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Estudo norte-americano. Mutações tornam SARS-CoV-2 mais contagioso

por RTP
Amir Cohen - Reuters

Desde que apareceu, o SARS-CoV-2 tem sofrido várias mutações. Um novo estudo norte-americano revela agora que este coronavírus está a tornar-se mais contagioso, o que pode explicar recrudescimento de infeções nos Estados Unidos.

Uma equipa de investigação de Houston, no Texas, analisou mais de cinco mil sequências genéticas do novo coronavírus e concluiu que este tem vindo a sofrer mutações à medida que se propaga pela população. Embora os especialistas reconheçam que a maioria dos vírus sofre sempre ligeiras mutações, este estudo revela que o SARS-CoV-2 tem-se tornado mais contagioso.

No entanto, não há dados que indiquem que à medida que se vai modificando e propagando se tenha tornado mais letal ou que provoque diferentes sintomas e efeitos.

Qualquer coronavírus, como o SARS-CoV-2, é relativamente estável enquanto vírus, porque tem um mecanismo de revisão à medida que se replica.

"Cada mutação é um jogo de dados e com a transmissão tão difundida nos Estados Unidos - que continua a ter dezenas de milhares de novas infeções diariamente - o vírus teve oportunidades abundantes de mudar, potencialmente com consequências problemáticas", disse autor do estudo, James Musser, do Houston Methodist Hospital, ao Washington Post.

"Demos muitas oportunidades a este vírus", disse ainda Musser. "Há uma população enorme agora".

Um dos exemplos explicado no estudo é a mutação que afeta a proteína spike que mudou o aminoácido 614 de "D" (ácido aspártico) para "G" (glicina). A investigação sugere que esta pequena mudança - que afeta três cadeias de aminoácidos idênticas - pode aumentar a transmissibilidade do vírus.

Comparando com as descobertas de um outro estudo britânico, divulgado no início de setembro, os investigadores concluíram que que uma mutação que altera a estrutura da "proteína spike" na superfície do vírus pode potenciar a disseminação excessiva dessa estirpe em particular.

David Morens, virologista do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, analisou a investigação e considera que há mesmo uma forte possibilidade de o vírus se ter tornado mais transmissível. No entanto, lembra que essas mutações podem ter "implicações na nossa capacidade de o combater". Segundo o cientista, o coronavírus pode ter sofrido alterações justamente para responder às barreiras e medidas de saúde pública que nós criámos para o combater, como o distanciamento social por exemplo.

"Usar máscara, lavar as mãos, todas estas coisas são barreiras para a transmissibilidade ou para o contágio, mas conforme o vírus se torna mais contagioso torna-se mais urgente contornar essas barreiras", disse ainda.

Morens explicou à publicação que, a confirmar-se as conclusões do estudo, o vírus pode continuar a sofrer mutações mesmo depois de haver uma vacina, o que significa que a vacina terá que ser modificada frequentemente, à semelhança da vacina contra a gripe que é alterada todos os anos.

"Embora ainda não saibamos, é bem possível que este coronavírus, quando a imunidade populacional ficar alta o suficiente, encontre uma maneira de contornar a nossa imunidade", disse Morens. "Se isso acontecesse, estaríamos na mesma situação da gripe. Teremos que perseguir o vírus e, conforme for sofrendo mutações, teremos que mexer na nossa vacina".

Jeremy Luban, virologista da University of Massachusetts Medical School, disse que "o artigo de Houston destaca o facto de que, em relação ao SARS-CoV-2, precisamos de permanecer vigilantes e aumentar a capacidade de monitorizar o vírus quanto a mutações".
Como se modificou o vírus nos EUA?
No Houston Methodist, cujo hospital principal faz parte do Texas Medical Center no centro de Houston, os cientistas estão a estudar o genoma de 30 mil caracteres do novo coronavírus desde o início de março, mas o documento apenas refere 5085 sequências.

A investigação mostra que o vírus se disseminou pelos bairros de Houston em duas vagas: primeiro atingindo indivíduos mais ricos e mais velhos, mas depois começou a espalhar-se, na segunda vaga, para pessoas mais jovens e bairros mais pobres - afetando muitos residentes latino-americanos da cidade.

À medida que o vírus se propagava, crescia o "catálogo de mutações", muitas destas alterando a "proteína spike" - a estrutura que permite que o vírus entre nas células.

Os dados genéticos revelam que o vírus chegou a Houston de diferentes formas, provavelmente no início atarvés de viagens. Cerca de 71 por cento dos vírus que chegaram inicialmente foram caracterizados sendo da mesma estirpe do vírus que apareceu na China em dezembro, mas ao longo do tempo foi sofrendo mutações.

Na segunda vaga do surto em Houston, o estudo descobriu que a variante que altera a proteína spike passou a ter 99,9 por cento de prevalência, dominando o surto. Os investigadores descobriram ainda que as pessoas infetadas com esta estirpe tinham cargas maiores de vírus no trato respiratório superior, um fator que potencia mais o contágio.

"Acho que há evidências muito boas e consistentes com a seleção imunológica que estão a atuar em certas regiões da proteína do spike", disse Musser.

As mutações no vírus ocorrem aleatoriamente, mas cada novo caso de infeção permite que mais mutações ocorram, segundo explica o estudo. Por isso, o autor do artigo científico considera que, com a velocidade a que ocorrem estas mutações, os cientistas têm de sequenciar o suficiente para antecipar e descobrir qual será a mutação seguinte do coronavírus.

O estudo estima que em Houston apenas cerca de dez por cento dos casos conhecidos de coronavírus foram sequenciados.

"Acho que precisamos de fazer isto de forma bastante agressiva em vários locais e em tempo real", disse Musser. "Acho que é vergonhoso não estarmos já a fazer isso".
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