Espionagem e documentos secretos: como o Irão controla o Iraque

por RTP
O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul Mahdi (ao centro), copm outros dignitários do regime de Bagdade Khalid al-Mousily, Reuters

Centenas de documentos dos serviços secretos iranianos revelam a guerra sombria pelo controlo da região, casos de espionagem iraniana e a interferência política do Irão no Iraque.

São mais de 700 páginas que vêm provar a tentativa de o Irão exercer a sua influência política no Iraque, nos últimos 20 anos. Os documentos secretos começaram a ser divulgados esta segunda-feira pelo jornal norte-americano The New York Times e pelo site The Intercept.

Uma fonte anónima terá enviado para o Intercept um arquivo com mais de 700 páginas com correspondência do Ministério da Inteligência e Segurança do Irão (MOIS na sigla em inglês). Nesses documentos são revelados detalhes sobre diversas ações de espionagem e interferência política, tanto no Iraque como noutros países da região.

Os documentos, traduzidos do persa para o inglês, mostram evidências de como o Irão tem tentado infiltrar-se na política, na economia e nos aspetos religiosos do Iraque. De acordo com a publicação, Teerão tem influenciado as decisões iraquianas elegendo para o poder pessoas da sua confiança e subornando espiões iraquianos, que trabalham para os Estados Unidos, para que mudem de lado.

Os relatórios citados pelo jornal são relativos aos anos de 2014 e 2015 e foram escritos, na sua maioria, por oficiais do MOIS, suscitando dúvidas sobre a relação entre o atual primeiro-ministro do Iraque e o Irão. Numa das mensagens reveladas é referido que Adil Abdul Mahdi tinha "uma relação especial com a República Islâmica do Irão".

Embora não se saiba nem se possa esclarecer que relação era, a verdade é que tanto o Irão como os EUA aceitaram Mahdi com primeiro-ministro do Iraque.

No entanto, os relatórios também provam que os ex-primeiros-ministros Haider al-Abadi e Ibrahim al-Jafari, assim como o ex-presidente do parlamento Salim al-Jabouri, eram políticos com ligações estreitas ao Irão.
Irão infiltrado tinha acesso a informações secretas

Os documentos referem-se ao tempo em que o Irão se aproveitou da saída da maioria das forças americanas do Iraque, o Estado Islâmico estava em ascensão, a guerra civil já devastava a Síria e a Arábia Saudita estava prestes a iniciar a guerra no Iêmen.

Segundo o New York Times, o Irão conseguiu obter muito mais informações após a retirada das tropas dos EUA do Iraque em 2011, que segundo o jornal deixou os agentes iraquianos da CIA "desempregados e desamparados".

Dessa forma, este agentes começaram a oferecer informações sobre as operações da CIA no Iraque em troca de dinheiro, segundo o relatório.

Segundo as informações detalhadas destes documentos, as conversas secretas entre diplomatas norte-americanos e algumas das suas fontes no Iraque eram relatadas aos iranianos, por exemplo.

Um assessor de um líder do Parlamento iraquiano foi identificado, nesses documentos, como um colaborador do Irão que detalhava aos iranianos o conteúdo das suas conversas com os americanos. Num memorando escreveu: "Temos um número razoável de aliados entre os líderes iraquianos nos quais podemos confiar até de olhos fechados".

Como forma de pagamento por essas informações, o Intercept esclarece que incluiam ofertas de açafrão, pistáchios e dinheiro.

Embora os documentos detalhem muito as ações iranianas para controlar e influenciar o poder iraquiano, o Irão foi mais além. De forma a estar sempre um passo à frente dos EUA, que usam o Iraque como ponto estratégico no Médio Oriente, o Irão subornou agentes da CIA e acedia às informações relativas aos planos que os norte-americanos tinham para o Iraque.

Há mesmo relatos de um telegrama que menciona uma tentativa de os iranianos colocarem um espião na Administração norte-americana.

Na verdade, a influência do Irão no Iraque não é novidade. Só não era clara a dimensão.

Nos recentes protestos que têm levado à rua dezenas de mihares de manifestantes desde outubro, os cidadãos pedem melhores condições de vida, o fim da corrupção e a saída do primeiro ministro Adil Abdul-Mahdi e querem também o fim da influência do Irão sobre a política local.

Mas só agora, com a divulgação destes documentos é que se pode demonstrar que a relação de influência é muito mais profunda e complexa do que se imaginava.
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