Europa mais social para combater euroceticismo

por Graça Andrade Ramos - RTP
Polícias à paisana observam o desenrolar de protestos em França contra a perda de direitos e regalias sociais Stephane Mahe - Reuters

É a resposta dos líderes da União ao crescente distanciamento dos seus cidadãos face ao ideal europeu. Em Gotemburgo, durante a Cimeira Social para o Emprego Justo e o Crescimento, os dirigentes afirmaram a vontade de colocar as políticas sociais no centro das preocupações, aproveitando a retoma económica.

Querem ainda incrementar a Educação e o programa Erasmus, para criar uma identidade europeia e deter a xenofobia e o populismo.

"Temos observado uma inquietação crescente entre as pessoas e uma desconfiança cada vez maior quanto a soluções políticas", referiu o primeiro-ministro sueco Stefan Löfven, anfitrião da cimeira, antes de deixar um apelo: "Já é tempo de recolocarmos os cidadãos no centro das preocupações da UE, pois a União é, antes de mais, os nossos cidadãos".

A cimeira coincide com o momento em que a UE perde a segunda maior economia, a britânica. O debate sobre o Brexit marcou por isso vários dos encontros, com Donald Tusk a negar que as negociações entre a UE e o Reino Unido estejam num impasse.

Nas mentes de todos igualmente, mas nunca abordado, o desafio à Europa colocado pela recente declaração de independência da Catalunha.Entre os grandes ausentes da cimeira está a chanceler alemã Angela Merkel, que negoceia a formação de um novo Governo de coligação. A Alemanha tem sido um dos países europeus onde os apoios sociais têm estado em declínio acentuado, desde a recente reforma laboral.

A menos de 18 meses das eleições europeias, as correntes eurocéticas ganham força e avançam de vento em popa na UE, como demonstram eleições recentes na Alemanha, em França e na Áustria, sem que os cidadãos encontrem grande resposta na soluções tradicionais.

A resposta a este euroceticismo é, acreditam os líderes europeus, regressar às políticas de grandes apoios sociais, os quais têm vindo a ser desmantelados em vários países em nome da austeridade e por pressão financeira, causando agitação social e protestos.

A Educação é outra das apostas dos líderes europeus, para incrementar a unidade e criar uma identidade europeia.

A Comissão quer que, até 2015, todos os Governos da UE invistam no mínimo cinco por cento em Educação, a média atual mas que países como a Alemanha, a Itália, a Grécia, a Espanha, a Bulgária e a Roménia não cumprem.

Neste campo, a prioridade declarada dos dirigentes reunidos em Gotemburgo é explorar mais a fundo as possibilidades abertas pelo programa de troca de estudantes universitários, Erasmus.
Declaração dos 28
A cimeira de Gotemburgo reuniu, além de chefes de governo e de instituições da União Europeia (UE), parceiros sociais e ONG, entre outros interessados em discutir o futuro da dimensão social da Europa.

Ponto alto do encontro, a assinatura pelos 28 Estados-membros da UE de uma declaração conjunta contra o dumping social, batizada "Pilar Europeu dos Direitos Sociais", sem efeitos legais mas apresentada como sinal aos povos de que os mais frágeis e desprotegidos entre eles não estão esquecidos.

A declaração agrega 20 princípios e direitos que deverão ser supostamente respeitados em todo o continente europeu, como o direito ao ensino e a orientação profissional, à igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres.

Refere ainda que devem ser garantidos "salários mínimos apropriados, a um nível que permita satisfazer as necessidades do trabalhador e da sua família, tendo em conta as condições económicas e sociais do pais, salvaguardando ao mesmo tempo o direito ao emprego e os convites à procura de um emprego".

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, mostrou-se contudo um pouco cético quanto ao futuro desta declaração.

"O meu desejo seria, e vamos fazer tudo para chegar lá, que esta declaração não ficasse uma coleção de poemas mas que, pelo contrário, eles se concretizassem através de projetos legislativos", afirmou.

Juncker exortou aliás os Estados-membros e o Parlamento Europeu a adotar certas iniciativas de caráter social que se mantêm suspensas.
O papel do Erasmus
A grande aposta que sai da cimeira é no alargamento e incremento do programa de troca de estudantes universitários, Erasmus, uma das políticas de maior sucesso para a integração europeia e que já está a ser usado por nove milhões de europeus.Ao almoço, os líderes debateram e apoiaram a proposta da Comissão Europeia de criação de uma Área de Educação Europeia, através da qual a UE poderia ajudar a promover estudos em vários dos seus membros.

Relatórios e estatísticas demonstram que 90 por cento dos estudantes de Erasmus, que passam em média seis meses a um ano a estudar numa universidade de outro país da União que não o seu, regressam a casa com uma maior consciência de valores comuns europeus.

A ideia é ajudar a criar uma identidade europeia, deixando mais pessoas estudar em países de todo o bloco, com ênfase na aprendizagem de línguas e gerando maior cooperação entre as universidades, incluindo nos currículos.

A Comissão espera que, ao incrementar o Erasmus, este abranja mais dois milhões de pessoas nos próximos dois anos, apesar de os líderes se mostrarem cautelosos quanto ao financiamento que a ideia pode vir a requerer.
Mais duas línguas
Os líderes europeus acordaram ainda em fazer tudo para que, até 2015, os jovens europeus dominem duas línguas estrangeiras além da sua. Juncker deu como exemplo os luxemburgueses, que dominam o alemão, o francês e o próprio dialeto, além de, geralmente, o inglês. "Até 2025 deveríamos viver numa Europa na qual estudar, aprender e fazer pesquisa não seja dificultado por fronteiras mas onde passar algum tempo noutro estado-membro para estudar, aprender ou trabalhar seja a norma", afirmou o vice-presidente da Comissão, Jyrki Katainen.

"Durante o nosso encontro hoje, estabelecemos o apoio político a estas ideias", revelou, em conferência de imprensa, Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu.

"Ao olhar para o futuro da Europa necessitamos de um motor para a unidade. Educação é a chave, porque é a educação que nos ajuda a desenvolver uma identidade europeia", afirmou por seu lado o comissário para a a Educação, Tibor Navracsics.

Outra ideia que gerou consenso foi a de, até início de 2019, providenciar aos estudantes da União Europeia um cartão de estudante eletrónico.

Este deverá permitir aos utilizadores a troca segura de dados, como registos estudantis e conhecimentos académicos, assim como acesso a serviços, como materiais necessários aos cursos, serviços de inscrição ou livrarias online em instituições aderentes ou nacionais.

Aumentar a literacia informática e criar uma rede de universidades de nível europeu que possam trabalhar juntas foram outras propostas bem acolhidas.
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