Em direto
Guerra no Médio Oriente. A escalada do conflito entre Irão e Israel ao minuto

"Estes massacres têm de acabar". Biden e Harris exortam Congresso a aprovar lei de venda de armas

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Kevin Mohatt - Reuters

Perante um país abalado pelos recentes tiroteios que fizeram 18 mortos, a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, diz que o presidente Joe Biden está "preparado para assinar" medidas de controlo de venda de armas. A Câmara dos Representantes aprovou este mês duas propostas de lei que visam reforçar a verificação de antecedentes dos compradores de armas, mas é pouco provável que recebam luz verde por parte do Senado.

A venda e posse de armas é um dos temas mais complexos da política norte-americana. O direito ao porte de armas é protegido pela Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Os democratas há muito exigem medidas mais rígidas de controlo de armas, mas muitos conservadores, incluindo o antigo presidente Donald Trump, veem qualquer restrição como uma violação deste direito constitucional.

Este debate voltou a ficar aceso após os recentes tiroteios que mataram 18 pessoas num espaço de uma semana.

Apenas seis dias depois do massacre em três casas de massagens
em Atlanta, que fez oito vítimas mortais, seis das quais mulheres de origem asiática, um outro tiroteio ocorreu na passada segunda-feira, num supermercado na cidade de Boulder, e vitimou dez pessoas, entre elas um polícia, o primeiro a responder à ocorrência e que tentou travar o atirador.

Em ambos os casos, os atiradores tinham 21 anos e usaram espingardas de assalto do tipo AR-15, uma arma frequentemente utilizada em tiroteios.

Perante estes incidentes, a Câmara dos Representantes aprovou, a 11 de março, duas leis que obrigam os vendedores de armas a solicitarem ao FBI uma verificação dos antecedentes dos compradores. A lei precisa agora de ser aprovada no Senado, onde o caminho para a luz verde será mais difícil.
“Estes massacres têm de acabar”
Tanto o presidente norte-americano como a vice-presidente pressionaram o Senado a aprovar esta lei, defendendo que “é preciso agir”.

“Podemos salvar vidas” com o controlo de armas, afirmou Joe Biden numa declaração feita a partir da Casa Branca, em Washington, sobre o tiroteio ocorrido na segunda-feira. “Não é preciso esperar mais um minuto, muito menos uma hora, para tomar medidas de bom senso que irão salvar vidas no futuro e para exortar os meus colegas na Câmara [dos Representantes] e no Senado a agirem”, acrescentou o governante.

“Não devia ser uma questão partidária”,
disse ainda Biden. “Esta é uma questão americana. Isto salvará vidas, vidas americanas”, apelou.

“Não existe motivo para termos armas de assalto nas ruas de uma sociedade civil. São armas de guerra”, defendeu a vice-presidente Kamala Harris durante uma entrevista à CBS esta quarta-feira.

“A questão é que o Congresso precisa de agir”, apelou Harris. “Da parte da Câmara dos Representantes já o fizeram. Existem dois projetos de lei que o presidente está preparado para assinar e, portanto, precisamos que o Senado aja”, insistiu. “Estes massacres têm de acabar”, afirmou a vice-presidente.
Democratas bloqueados no Senado
O líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, prometeu na manhã desta terça-feira levar ao plenário do Senado a legislação aprovada pela Câmara dos Representantes, defendendo que a Câmara Alta “deve enfrentar uma verdade devastadora” após quase três décadas de falta de ação por parte do Congresso sobre a venda e posse de armas.

“Este Senado será diferente”, disse Schumer, um dia depois do tiroteio em Boulder, no Colorado. “O Senado vai debater e abordar a epidemia de violência armada neste país”, prometeu.

O senador democrata Richard Blumenthal, que tem pressionado pela expansão do controlo de armas desde o tiroteio de 2012 na Escola Primária Sandy Hook, no estado do Connecticut, que matou 20 crianças de seis e sete anos, mostrou-se otimista pela possibilidade de virem a ser implementadas novas leis com Joe Biden na Casa Branca e os democratas com a maioria nas duas câmaras (Câmara dos Representantes e Senado). Blumenthal apelidou esta nova fase da política norte-americana de “o despertar de uma nova era”.

No entanto, a realidade parece ser mais complicada e desfavorável para os democratas, uma vez que não têm apoio suficiente entre os republicanos no Senado para aprovar os dois projetos de lei.

Dado que os democratas e republicanos partilham a Câmara Alta do Congresso com 50 cadeiras cada, para que uma lei seja aprovada, é necessário um mínimo de 60 votos. Ou seja, os democratas precisavam de ter do seu lado pelo menos dez republicanos, o que parece pouco provável, dado que na votação na Câmara Baixa apenas oito republicanos votaram a favor da proposta. Para além disso, parece nem existir consenso sobre este tema no núcleo do partido democrata.
Congresso dividido
A clara oposição partidária ficou visível durante uma audiência da Comissão de Assuntos Judiciais do Senado norte-americano na terça-feira, que foi agendada antes do tiroteio em Boulder e do massacre da semana passada. Durante esta audição, os republicanos mantiveram a oposição a qualquer tipo de controlo de armas, não mostrando qualquer sinal de hesitação.

O senador republicano Ted Cruz afirmou que o Senado monta um “teatro ridículo” cada vez que há um tiroteio, acusando os democratas de proporem leis que visam “tirar as armas aos cidadãos cumpridores da lei”.

Os republicanos argumentam que a verificação de antecedentes não travaria os tiroteios em massa e acusam os democratas de estarem a limitar a Segunda Emenda à Constituição, ao tentarem impedir os proprietários legais de armas de comprar armas de fogo. “Quando desarmamos os cidadãos cumpridores da lei, eles ficam mais vulneráveis. Se quiserem travar os assassinos, vão atrás dos assassinos”, defendeu Ted Cruz.

A vice-presidente acusou, por sua vez, os republicanos de estarem a estabelecer “escolhas falsas”. "Isto não é sobre eliminar a Segunda Emenda", disse Harris. "Trata-se simplesmente de dizer que precisamos de leis razoáveis de segurança de armas", defendeu.

O senador republicano John Kennedy comparou o agravamento da violência armada no país aos condutores embriagados, alegando que a resposta a estes últimos não seria “livrar-se de todos os condutores sóbrios”.

Perante este desentendimento partidário, o futuro destes dois projetos de lei parece vir a ser o mesmo das últimas batalhas do Partido Democrata pela defesa do controlo de armas nas últimas décadas, sendo que o último grande impulso decorreu em 2013, após o massacre de dezembro de 2012 que vitimou 20 crianças.

Os democratas veem, assim, falhados os esforços de restabelecer a lei que proibia o fabrico e venda de armas de assalto que vigorou de 1994 a 2004. A lei foi aprovada na Administração de Bill Clinton, quando Joe Biden chefiava na altura a Comissão de Justiça do Senado. Biden defende agora que esta lei "derrubou os assassinatos em massa" e defende que deveria ser colocada de novo em prática.

Vários estudos comprovam que as mortes em tiroteios em massa diminuíram notavelmente durante o período em que esta lei esteve em vigor. Um relatório publicado em 2019 concluiu que este tipo de incidentes "era 70 por cento menos provável de ocorrer" entre 1994 e 2014. Um estudo mais recente, publicado em 2020, conclui que “as leis estaduais que exigem uma licença para comprar uma arma de fogo, que inclui uma verificação de antecedentes, estão associadas a 60 por cento menos de probabilidade de ocorrer um tiroteio em massa”.

Segundo o Washington Post, quase 20 mil americanos morreram em consequência da violência armada em 2020, um número superior ao de qualquer outro ano nas últimas duas décadas. A maioria destes tiroteios ocorreu em residências e nas ruas, afetando desproporcionalmente a comunidade negra.
Tópicos
pub