ETA pede desculpa a poucas semanas de anunciar a dissolução

por Christopher Marques - RTP
Um mural fotografado em 2017, depois de a ETA ter anunciado a entrega das suas armas. “ETA. O povo está com vocês”, lê-se no grafiti. Vincent West - Reuters

A ETA pede desculpa e reconhece o “dano causado durante a sua trajetória armada”. Em comunicado, o grupo independentista presta homenagem às vítimas do conflito e pede uma “solução democrática para um conflito político”. A ETA insiste ainda que a violência começou antes da sua criação e recorda os bombardeamentos de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola. A organização denuncia a existências de pessoas com “outros interesses políticos” a “complicar a situação” e lamenta os atos de violência pelo qual ninguém se responsabilizou.

Seis anos depois do fim da violência, um ano depois da entrega das armas, a ETA dá mais um passo rumo à sua própria dissolução. Através de um comunicado, a organização independentista pede desculpa às vítimas e reconhece o “dano causado durante a sua trajetória armada”.

A organização mostra ainda o seu “compromisso com a superação definitiva das consequências do conflito e a sua não repetição”, recordando todas as vítimas do mesmo: “mortos, feridos, torturados, sequestrados ou pessoas que foram obrigadas a fugir para o estrangeiro”.

“Um sofrimento desmedido. A ETA reconhece a sua responsabilidade direta nesta dor e quer deixar claro que nada de isto deveria ter acontecido ou se ter prolongado durante tanto tempo. Há muito tempo que este conflito político e histórico deveria ter contado com uma solução democrática justa”, escreve o grupo, no comunicado datado de dia 8 de abril mas que só esta sexta-feira publicado nos jornais bascos Gara e Berria.

O grupo Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) surgiu no fim dos anos 50, ainda Espanha vivia sob a ditadura do general Franco. O grupo terrorista é a principal organização do Movimento de Libertação Nacional Basco, definindo-se como um grupo socialista que luta pela independência daquela região franco-espanhola. Recorreu às armas para levar avante o seu objetivo, sendo responsabilizado por 829 mortes.

Nos últimos anos, o grupo deu início a um processo de desmobilização e de abandono da luta armada. A ETA anunciou que não recorreria mais à violência em 2011. Em 2017, o grupo revelou à justiça francesa a localização dos seus depósitos de armas. Espera-se que, no princípio de maio, o grupo anuncie o seu fim definitivo.
"Sofrimento imperava antes"
Na nota de culpa revelada esta quinta-feira, a Euskadi Ta Askatasuna não deixa de sublinhar que “o sofrimento imperava antes do nascimento da ETA e continuou depois de a ETA abandonar a luta armada”. O grupo recorda o bombardeamento de Guernica, levado a cabo pelos aliados nazis e fascistas de Franco em 1937, em plena guerra civil espanhola.

“As gerações posteriores ao bombardeamento de Guernica herdaram aquela violência e aquele lamento. Cabe-nos a nós que as próximas gerações tenham outro futuro”, defende o grupo.

A ETA afirma estar consciente da dor e dos “muitos danos” que a sua luta armada significou, mostrando respeito para com “os mortos, feridos e vítimas das ações da ETA”. O grupo lamenta ainda que, “em consequência de erros ou decisões erradas”, haja vítimas que nada tenham a ver com o conflito.

“Sabemos que, obrigados pela nossa necessidade de usar qualquer tipo de luta armada, a nossa atuação prejudicou cidadãos e cidadãs sem qualquer responsabilidade. Também provocámos danos graves que não podem ser apagados. A estas pessoas e seus familiares pedimos desculpa”, escreve a ETA, apesar de reconhecer que “as palavras não resolvem o que aconteceu”.
Contra a "ocultação" do passado
No mea culpa feito pela organização, a ETA não esquece o que considera terem sido ações “completamente injustas” para com os independentistas, apesar de “realizadas sob o disfarce da lei”, realizadas pelas “forças do Estado” e pelas “forças autonómicas”.

“Nada pode mudar o passado, mas uma das piores coisas que se poderia fazer agora seria desfigurar ou ocultar determinados episódios. Reconhecemos todos a nossa responsabilidade e o dano causado. Apesar de não termos o mesmo ponto de vista e os mesmos sentimentos, todos deveríamos reconhecer, com respeito, o sofrimento padecido pelos outros. É isto que a ETA quer expressar”, sublinha o grupo no penúltimo parágrafo do comunicado.

O último parágrafo é redigido com os olhos postos no futuro, com a objetivo de trabalhar para a “reconciliação” do País Basco, por via “da honestidade”. “É um exercício necessário para conhecer a verdade de modo construtivo, curar feridas e garantir que este sofrimento não volte a acontecer”, acredita o grupo.

Seis anos depois do fim da luta armada, os etarras pedem uma “solução democrática para um conflito político” rumo à paz e à liberdade. “Para que se apaguem definitivamente as chamas de Guernica”, conclui o grupo.

Ao comunicado de perdão, a ETA anexa ainda uma “nota explicativa” para justificar o pedido de desculpas. O grupo insiste que o mea culpa é sincero e que é necessário promover a convivência, “sem esquecer o passado” mas “sem hipotecar o futuro”. “Não necessitamos, não precisamos de um futuro sem passado, nem de um passado sem futuro”, resumem.

A Euskadi Ta Askatasuna denuncia ainda o que classifica de “empenho em complicar a situação” por quem “tem outros interesses políticos”. O grupo garante ainda que reivindicou e assumiu a responsabilidade por todos os atos cometidos e denuncia que outros não fizeram o mesmo. A ETA nota que é fundamental que se conheça “toda a verdade”, acredita que esta chegará e mostra-se disponível para contribuir.
Vitória da "democracia"
Numa primeira reação, o Governo de Espanha congratulou-se com o pedido de desculpas. Madrid considera que a ETA foi derrotada “com as armas da democracia”. “A ETA deveria ter pedido desculpa pelo sofrimento causado de forma sincera e incondicional há muito tempo”, não deixa de assinalar o gabinete do primeiro-ministro Mariano Rajoy.

O secretário-geral do Partido Socialista Operário Espanhol vê na assunção de culpas da ETA um “grande passo para a paz definitiva”. A União Europeia nota que “este é o tipo de notícias que gosta de comentar”. O porta-voz do executivo comunitário considera que o pedido de desculpa da organização independentista “vai em direção da paz e da vitória do Estado de direito em Espanha e na Europa”, um lugar onde “não há lugar para armas”.

Os familiares das vítimas olham com maior ceticismo para o comunicado da ETA. A Associação de Vítimas do Terrorismo lamenta que a organização use o comunicado para “justificar uma vez mais a sua atividade terrorista” Esta entidade denuncia mesmo que este é “mais um passo na estratégia orquestrada pela ETA” para “diluir a sua verdadeira responsabilidade e justificar o uso da violência para impor o seu projeto totalitário e manipular a história”.

O pedido de desculpa apresentado pela ETA é mais um passo no expectável fim deste grupo. Um dos membros do grupo internacional que participa nas negociações para resolver o conflito revelou na quinta-feira que a dissolução da organização será anunciada no primeiro fim de semana de maio, no País Basco francês.

O responsável promete uma declaração “muito clara” e que não deixará dúvidas do fim do grupo terrorista. Os detalhes deverão ser anunciados esta segunda-feira numa conferência de imprensa que se realiza em Bayonne.
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