EUA. Fotografia de pai e filha afogados relança debate sobre drama dos migrantes

por RTP
Abraham Pineda-Jácome - EPA

O homem e a criança com menos de dois anos eram de El Salvador e morreram afogados no passado domingo no Rio Grande, quando tentavam chegar aos Estados Unidos. A imagem dos dois migrantes está a correr o mundo e ilustra o drama da crise migratória na fronteira com o México.

Óscar e Valeria Martínez. Pai e filha, de origem salvadorenha, morreram afogados enquanto tentavam alcançar os Estados Unidos. A fotografia, captada pela jornalista Julia Le Duc, do diário mexicano La Jornada, mostra os dois corpos deitados de cabeça para baixo, com um braço da criança agarrado ao pescoço do pai.



Os dois foram descobertos na margem do rio Grande, perto de Matamoros, no México, perto de Brownsville, Texas. Estavam a apenas a um quilómetro da ponte internacional que faz a ligação entre os dois países.  

De acordo com a repórter, a família – Óscar, Valeria e a mulher, Tania Ávalos - tinha chegado a Matamoros no domingo, onde pretendia pedir asilo às autoridades norte-americanas. Quando perceberam que a mera apresentaçao do pedido de asilo poderia levar várias semanas, decidiram que iriam tentar atravessar o rio.  

Na descrição do afogamento feita ao jornal The Guardian pela jornalista Julia Le Duc, que vai ao encontro do que foi dito por Tania Ávalos à polícia mexicana, o pai, Óscar Martinez, de 25 anos, atravessou o rio com a criança, com um ano e 11 meses, levando-a para o lado americano. Quando deixou a criança em terra e voltou para trás, para ir buscar a mulher, a menina atirou-se à água para seguir o pai. Apercebendo-se da situação, o homem tentou salvar a filha, mas ambos foram arrastados pela corrente. 

Os gritos da mulher chamaram à atenção das forças de segurança de Matamoros, que iniciaram uma operação de busca ainda no domingo. As buscas foram interrompidas com o cair da noite e logo na segunda-feira de manhã os dois corpos foram encontrados.  

O jornal The New York Times apresenta uma versão ligeiramente diferente, tendo também por base o depoimento de Tania Ávalos: a criança seguia nas costas do pai, por baixo da camisola, enquanto tentavam passar o rio e a mulher seguia atrás deles. Óscar Martínez e a filha estavam a aproximar-se da margem oposta com dificuldade, devido à força da corrente. A mulher decidiu voltar para trás, para a margem mexicana. Quando olhou para trás, viu que o marido e a filha a afogarem-se e a serem levados pela corrente.

Em declarações ao jornal El Salvador, a mãe de Óscar Martinez conta que a família abandonou o país de origem no dia 3 de abril, tendo passado dois meses num abrigo em Tapachula, junto à fronteira entre o México e o Guatemala.   

O rio Grande constitui uma das fronteiras naturais entre o México e os Estados Unidos, assim como o deserto do Sonora. No ano passado, pelo menos 283 migrantes morreram a tentar chegar aos Estados Unidos. 
Acordo entre EUA e México
No início de junho, México e Estados Unidos anunciaram ter chegado a um acordo em que o México se comprometia a tomar “medidas sem precedentes” para travar o fluxo de migrantes nas fronteiras, com o destacamento de 15.000 polícias e militares para a fronteira norte e 6.500 para a fronteira sul com a Guatemala.  

O acordo estabelece ainda que os requerentes de asilo devem aguardar por uma resposta no México, um processo que pode demorar vários anos. Em troca, a Administração Trump suspendeu a aplicação de pesadas taxas alfandegárias ao país vizinho.  


A crescente morosidade do processo tem levado vários migrantes a arriscarem percorrer rotas mais perigosas para chegarem ao destino. No início da semana, uma patrulha norte-americana encontrou os corpos de dois bebés, uma criança e uma mulher com cerca de 20 anos no sul do Texas, perto do parque Anzalduas.

As quatro vítimas, cujos nomes não foram revelados, já teriam morrido há vários dias devido à desidratação e exposição ao calor, após terem concretizado a travessia do rio Grande.  

“É lamentável que isto esteja a acontecer. À medida que há uma maior rejeição por parte dos Estados Unidos, haverá pessoas que vão perder a vida no deserto ou a atravessar o rio”, alertou o Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador.

Depois do que se passou à família de El Salvador, os restantes familiares pedem ajuda ao Presidente do país para repatriar os corpos de Óscar e Valeria Martínez, uma vez que a despesa pode chegar até aos 7.500 dólares e a família não dispõe dos recursos necessários.

“Estamos unidos pela dor desta perda irreparável. Nenhum salvadorenho deve ter necessidade de abandonar o seu país por falta de oportunidades. Pedimos à família que nos contacte para dar início ao repatriamento”, disse o Presidente salvadorenho Nayib Bukele.  

A imagem que representa a crise migratória centro-americana está a ser comparada à fotografia de Alan Kurdi, o rapaz sírio de três anos que morreu numa praia turca enquanto tentava chegar à ilha grega de Kos, em 2015. Na altura, o caso despertou a atenção da Europa e do mundo para o drama dos refugiados no Mediterrâneo.

Em reação às recentes mortes na fronteira com o México, vários candidatos à presidência dos Estados Unidos do lado democrata falaram sobre o tema. Beto O’Rourke considerou que “Trump é responsável por estas mortes”, enquanto a candidata Kamala Harris disse que este caso “é uma mancha na nossa consciência moral”.
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