.

Ou seja, se o debate for exemplo, as escolhas dos eleitores serão ditadas pela emoção quanto ao separatismo versus unidade espanhola, mais do que questões políticas ou económicas. O escrutínio anuncia-se um dos mais fraturantes desde o regresso à democracia nos anos 70.

As sondagens preveem uma vitória socialista, mas sem número suficiente de deputados para maioria plena. Pelo contrário. Para governar, o PSOE deverá necessitar pelo menos do apoio do Podemos de Pablo Iglesias - a extrema esquerda anti-austeridade - e talvez até dos nacionalistas, incluindo catalães.

A direita terá ainda mais problemas em obter lugares suficientes para governar, mesmo que o PP e o Ciudadanos se unam.
Cenários imprevisíveis
O elevado número de indecisos - estimados em 40 por cento - leva à admissão de todos os cenários, até porque é impossível prever quantos eleitores - e deputados - irá arrebatar o nacionalista e extrema-direita, Vox - que não foi convidado para o debate apesar de ter irrompido com estrondo na vida política espanhola, o ano passado.

Do debate não surgiu, todavia, nenhuma perspetiva de coligação ou de geringonça, com Rivera a repetir que nunca se irá aliar ao PSOE para viabilizar um Governo socialista.

Também Iglésias, o mais inconsequente no plateau e que poderá usar os socialistas para chegar ao poder, não conseguiu o que mais pretendia, a saber, uma recusa clara de Sánchez quanto à ideia de aliança com o Ciudadanos.

Um novo debate está previsto para esta terça-feira, dando uma nova oportunidade aos quatro líderes para marcarem terreno antes de domingo.
pub