EUA. O que é a NRA e por que razão é tão poderosa

por Graça Andrade Ramos - RTP
NRA

Nos Estados Unidos da América, sempre que se dá um tiroteio em massa contra inocentes - e todos os anos há dezenas se não centenas - o livre acesso a armas de fogo regressa ao debate nacional, com os apoiantes do Partido Democrata a defenderem geralmente o controlo do armamento acessível à população civil e os do Partido Republicano a opor-se por princípio a qualquer mudança nesse direito.

Esta terça-feira, no rescaldo do tiroteio que matou 19 crianças e duas professoras numa escola primária do Texas, não foi exceção. O presidente Joe Biden, em democrata, reagiu resumindo a polémica numa curta pergunta. “Quando vamos enfrentar o lobby das armas?”

Esta influência encarna, embora não se esgote, na NRA, sigla para Nacional Rifle Association, ou Associação Nacional de Armas, o grupo mais influente na defesa do direito de porte de armas consagrado na Segunda Emenda da Constituição dos EUA.

Para os membros da NRA, esta provisão constitucional consagra de forma absoluta o direito dos cidadãos norte-americanos cumpridores da lei à auto-defesa e por isso à posse e ao porte de armas sem que o Governo possa intervir. Uma interpretação contestada pelos seus opositores.

O grupo orgulha-se de ser a mais antiga organização defensora dos direitos civis nos Estados Unidos, tendo sido fundado em 1871 por dois veteranos da guerra civil norte-americana. O objetivo inicial da associação foi recreativo. A NRA pretendia “promover e encorajar o tiro com espingarda de forma científica”.

Em 1934 começou a pugnar pela defesa do direito do porte de armas, informando os seus associados sobre legislação sobre armamento então em preparação.

Apoiou nesse ano a Lei de Armas de Fogo, a NFA, e 34 anos depois a Lei de Controlo de Armas de 1968, GCA.

De então para cá o seu envolvimento político apenas cresceu e em 1975 formou o ILA, Instituto para a Ação Legislativa. Dois anos depois formou o PAC, Comité para a Ação Política, que versa financiamentos aos legisladores.
O que pretende
Nos 10 anos seguintes a ILA foi central na reforma da GCA que consagrou a Lei de Proteção dos Possuidores de Armas de Fogo assinada em 1986 pelo então presidente Ronald Reagan. A missão do ILA é a defesa do direito de qualquer cidadão cumpridor da lei a “adquirir, possuir e usar armas de fogo para fins legítimos, conforme garantido pela Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos”.

A NRA opõe-se firmemente a legislação local, estatal e federal que restrinja a posse de armas por parte de civis.

Por exemplo, quer evitar que as armas confiscadas pela polícia sejam revendidas, por considerar que destrui-las seria um desperdício de armas perfeitamente operacionais.

Apoia por outro lado leis que permitem o uso visível de armas em locais públicos. Os associados da NRA consideram que a posse de armas por parte de uma população treinada ajuda a evitar a violência e previne massacres.

O seu presidente-executivo, Wayne La Pierre, foi criticado por todo o espectro político quando afirmou, após o tiroteio de Sandy Hook em 2012, que a falta de um guarda armado na escola era responsável pela tragédia.

Em 2018 e 2019 o país debateu a possibilidade dos professores poderem andar armados dentro de recintos escolares para poderem defender-se e aos seus alunos em caso de ataque.

Vários Estados, incluindo o Colorado, o Montana e o Ohio adotaram legislação a permiti-lo. Noutros, como o Indiana, este direito só é concedido a determinados indivíduos especialmente autorizados pelo conselho diretivo das escolas.

Os detratores desta solução apontam o perigo de um estudante se apropriar da arma de um professor ou deste interpretar mal a atitude de um aluno, sobretudo se tal erro tiver contornos racistas. O tempo e as despesas necessárias para treinar professores em torno do uso de armas de fogo também poderiam refletir-se negativamente no orçamento e nas atividades escolares, argumentam.
Políticos de A a F
A NRA transformou-se em meio século num dos maiores grupos norte-americanos de influência em torno de um objetivo único, exercendo, através de um orçamento substancial, uma pressão considerável entre membros do Congresso sempre que o debate gira em torno do uso de armas de fogo por parte de civis.

Só em 2020 a NRA gastou mais de 250 milhões de dólares, mais do que todos os grupos que advogam o controlo das armas ligeiras em conjunto. Contudo a Associação tem muito mais membros do que estes e as suas atividades não se esgotam na influência. Investe por exemplo em campos de tiro e em programas educativos.

Apenas cerca de três milhões de dólares são aplicados anualmente pela NRA na interferência em políticas legislativas de armamento. Em 2014 o montante rondou, por exemplo, os 3.3 milhões, números oficiais. Contribuições para legisladores ou oficiosas, independentes e através do PAC são mais difíceis de contabilizar.
A associação enfrenta entretanto alegações interpostas pelas Procuradorias de Washington e de Nova Iorque, de que os dirigentes seniores desviaram fundos caritativos em proveito pessoal. A NRA considera as acusações “um ataque infundado e premeditado”.
Muitos membros da NRA são ainda políticos e votam de acordo com os interesses da associação. Esta classifica publicamente de A a F os membros do Congresso, de acordo com o apoio destes, maior ou menor, ao direito de porte de armas.

Sinal do poder da NRA junto da opinião pública é o facto desta informação afetar as sondagens podendo até levar à derrota de um candidato que apoie o controlo do armamento e vice-versa. A questão divide o país.

Depois de 2016 e da entrada na Casa Branca de Donald Trump, um notório apoiante da NRA, o investimento da associação em campanhas políticas conheceu um decréscimo. Em contraste, os investimentos em grupos apoiantes do controlo de armas subiram, tendo ultrapassado pela primeira vez a NRA em 2018.Quantos são
Estima-se que a associação tenha cerca de três milhões de membros, apesar de em 2012, em resposta ao massacre na escola de Sandy Hook, a NRA ter referido um aumento em flecha de associados para perto de cinco milhões, números que afirma manter. A organização tem sido acusada de inflacionar os associados.

Algumas personalidades assumem pertencer à associação, incluindo, entre os políticos, a ex-candidata a vice-presidente Sarah Palin e o ex-presidente George HW Bush, este até 1995. Os atores Tom Selleck e Whoopi Goldberg também são membros da NRA e o já falecido Charlton Heston chegou a ser seu presidente entre 1998 e 2003. Em 1999, durante uma convenção após o massacre da Escola Secundária de Columbine, Heston ergueu a sua espingarda acima da cabeça, proclamando perante os delegados que os defensores do controlo de armas só lha tirariam “das mãos frias e mortas”.

Para este fim-de-semana está marcada mais uma convenção anual da NRA onde é esperado o ex-presidente Donald Trump, já dia 27 quando forem duas da tarde em Houston, naquela que será a sua sexta-participação do género.

A conta Twitter da NRA transformou-se nos últimos anos num dos maiores veículos de contacto e de informação dos seus membros em defesa dos seus interesses.

Uma das últimas iniciativas é a contestação a Steven Dettelbach, um legislador do Ohio nomeado pelo presidente Joe Biden para dirigir a poderosa ATF, a Agência Federal de controlo de Álcool, Tabaco, Armas e Explosivos.

Dettelbach é conhecido por defender tudo o que a NRA abomina, desde a proibição de porte de armas até à interdição de venda privada de armas de fogo passando pelo registo do armamento. O ex-procurador-geral do Ohio deverá ser ouvido esta quarta-feira pela comissão do Senado que aprecia a sua indigitação.
Efeito do porte de armas
O direito constitucional a posse e porte de armas para auto-defesa, conforme defendido pela NRA, é considerado inalianável por milhões de norte-americanos e a associação afirma que as estatísticas apoiam os seus argumentos.Num artigo recente, a NRA lembra que "os cidadãos americanos cumpridores da lei não são problemas a precisar de solução". "Apesar do que a Administração Biden argumenta, cidadãos armados ajudam a manter os invivíduos mais seguros", acrescenta, rejeitando as ameaças de um cenário de Wild West.

O direito a porte de armas, refere, tem estado a expandir-se novamente pelo país desde o início do século a partir do Alasca, com um efeito positivo na queda de crimes.

Tal "não leva a mudanças significativas em homicídios ou em suicídios com armas de fogo. Os cenários apocalípticos antecipados pela adoção do porte constitucional de armas não se confirmam na ciência social", afirma, citando um estudo alargado de mais de 50 factores que influenciam a ocorrência de crimes armados como assaltos ou homicídios, coordenado por Alexander Adams e pelo professor Youngsung Kim da Universidade Estatal do Colorado.

O estudo referido apenas analisa o efeito possível do porte de armas e não a ocorrência de ataques e de tiroteios potenciados pelo livre acesso a armas de fogo.

em 2021 registaram-se quase 700 episódios de tiroteios em locais públicos nos Estados Unidos, como centros comerciais ou igrejas, e em escolas, a uma média de dois por dia. Em 28 deles contaram-se pelo menos quatro mortos.

O ataque desta terça-feira foi o décimo em larga escala em cinco meses, entre mais de 200 tiroteios em que pelo menos quatro ou mais pessoas foram feridas ou mortas.
Através da rede Twitter a associação distanciou-se do massacre, que classificou de "crime horrífico" e prestou homenagem às vítimas e suas famílias, destacando o papel e a coragem de quem respondeu ao ataque.

"Reconhecemos que este foi um acto de um indivíduo isolado e perturbado", frisou ainda a NRA no mesmo comunicado. "Prometemos redobrar os esforços para tornar as nossas escolas seguras".
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