França à procura de um Presidente: o essencial do primeiro debate

por Christopher Marques - RTP
Patrick Kovarick - AFP

Foram mais de três horas de debate a cinco mas sem grandes novidades. Os casos judiciais que envolvem Fillon e Le Pen fizeram apenas curtas aparições e acabou por falar-se pouco de temas internacionais. Marine Le Pen defendeu o fim da imigração em França, insistiu na realização de um referendo à permanência da França na União Europeia e abriu a porta a uma taxa de 35 por cento sobre produtos importados. Emmanuel Macron foi atacado pelas suas ligações à banca.

Foi o primeiro de pelo menos três debates que marcam um novo arranque na campanha eleitoral. A televisão privada TF1 acolheu o primeiro confronto televisivo que contou apenas com cinco dos 11 candidatos presidenciais.

A estação televisiva decidiu não incluir os candidatos menos bem colocados nas sondagens. Apesar de terem comparecido a este confronto, todos os candidatos presentes criticaram a TF1 pela decisão.

Os próximos debates televisivos contarão já com todos os candidatos, estando marcados para os dias 4 e 20 de abril. As sondagens colocam atualmente Marine Le Pen e Emmanuel Macron nos dois primeiros lugares da primeira volta. Segundo os inquéritos estatísticos, Macron venceria a eleição numa segunda volta.

Apesar de tudo, nada parece decidido. Afinal, tanto a primária da direita como a da esquerda foram vencidas por candidatos à partida improváveis: o socialista Benoît Hamon e o conservador François Fillon. Duas vitórias conseguidas em boa parte pelas boas prestações nos debates televisivos, facto que dá ainda mais importância a estes confrontos.

Uma sondagem da Elabe para a BFMTV indica que Emmanuel Macron foi o mais convincente neste confronto. A opinião é referida por 29 por cento dos entrevistados, seguindo-se o candidato da Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, (20 por cento). A nacionalista Marine Le Pen e o conservador François Fillon ficam em terceiro lugar com 19 por cento.
Imigração
É um dos temas fortes da campanha, fortemente inflacionado pela candidata nacionalista Marine Le Pen. Sem deixar margem para dúvidas, Le Pen disse querer acabar com a imigração, seja ela legal ou ilegal. A candidata pretende o regresso das fronteiras nacionais.

“Não temos mais nada para oferecer aos imigrantes”, garantiu, justificando-se com os problemas económicos do país.

Por sua vez, Emmanuel Macron defendeu o acolhimento dos refugiados, apontando que a França está longe de cumprir a meta acordada com os parceiros europeus. O candidato defendeu ainda o reforço das fronteiras, apontando o dedo à imigração ilegal.

François Fillon quer que sejam criadas quotas, com o Parlamento a votar anualmente o número de pessoas que podem imigrar para o país. “Dá-nos um instrumento de controlo e permite-nos fazer um debate transparente anualmente”, explicou o conservador.

O candidato criticou ainda a política para os refugiados seguida pela Alemanha de Angela Merkel – que fora elogiada por Emmanuel Macron. O socialista Benoît Hamon considera que a França não tem atualmente problemas de imigração, tendo dito que o saldo é praticamente estável. Mélenchon falou da imigração como um “exílio forçado”, exemplificando com o seu caso pessoal.
Legislação laboral
O conservador François Fillon mantém o objetivo de acabar com a regra das 35 horas semanais de trabalho, atualmente em vigor em França. Fillon considera que “quanto mais horas trabalhadas, mais produção, logo mais riqueza”, assinalando que “há países à nossa volta que conseguiram chegar ao pleno emprego”.

O candidato oficial da direita quer que o horário semanal seja debatido nas próprias empresas, garantindo que “há muitas empresas e trabalhadores que querem trabalhar mais do que 35 horas”.

Emmanuel Macron defendeu a redução de impostos para as empresas. Apesar de afirmar não querer acabar com a regra das 35 horas, o candidato do movimento En Marche pretende que se chegue a consenso nas empresas.

O socialista Benoît Hamon prometeu ser “o candidato do trabalho e do recibo de vencimento”, sendo o único candidato a defender o Rendimento Básico Universal.

Jean-Luc Mélenchon colocou-se dos lados dos trabalhadores e quer motivar a economia pela procura. “A política do Governo é a política da oferta: produzam qualquer coisa, de qualquer forma. A minha política é a inversa, uma política da procura”, explicou o candidato.

Marine Le Pen acusou Emmanuel Macron e François Fillon de serem “extra-liberais” e culpou a União Europeia e a “concorrência desleal” pelo aumento do desemprego. A filha de Jean-Marie Le Pen faz a defesa do “patriotismo económico”, afirmando que “não está encarregue de promover o emprego” no estrangeiro.

Fazendo referência à deslocação da produção de uma fábrica da Whirpool para a Polónia, Le Pen abriu a porta a uma taxa de 35 por cento sobre os produtos importados.
Brexit, Trump, Le Pen
Depois de duas vitórias do populismo, Marine Le Pen procura a terceira. Apresentou-se como defensora dos agricultores, dos independentes e do poder de compra. François Fillon acusou-a de querer mergulhar a França no “caos económico” com a saída do euro e da União Europeia.

“O verdadeiro serial killer do poder de compra é a senhora Le Pen com a saída da Zona Euro”, acusou.

Marine Le Pen respondeu que Fillon recorre a um “projeto de medo”, tal como “foi utilizado antes do Brexit e da eleição de Donald Trump”. Emmanuel Macron também se juntou ao debate, lembrando o que aconteceu no Reino Unido depois do Brexit. “Todos aqueles que queriam o Brexit fugiram e não quiseram ficar no poder”, afirmou.

A candidata da Frente Nacional adotou mesmo a saída da União Europeia como tema para a sua intervenção final. Le Pen prometeu levar a cabo um referendo à permanência de França no projeto europeu e garantiu que cumprirá a vontade expressa pelos franceses na votação.
Macron sob ataque
Foi o principal beneficiário da queda de François Fillon nas intenções de voto e é aquele que as sondagens apontam atualmente como próximo Presidente francês. Foi um dos grandes alvos do debate.

Benoît Hamon começou por criticar os lobbies e o poder do dinheiro. Apesar de não avançar com nomes, o ataque estava claramente dirigido ao liberal Emmanuel Macron que trabalhou no banco de investimento Rothschild. O candidato respondeu, lançando críticas aos que estão há décadas na vida política e apresentando-se como o candidato da renovação.

Perante as dúvidas lançadas por Hamon sobre as doações políticas, Macron afirmou que o seu movimento é financiado por indivíduos e não por empresas, falando de doações de um a 7.500 euros e que respeitam todas as regras.

Benoît Hamon pediu a Macron que garantisse que não havia doações de responsáveis das indústrias farmacêutica, bancária, petrolífera e química. Macron não o fez, garantindo apenas que o financiamento da sua campanha é transparente, respeita a lei e que não está dependente de ninguém.

Também Marine Le Pen trouxe o passado de Macron a debate, quando falou em “candidatos que, indiscutivelmente, defendem interesses privados”. São pessoas “formadas nas grandes escolas da República, funcionários e depois banqueiros, que depois regressam à política”, explicou, retratando um quadro que assenta na perfeição a Emmanuel Macron.

O ex-ministro respondeu com ironia. “Acho que esta é outra vez para mim”, lançou, dizendo ainda que os adversários se aborreceriam sem ele. Macron retomou o discurso sério para mostrar a sua confiança na justiça francesa. “Não deixarei que me difame. Se o que diz é grave e verdade, então a justiça fará o seu trabalho”, afirmou.

Emmanuel Macron foi também chamado – e aí diretamente – por Marine Le Pen no debate sobre a laicidade. A candidata nacionalista desafiou-o, acusando-o de ser a favor do burkini, numa referência à polémica que marcou o último verão.

O ex-ministro perdeu a calma e afirmou que “não precisa de um ventríloquo” que fale por ele. “O burkini é um problema, alguns autarcas tomaram medidas, mas é um problema de ordem pública. Não é um grande problema de teoria. Não divida os franceses sobre isso”, respondeu a Le Pen.

Os casos judiciais de François Fillon e Marine Le Pen não motivaram grande debate. O candidato Jean-Luc Mélenchon não deixou de sublinhar que nem todos estão envolvidos, quando os moderadores falaram sobre a moralização da vida pública, perante uma campanha recheada de casos.

“Há apenas duas pessoas envolvidas – François Fillon e Marine Le Pen. Os três outros não têm nada a ver com isso. Não nos ponham todos no mesmo saco”, pediu Mélenchon.
Rússia e terrorismo
O papel da França no mundo era um dos três temas que deveriam ser debatidos durante o confronto televisivo desta segunda-feira. Tendo ficado para último, foi também o menos discutido e onde mais ficou por dizer e esclarecer.

François Fillon defendeu uma reaproximação entre a França e a Rússia. Confrontado pelos moderadores com a anexação russa da Crimeia, Fillon criticou o ocidente, afirmando que também a França contribuiu para redesenhar fronteiras.

“Como somos ocidentais pensamos que podemos fazer tudo, invadir o Iraque, restaurar a ordem em qualquer parte do mundo”, afirmou.

O candidato classificou ainda a política francesa contra o autoproclamado Estado Islâmico de “fracasso” e defendeu que Paris não pode “intervir em todo lado”. “Nunca interviemos tanto como no mandato de François Hollande. A França deve escolher prioridades, deve partilhar este fardo com os parceiros europeus”, afirmou.

O candidato Benoit Hamon defendeu que a França deve “parar as parcerias com países como o Qatar e os Emirados Árabes Unidos”.

Para combater o terrorismo, Marine Le Pen pretende que Paris recupere o controlo das fronteiras, proíba “organizações islamitas” e expulse os estrangeiros sob investigação por radicalismo.

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