Ex-PM são-tomense diz que ataque a quartel foi "encenação" para neutralizar adversários

por Lusa

O ex-primeiro-ministro são-tomense Jorge Bom Jesus rejeitou hoje que tenha ocorrido uma tentativa de golpe de Estado no país, defendendo que o ataque ao quartel-general militar foi "uma encenação" do poder para neutralizar adversários e endurecer o regime.

"Estou aqui para denunciar sem equívocos que se tratou de um pretexto para torturar pessoas incómodas, atingir adversários políticos. Só assim se pode justificar tanta barbaridade", disse hoje, em entrevista à Lusa, Jorge Bom Jesus, a propósito da morte de quatro pessoas, sob custódia dos militares, após o assalto ao quartel-general das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe, em 25 de novembro.

Para o líder do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP/PSD), "o que pode estar por detrás de tudo isso é o endurecimento do regime, buscar formas para calar os opositores, de alguma forma neutralizá-los e poder transformar São Tomé e Príncipe num estado ditatorial, em que vigora o `posso e mando`, passando por cima das instituições democráticas".

"Não podemos de forma nenhuma ilibar a responsabilidade do chefe do Governo neste momento. São Tomé e Príncipe tem um Governo e um Governo que se pronunciou nas primeiras horas", comentou Bom Jesus, referindo-se à conferência de imprensa em que o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, deu informações sobre o ataque, às primeiras horas do dia 25.

Por outro lado, rejeitou qualquer envolvimento da oposição nos acontecimentos.

"Eu não percebo porque é que um Governo com menos de um mês de vigência começa a muscular desta maneira e depois procurar bodes expiatórios. (...) Estivemos no Governo durante quatro anos, houve um processo democrático. A oposição iria participar no golpe agora para quê, com que interesse? É procurar fantasmas que não existem", referiu.

O executivo de Patrice Trovoada iniciou funções em 14 de novembro, na sequência da vitória da Ação Democrática Independente (ADI), com maioria absoluta, nas eleições legislativas de 25 de setembro.

O antigo chefe do Governo reclama "investigações mais céleres, mais profundas, mais imparciais e independentes, de forma a que toda a verdade possa vir à ribalta", e sugere uma averiguação autónoma da Amnistia Internacional, ou outras organizações não-governamentais especializadas em direitos humanos.

"As informações que nos têm chegado apresentam muito pouca consistência, muitas incongruências, muitas falsidades, que nos levam de facto a acreditar que tudo isto não passou de uma encenação", salientou, pedindo o apoio de "todos os amantes da democracia, países amigos e cooperações bilaterais e multilaterais".

"Espero que a investigação nos esclareça tudo isto porque é muito fácil agora circular pelo mundo, ludibriar a comunidade internacional, trazer uma versão falseada da realidade", referiu, numa alusão ao seu sucessor, que está em Portugal para contactar as autoridades nacionais e segue depois para a cimeira entre Estados Unidos da América e países africanos, em Washington.

A Polícia Judiciária e o Instituto de Medicina Legal portugueses chegaram ao terreno 48 horas depois dos acontecimentos, para ajudar na investigação das autoridades são-tomenses, a pedido do Governo são-tomense.

Também a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) está a realizar uma missão de informação sobre os acontecimentos de 25 de novembro, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos envia esta semana uma equipa para o país para averiguar os maus-tratos aos detidos.

Após o ataque, três dos quatro assaltantes e Arlécio Costa, um antigo combatente do `batalhão Búfalo` alegadamente identificado como mandante do ataque, morreram, quando se encontravam sob custódia dos militares, tendo circulado imagens e vídeos que mostram que foram alvo de maus-tratos.

Na quinta-feira passada, o Governo são-tomense anunciou ter feito uma denúncia ao Ministério Público para que investigue a "violência e tratamento desumano" de militares contra detidos após o ataque ao quartel-general das Forças Armadas.

No mesmo dia, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe pediu a demissão, denunciando "atos de traição" e condenando os "factos horrorosos" que envolveram a morte de quatro detidos.

Nas primeiras horas após o ataque, os militares também detiveram, na sua casa, o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, alegadamente identificado pelos atacantes também como mandante do assalto.

Delfim Neves foi libertado três dias depois, após ter sido presente à juíza de instrução criminal, com apresentação periódica às autoridades e termo de identidade e residência, e negou qualquer envolvimento com este ato, que descreveu como "uma montagem" para o incriminar.

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